Tudo Começa Agora
Eu esperava por aquele momento desde o dia que o Luis chegou à cidade, o momento que eu iria abrir o jogo, abrir meu coração, soltar tudo que havia em mim, tudo que estava preso, talvez ele me perdoasse, eu não era nobre, mas tudo que eu fiz foi para protegê-lo, tudo que tinha feito até hoje foi para privá-lo de toda a dor, de toda ruindade que existia naquele local. Então, reuni todas as forças para começar a contar.
- Luis, a Carol não teve um passado fácil, nunca foi fácil para ela sorrir, nem pensar que tudo estaria bem, ela queria muito te contar tudo o que passamos nesses últimos sete anos. - eu tentava respirar mais fundo para não perder a linha do raciocínio.
-Sim Jefferson, eu também não tive um passado fácil, como a maioria das pessoas. - ele olhava friamente para mim.
- Antes de começarmos a falar, quero que saiba que a Carolina, ela... - nesse momento alguém aparece entre nós, um vulto que sentou do lado de Luis e passou o braço sobre o ombro dele.
- Olá, pessoal, estou atrapalhando algo? - claro que está seu idiota.
- Um pouco Roberto. - eu não estava gostando nada daquela situação.
-Nada Betinho, você não atrapalha em nada, aliais, estava procurando por você. - não acreditava que Luis tinha falado aquilo com tanta naturalidade, Roberto abre um sorriso enorme e incrédulo.
- Então vamos para a festa Lula, lá deve estar bem melhor do que aqui. - ele olhava com deboche para mim, filho da puta!
- Claro... Jefferson, depois conversamos. – ele olhou novamente para mim e foi com as mãos de Roberto nos seus ombros, se ele soubesse...
Um ano atrás
Carol olhava para mim de uma maneira que nunca mais tinha olhado em seis anos, eu via esperança em seu olhar, ela andava de um lado para outro na nossa casa de Sapê. E tudo nela me fazia lembrar o Lula, seis anos já tinha se passado e eu ainda pensava nele, eu ainda sentia em cada móvel dessa casa, Carol sabia de tudo, ela compartilhava do meu sofrimento, mas nada podia fazer até pouco tempo atrás.
- Não acredito que finalmente estamos livres. - ela quase pulava em meus braços.
- Sim, ele está morto e enterrado há duas semanas. - eu ria sem parar, finalmente aquele velho maldito do Pai dela estava morto. Se não fosse por ele e por suas ameaças, eu estaria feliz ao lado do meu amor.
- E o que você vai fazer Carol?- eu já sabia a resposta.
-Óbvio, vou correr até Luis e contar tudo, tudo! Ele vai voltar para você, voltar para ficar. – ela falou isso e escorreu uma lágrima de seus olhos.
- E o Roberto?
- Que poder ele tem sobre nós? Ele se vendeu para meu Pai há muito tempo, se ele nos ameaçar, eu o mato!- ele era um filho da puta medroso mesmo, nunca faria algo contra nós, não depois de tudo.
Ela arrumou quase tudo dentro da nossa casa, casa que morávamos há seis anos, eu a reformei, ainda era de Sapê, mas tinha luz, o velho rádio de pilha estava aposentado, eu nunca mais ousei tocá-lo, não depois de tudo que ocorreu. Sofia estava na casa de Dona Francisca, o impacto da morte do avô ainda não tinha caído sobre ela, ela merecia saber, mas ainda tinham peças no jogo que iriam se encaixar. Carol terminou de arrumar sua mala e foi em direção ao seu carro, partiria hoje mesmo para capital e contaria tudo para Luis, ele saberia de toda a verdade, talvez me perdoasse, talvez eu seria dele novamente, eu sentia alguma esperança depois de tanto tempo.
E ela partiu... Sem saber que nunca mais iria voltar.
Hoje
Olhando para Lua, via que todo o esforço que Carol tinha feito não valeu de nada, ele continuava sem saber o que tinha acontecido com a gente e isso doía muito, mas eu não ia contar tudo de uma vez, queria que ele tivesse a chance de saber aos poucos e isso começaria hoje. Ele veria o quão doloroso foi ficar sem ele, o quão triste todos nós fomos por um capricho de um homem sem coração. Levantei e adentrei para festa e lá estava ele, lindo com uma camisa xadrez azul, um sapatênis branco e jeans claro, ele sempre soube se vestir muito bem, como eu queria estar lá, como eu queria poder tocar suas mãos, beijar sua boca mais uma vez, alguém sentou ao seu lado com um copo na mão, Roberto! Aquele idiota ainda estava atrás do meu Lula, eu tinha que dar um jeito de tirar ele da jogada antes que fosse tarde demais, antes que ele metesse um monte de mentiras na cabeça dele. Eu sei que Luis era muito esperto, mas ele estava cego, cego pelo ódio, pela dor que sentia por mim e eu teria que diluir essa raiva assim como um rio dilui as pedras e cascalhos do seu leito.
A festa passou pesada, eu sentado lá, olhando para aquela cena, e eles no maior papo, aproveitei a oportunidade que Roberto foi ver a Clarinha e que o Luis foi ao banheiro e o segui. Ele levou um susto quando olhou no espelho e me viu.
- Onze e meia, sua casa, sem mais nem menos. - falei e sai sem mesmo dar tempo para ele retrucar.
Já eram dez horas quando eu saio levando Dona Francisca e Sofia, no caminho só pensava no que eu iria fazer para ele pelo menos confiar em mim, então resolvi onde eu iria levá-lo, chegando em casa, dei banho em Sofia que já estava morrendo de sono e logo dormiu como um anjo , arrumei-me e pedi para Dona Francisca dormir também e me avisar se alguma coisa acontecesse.
Onze e meia estava na frente da porta da casa dele, ele já estava me esperando, o mandei entrar e assim que ele abre a porta sinto seu perfume no ar, um cheiro floral invade meu carro, um cheiro bom que só ele tinha, me segurei para não falar merda.
- Sim, vamos aonde?
- Coloque o sinto- se ele não me obedecia por bem, por mal ele faria tudo que eu queria, ele olhou para mim com um ar de "Quem você pensa que é?" e me analisou por um tempo, não tendo resposta, colocou o sinto em frustração.
Eu já sabia aquele caminho de cor e salteado, então fui guiando devagar, tentando ver se ele lembraria o caminho também, começou a chuviscar e isso me preocupava, o caminho era muito lamacento por natureza, quando chovia ficava quase impossível de trafegar. Aos poucos eu vi que ele estava se lembrando de tudo e vi que sua boca estava começando a cair.
- Você não??- ele me perguntava com uma expressão de terror.
- Cala a boca. - olhei para ele e me virei para prestar atenção na estrada.
A chuva já estava muito forte quando chegamos, mesmo sabendo que não tinha mais como voltar, (na verdade eu queria que isso acontecesse) eu desci do carro e fui ao outro lado para tirá-lo.
- Eu não vou descer daqui nem que a vaca tussa!- como ele era teimoso.
- Você não quer ver a Carol?- ele abriu mais os olhos quando falei o nome dela, a curiosidade foi maior e saímos na chuva, eu já estava todo molhado, mas não me importava, a gente passou direto pela casa de Sapê, ele não entendia nada, mas não liguei, quando ele visse iria juntar as peças e tudo começaria, eu estava na frente dele, levei-o até o fim do terreno, lá estava uma pequena lápide, ele olhou pra mim confuso, depois com medo e depois com tristeza, chegou mais perto, ajoelhou e olhou para os Dizeres: Aqui Jaz Carolina Albuquerque, eu me ajoelhei ao seu lado, seus olhos estavam cheios de lágrimas, sua expressão estava de total choque quando ele viu a data do seu falecimento, um dia depois dela ter ido atrás dele, o dia que eles conversaram.
Bem pessoal, mais uma parte escrita, espero que gostem, muito obrigado por todos os comentários.