- Bom, garotos, já que o nosso querido Joaquim resolveu nos deixar, devo lhes anunciar o seu substituto. - disse Seu Mané entrando no barracão - Que rufem os tambores!
Joaquim e Cauê começaram a bater nas caixas.
- E o nosso novo funcionário é... Felipe Nurks! - anunciou a entrada de Felipe
- Oh, meu Deus! - Cauê dera um grito.
- Como é que é? - Joaquim estava incrédulo - O Felipe? Mas ele não aguenta nem um dia. Isso aqui é serviço pesado.
- Tá pensando o quê, Joaquim? Sou cabra macho! - Felipe exibiu os músculos.
- Então eu quero ver serviço feito. Felipe, você tem apenas um mês para aprender tudo e depois serão apenas você e Cauê, por isso aproveite bastante a companhia de Joaquim.
- Pode deixar, Seu Mané. Vou aprender tudinho.
- Eu quero só ver. Bom trabalho. - Seu Mané saiu.
- Ah! Que coisa boa te ter aqui! - Cauê abraçou Felipe.
- Ninguém merece. - sussurrou Joaquim se afastando.
- Isso vai ser divertido. - disse Felipe.
- Mas, por que você não me disse nada?
- Queria te fazer uma surpresa.
***
No dia anterior Felipe e Abel haviam se encontrado:
- Bom! Se vamos nos unir contra o Cauê, você precisa saber de uma coisa. - disse Felipe entrando no quarto de Abel - Que lugar mais fedorento!
- Hum! Então você aceitou a minha proposta?
- E tinha como recusar?
- Então diga.
- O Cauê é apaixonado pelo Joaquim.
- Sério? - um sorriso se acendeu no rosto de Abel.
- E tem mais. O sentimento é recíproco.
- Meu Deus. Eu zoava o Joaquim, mas nunca considerei que fosse verdade.
- Pois é. Os dois se amam, mas não conseguem ficar juntos. Você sabe, toda essa ladainha de casal gay.
- E o Joaquim tirando onda namorando a Jana.
- Puro disfarce.
- Mas deixa o Joaquim pra depois. Vamos focar agora no Cauê. Já sei o quê você vai fazer.
- Manda.
***
Cauê e Felipe se divertiam ao trabalharem juntos. O que incomodava profundamente a Joaquim.
- Você leu ontem os contos da Casa dos Contos? - comentava Felipe de cima do palite.
- Eu leio todas as noites. Eu adoro "Amor Bandido 2". Por favor, o Lucas e o Rafa têm que voltar. - Cauê dizia enquanto pegava as caixas que Felipe jogava.
- Pois é, e os filhos deles, que fofos! Quero ter filhos daquele jeito.
- Nossa e aquele conto?
- Qual?
- Aquele que tem um nome enorme. É... "Arqueiro..."
- "Arqueiro Verde cafajeste ou Super Boy fogoso?"?
- É, esse mesmo. Estou viciado.
- Preciso ler. Um que nunca mais publicou foi o autor de "Fantasea".
- Pois é. Me deixou na mão. Já leu algum da Otília Sabrina?
- Já! Ela começou a publicar há pouco tempo, mas já está arrasando.
- Você lembra do G.Froizz? Eu adorava! Li todos. Pena que ele sumiu.
- Como assim sumiu? Ele está bem aqui na sua frente. - Felipe desceu do palite com um pulo.
- O quê? Você é o G.Froizz?
- Em carne, osso e gostosura.
- Tá, conta outra. O Froizz era muito mais velho.
- Assim você me ofende. Eu menti a idade.
- Mentiroso. Eu sei que não é você. - Cauê cutucava a cintura de Felipe.
- Sou eu sim. - Felipe dizia em meio a gargalhadas.
- Então me diz o título de todos os seus contos, G.Froizz!
- Ah! Eu não lembro mais, são muitos!
- Tá vendo só, que coisa mais feia. Mentindo pra mim.
- Tudo bem. Você quer uma verdade?
- Vamos ver se você é capaz de contar uma.
- Você é lindo.
- Aí, olha! Outra mentira! - Cauê voltou a cutucar Felipe que ria - Me deixou até sem graça.
- Com ou sem graça você é o garoto mais lindo que conheci.
- Bobo. Se eu não te conhecesse diria que você está me paquerando.
- Quem sabe...
- Ei, ei, ei, vocês dois! - Joaquim que os observava de longe cortou o assunto - Vamos trabalhar?
- Sim, chefe! - Cauê respondeu para Joaquim e depois que ele saiu virou-se rindo para Felipe.
- É. Parece que tem alguém com ciúmes. - sussurrou Felipe.
***
Depois que o horário de serviço acabou Cauê recebeu uma ligação:
- Alô?
- Alô, Cauêzito! - era Abel.
- O quê que foi, estrume?
- Hoje é a primeira reunião do nosso grupo, o "Homens Outra Vez".
Cauê começou a rir:
- Sério? Que nome horrível. Preciso escolher um melhor. Que tal "A Buceta de Abel"?
- Palhacinho. Preciso que traga os gays. Não convidei ninguém pois não falo com afeminados.
- Como é que é? Como eu vou arrumar essas pessoas?
- Se vira, biba! - Abel desligou o telefone.
- Passiva rampeira! - gritou Cauê.
***
Um pouco mais tarde, Cauê chegou numa das salas de reunião da igreja com um grupo de travestis:
- Aqui, irmãs, podem sentando! - Cauê foi acomodando as "moças".
- Ai, eu adoro sentar! Delícia! - disse Inês, uma delas.
- Cala essa boca podre, putrefa! Não estás vendo que estás numa igreja? - advertiu uma outra, a Adele.
- O quê que é, ô, mal comida! Vai dar uma de santa agora? - interveio Madonna.
- Cala a boca, demônia! Você é a mais velha e a mais suja daqui. - bradou Beyoncé.
- Gente, vamos parar de dar ibope? Mas que travecas mais mal educadas! - apaziguou Nicki.
Cauê ria da confusão entre os travestis quando Abel entrou:
- Boa no... sso Deus! Quem são vocês?
- Ai, que gostoso! Deve ter um caralhão. Pena que eu não fiz xuca hoje. Aceita cheque? - ofereceu-se Britney.
- Fica na tua, ô, puta porca! Guarda esse cu cagado pros mosquitos. - ofendeu Katy.
- Vai cuidar dessas sacolinhas de supermercado que você chama de peito. - debochou Rihanna.
- Filha, isso aqui é natural, ô, mordidona! Vai chupar um pinto! - gritou Kesha.
- De, de, de, deixa eu espe, pe, petar aí. Va, va, vai inunda, dar a ci, cidade to, to, to, todinha! - gaguejou Gaga.
- Cala a boca, Gaga! - gritaram todas de uma vez.
- Onde você arrumou esses monstros? - perguntou Abel puxando Cauê para um canto.
- Numa esquina qualquer. Agora você faz a sua parte. Hum... Vai ter um trabalhão! - Cauê ria.
- Isso aqui é um grupo sério, não um puteiro gay.
- Ué, Abel. Quem precisa de remédio são os doentes. Elas sim são as pessoas ideais para esse grupo. Parece que você não vai aguentar o tranco.
- É claro que eu vou. No final do projeto, essas gralhas estarão falando grosso.
- Eu espero Abela.
- Vamos começar, rapazes? - Abel voltou-se para os travestis.
- Por favor, me chame de moça. Sou operada. - acentuou Katy.
- Eu estou esperando o strip do tal de Abel. Ele já chegou, Cauê? - perguntou Madonna.
- Ah, verdade! Que falta de educação a minha... Meninas, esse aqui é o Abel. - Cauê apontou para Abel.
- Não, não sou eu, não! - Abel tentou se esquivar.
- Tira! Tira! Tira! Tira! - os travestis cantavam e batiam palmas num coro.
- Eu quero ver pau! - gritou Nicki.
- Êba! - as outras responderam.
***
A desastrosa primeira reunião foi cancelada, Cauê voltava para casa e resolveu tomar o caminho da praça.
Ria consigo mesmo das peripécias que suas novas "amigas" aprontaram com Abel quando teve uma visão desagradável.
Sentados num banco da praça estavam Joaquim e Janaína aos beijos.
Cauê automaticamente parou e ficou a observá-los.
Não acreditava que aquela cena mexia tanto com seus sentimentos. Ele que já havia declarado fim à paixonite que sentia por Joaquim estava se contorcendo de ciúmes.
Saber que aquela boca maravilhosa que havia provado outrora jamais lhe retornaria era torturante.
Perguntava-se se o que sentia por Joaquim era verdadeiramente amor. Por que não conseguia esquecê-lo?
Seguiu seu caminho enquanto Joaquim fingia amar Janaína.
***
No dia seguinte.
- Cauê, estou indo almoçar, você vem? - Felipe convidou Cauê quando o relógio marcou meio-dia.
- Vou sim.
- Ei, Cauê, espera! Posso falar com você? - perguntou Joaquim.
- Pode falar.
- A sós, Felipe.
- Ah, sim, ok. Desculpe. Estou te esperando lá fora. Me grita se ele começar a te bater. - Felipe saiu.
- É melhor você ser rápido, meu almoço já está rodando. - Cauê encarou Jaquim.
- É rapidinho. Prometo. Eu sei que você está com ódio de mim, mal conversamos, mas será que não podemos ser nem amigos?
- Não sei. Talvez. Você não é muito confiável.
- Por favor, vamos baixar a guarda. Me dá uma chance.
- Tudo bem, então. Posso tentar, mas se você...
- Eu vou me comportar, eu juro.
- Acho bom.
- Então, como seu mais novo amigo eu quero te pedir um favor.
- Ai, meu Deus! Lá vem.
- Me ajuda a estudar?
- O quê?
- Fui péssimo nesse primeiro semestre e preciso me recuperar. O professor Bruque já disse que não vai me dar nota em troca de transa. Estou perdido.
- Dia, hora e lugar?
- Amanhã, às sete, na minha casa, pode ser?
- Fechado. Acredito que vou ter muito trabalho.
- É, bastante. E, obrigado por me ajudar. Você é muito especial. Mesmo depois de tudo o que fiz você não hesitou em me perdoar.
- E quem disse que eu perdoei? - Cauê deu as costas caminhando em direção à saída, mas chegando na porta virou-se - Já passou do meio-dia, não se esqueça de tomar o remédio.
- Como você sabe? - Joaquim perguntou para o vento que acompanhava Cauê já distante.
***
- Felipe, pra onde está me levando? - Cauê seguia Felipe que o conduzia pelo braço.
- Vem, você vai gostar.
- Ai, meu Deus.
- Pronto, chegamos!
Estavam no mesmo bosque onde dias antes Cauê e Joaquim caçaram vagalumes.
Cauê lembrou-se dos dois deitados no chão. Pareceia que o lugar ainda estava marcado pelos corpos sobrepostos na grama.
- É realmente lindo, Felipe.
- Sabia que ia gostar. Quero que veja o pôr-do-sol.
- Na verdade eu já conheço esse lugar. Eu e o Joaquim viemos aqui uma vez.
- Legal. - Felipe disfarçou a irritação.
- Eu te disse o que o Joaquim queria hoje? - Cauê perguntou tentando contornar a situação.
- Não, o que era?
- Ele veio me propor amizade e pedir minha ajuda nos estudos.
- Você não vai, não é?
- Por que não?
- Você é masoquista? Gosta de apanhar mesmo.
- Não. Ele disse que vai ser diferente, vamos ser apenas amigos.
- E você acreditou nele? Fala sério!
- É verdade.
- Você ainda gosta dele. Quando vai parar de bancar o idiota e se valorizar? Por que não dá atenção pra quem te ama de verdade?
- Quem?
- Eu.
- Felipe, é um assunto sério, não quero brincadeiras.
- Não estou brincando, Cauê. Eu te amo. É sincero. Namora comigo? - Felipe se ajoelhou expondo a aliança que até então trazia escondida.
- Espera, isso é sério? Você está me pedindo em namoro?
- Quero te ajudar a apagar essa mancha que o Joaquim deixou no seu coração. Deixa. Deixa eu te fazer feliz, deixa eu te amar. Por favor, me dá uma chance!
Cauê respirou fundo enquanto o Sol terminava de se esconder no horizonte. Lembrou de Joaquim beijando Janaína e concluiu:
- Sim, Felipe, eu aceito.
Felipe beijou Cauê e o abraçou.
Viu Abel os observando de longe e piscou para ele.
Missão cumprida. Com sucesso.