Se você já ouviu falar do buraco das araras então faz uma ideia do que é ‘O Buraco’. Apelido carinhosamente dado pelos seus ‘residentes’ à entrada de uma mina de minérios. A ampla dolina artificial tem cerca de 60 metros de profundidade e um raio de 3 campos de futebol, é algo ao mesmo tempo impressionante e assustador. O único acesso ao fundo do Buraco é através de uma íngreme estrada que desce como uma espiral ao longo das paredes rochosas. E antes que você pense que eu sou um minerador devo te dizer para descartar a ideia. Eu não tenho estrutura para carregar pedras, perfura-las, apesar de desconfiar que hoje em dia a maioria do serviço é feita de maneira mecânica. Na verdade minha área de atuação é tecnologia, eu vou até a empresa e verifico suas necessidades e então desenvolvo um software de gerenciamento. Todos se assustam ao me ver pois ainda nem me formei, todos que me contratam sabem que sou freelancer e uma lista confortável de clientes satisfeitos são capazes de me manter ativo o ano todo. Meu nome é Malcom e tenho dezenove anos, no penúltimo ano da faculdade. Nesse exato momento estou parado abeira do buraco, ou pelo menos o mais próximo seguramente possível, e minha mente tenta aceitar o fato deque nos próximos três meses vou ficar isolado dentro de algo que mais me parece com uma cova de um gigante.
Um jipe de estilo militar me levou pela íngreme espiral. De um lado rocha solida, do outro o precipício em um estrada de talvez quatro metros de largura, meu temor aumentou a medida que a visão que eu tinha era engolida pelo imenso paredão de rocha. Uma frase celebre me veio a mente na hora absurdamente errada “Aquele que entrar aqui abandone toda a esperança”...
Lutando contra os calafrios tentei iniciar uma conversa com o motorista, meu único companheiro nessa jornada, um senhor escuro com cara de poucos amigos que pouco pronunciou uma palavra durante as 12 horas de viajem desde o aeroporto através de matas e floresta e fazendas e subidas e descidas intermináveis. Eu acabei abandonando a ideia, no meu atual estado de nervos eu iria acabar perguntando a ele se algum carro já havia caído naquele percurso.
Não deveria passar das duas da tarde, mas a medida que íamos descendo vagarosamente o clima ficava mais frio, eu acabei por me encolher em um canto do veiculo e me cobrir com o abrigo que havia usado na noite anterior. O que mais me irritava era meu súbito ataque de pânico silencioso, á três semanas atrás quando aceitei esse trabalho eu sabia muito bem o que estava a minha espera.
3 semanas atrás, civilização.
É a cara do Robinson, me chamar para jantar em um restaurante rico somente para esfregar na minha cara seu dinheiro,como se subitamente eu fosse realizar a burrada que eu estava fazendo em não me entregara ele e me permitir virar mais um dos seus garotos de estimação. Ao vê-lo sentado na mesa a minha espera eu quase considerei a ideia, moreno, alto, forte e sedutor, quem resistiria? Quando ele se levantou sorrindo e me recebeu de braços abertos fui lembrado que alem do visual o cara também tinha o porte. Pena que tudo isso era apenas capa de uma personalidade fútil e superficial, vinte e quatro horas na presença do homem e você começava a duvidar da humanidade. Seu abraço tentaculoso era um lembrete disso.
“Eu achei que você não viria Mal.” Não era a voz mais grossa do mundo, mas também não era nada afeminada. Ele me apertou forte e começou a dar pequenos beijos no meu pescoço, tive que dar um tranco para me livrar e quando olhei em seus olhos vi o verde opaco, ele estava realmente excitado.
“Você me ofereceu uma oportunidade de trabalho lembra Robin? E na boa,para que tudo isso? Uma lanchonete bastava.”
Robin olhou confuso o ambiente ao redor. Eu me sentei antes que ele me fizesse passar a vergonha de puxar a cadeira para que eu me sentasse, nunca fiz o estilo dama frágil.
“Você sabe muito bem que não precisa me impressionar, eu e você...” nesse momento ele já havia se sentado, para dar ênfase eu gesticulei com minha mão entre eu e ele. “... eu e você não existe, não da maneira que você quer.”
Robin era um ótimo amigo, nos divertíamos demais quando saiamos juntos e quando nos reuníamos para jogar tempo fora, só para conversar mesmo, mas infelizmente eu estava bloqueado para ele como interesse romântico. Nãofoisempre assim, nos conhecemos na faculdade, ele no auge dos seus vinte e cinco anos achou que um garoto de 17 seria presa fácil, e devo admitir que no primeiro momento fui, até ele me trair com outro cara do campus. Quer dizer, não foi bem uma traição, só havíamos ficado uma vez e coisa e tal, mas essa fato foi o suficiente para coloca-lo na zona de amigos para sempre, confiança é algo difícil de se conquistar comigo, talvez por isso eu estivesse sozinho e quase virgem com essa idade. Depois com o passar dos anos e vendo como Robin tratava seus brinquedinhos, como ele fazia questão de se referir quando os mencionava, acabei rezando agradecendo por ter tomado a melhor decisão.
“E então, vamos jantar ou não?” Robin tentava esconder seu desapontamento com cortesia.
Eu respirei fundo e o deixei assumir as redes por um tempo. “OK, faça as honras, eu nãoconheçonada por aqui, estou em suas mãos.”
Ele abriu um sorriso e alcançou minha mão, apertando forte.
Depois das amenidades decidi voltar a ser incisivo.
“E então? Por que mesmo eu vim aqui?”
Robin revirou os olhos e me olhou como se eu fosse a criatura mais estúpida do universo. “Para jantar comigo, o que mais?”
“Por favor Robin, sem jogos, você disse que tinha uma oportunidade de trabalho para mim.”
Ele pareceu pensativo e então resolveu desembuchar. “Eu achei que essa noite eu teria uma resposta definitiva sua...”
“Sobre?”
“Sobre nós dois, você vem me enrolando a anos!” ele estava agitado, sua paciência estava no limite, mas onde eu havia falhado em deixar claro para ele que éramos amigos?
“Nunca houve nada entre nós além da amizade Robin...”
“Pelo amor de deus, esses anos todos eu nunca te vi com mais ninguém, e quando eu te apresentava os brinquedinhos via a cara que você fazia, deixa de ser idiota e admite logo que voce me quer.”
Eu estava abismado. “Você entendeu errado Robin, eu nunca fiquei com ninguém por que nunca surgiu ninguém mais interessante e você devia saber que eu não fico com qualquer um, não está em minha natureza, e a maneira que eu te olhava...” eu poderia dizer a verdade, que na verdade eu tinha dó tanto dele quanto do pobre infeliz que estava investindo e sacrificando tanto em alguém que simplesmente o descartaria no dia seguinte, mas isso seria ir longe demais, magoar demais Robin. Mais cedo ou mais tarde alguém iria ensinar para ele o que significa respeitar o próximo, essa pessoa simplesmente não era eu.
“E então, qual é a oportunidade?” decidi por retomar o tema central da nossa reunião.
“Então sua resposta é não?” seu rosto ficou repentinamente sombrio.
“Eu gosto de você como amigo Robinson, nada mais.”
Ele abaixou a cabeça por alguns momentos e então retornou com um sorriso perigoso no rosto. “Então você realmente merece esse trabalho.”
Hoje, o Buraco
Eu não acreditava que meus pés tremiam quando pisei no solo, tive que me apoiar ao lado do jipe para nãoir ao chão, que estúpido, eu nunca me senti tão amedrontado em toda minha vida. o interior do buraco era composto por um enorme complexo, quase uma vila do lado oposto da saída, quase no meio da área, o lugar onde desembarcamos ficavam os caminhões monstro que eu tinha dificuldade em acreditar que subiriam a espiral, maquinário e um grande galpão. O motorista olhou para mim com uma cara de reprovação e apontou com a cabeça em direção a vila.
Reuni forças e o segui carregando uma mala com minhas roupas e outra com meu equipamento. A área em que caminhávamos era bem pavimentada, as pedras haviam sido tão pressionadas que quase pareciam um pavimento, tinham a mesma cor escura que a parede de rocha que nos cercava tinha, no topo era pedra clara, mas a medida que descia ficava mais escura. No meio do terreno ficava um torre de metal,observando bem percebi que era a estrutura que servia como suporte ao elevador que carregava os mineiros para a mina propriamente dita. Eu me arrepiei em pensar que ainda tinha como descer mais. A torre funcionava com um sistema de roldanas, ela ficava no caminho entre nós e a vila, ao passar por ela percebi as roldanas em funcionamento. De dentro da pequena plataforma emergiu um grupo de quatro homens, todos cobertos pelo pó negro que deveria cair das pedras nos trabalhadores. Todos eram homens grandes, deveria ser padrão por aqui, tudo era em escala gigante dentro do Buraco, deu para perceber isso nos poucos minutos em que estava ali. O ultimo homem a deixar a plataforma me chamou a atenção, assim como os outros estava coberto pela poeira negra, mas estava sem camisa ao contrario dos outros, sua pele branca reluzia contra a poeira negra que o cobria, mas ao contrario disso, não foi o corpo maciço que chamou a atenção, não foram os músculos fartos e ombros largos, nem a barriga musculosa sem ser definida,ou o modo de andar típico de um macho alfa, ma sim os olhos hazel que fixaram em mim. Eu nunca havia visto olhos assim, chocolate, marrom profundos, todos esses eu já havia visto,mas daquela cor, eram de cor caramelo, salpicados de verde quase imperceptíveis que se afasta da Iris até mesclar com a parte branca,sem o tradicional anel negro em volta. Como seu olhar continuava fixo em mim eu acenei com a cabeça e voltei minha atenção para o caminho, ou corria sérios riscos de tropeçar e cair, isso cairia bem com minha fama de primeiras impressões desastrosas, de canto de olho eu percebi uma sombra de sorriso em seus lábios finos.
No trajeto pensei em perguntar são meu ‘guia’ qual o nome do homem da mina,mas provavelmente ele não o havia visto e alem do mais isso chamaria atenção desnecessária a minha pessoa.
Não que eu estivesse em algum tipo de armário, mas eu não precisa esfregar esse fato na cara de todo mundo, era uma particularidade minha e só dizia respeito a mim. Por ser discreto as pessoas ao meu redor quase nunca percebiam minha orientação ao menos que eu as informasse. E em um ambiente daquele, cheio de homens rústicos talvez não fosse uma boa ideia propagandear. Alem do mais, eu estava ali a trabalho, por mais que o minerador fosse atraente estava fora de limites ( e com certeza nem era uma opção, eu podia imaginar ele encima de uma mulher qualquer mandando ver de uma maneira bem bruta) e com esse pensamento minha concentração foi toda para minhas calças a fim de evitar uma tenda desnecessária.
A vila que eu vira ao longe na verdade era um casarão só, formava um ‘U’ que ficava de frente para a entrada da mina, a área livre entre as duas alas era gramada, um alivio para os pés depois de tanta pedra, na La do meu lado direito ficava uma espécie de área de lazer, no segundo andar através de paredes panorâmicas de vidro eu podia ver mesas e cadeiras, então era presumidamente um refeitório ou algo do tipo. Do meu lado esquerdo ficava o que só podia ser descrito como uma oficina, restos de maquinas e aparelhos ocupavam todo o primeiro e segundo andar, essa parte não possuía paredes, apenas a estrutura era visível, a luz de um maçarico me revelou que um homem envolto em roupa de proteção cinza completamente suja de graxa e outras coisas estava a trabalhar no local. Um leve movimento de cabeça foi toda a indicação que tive de que o homem me havia visto atravessar em frente ao seu work shop, ele desligou o maçarico e tudo ficou escuro, e não pude vê-lo mais, porem tive a sensação de continuar sendo observado, olhando ao redor percebi que as luzes estavam acesas, olhando para cima eu podia ver o céu azul com poucas nuvens me indicando que o dia ainda estava claro, mas a inclinação do Buraco provavelmente só permitia sol ali por volta de uma hora no Maximo, estremeci de pensar nisso.
Quase topei com o meu guia quando ele parou em frente ao complexo principal do grande ‘U’, olhei para cima e vi que se tratava de um pequeno prédio com cerca de quatro andares, ele se ligava as estruturas laterais adjacentes, mas ia bem alem delas, provavelmente ali ficava o dormitório dos funcionários e escritórios da empresa, minha mente se posa trabalhar pensando em como eu instalaria uma rede naquele local. Fui tirado do meu devaneio pela voz rude do meu guia.
“Pronto, está entregue. Segundo andar, grande porta em frente as escadas,procure Noah.”
Dito isso ele se foi, e não me deixou mais solitário. Colocando as malas no chão eu empurrei uma das portas duplas de entrada, percebi que elas não possuíam tranca, e me pareceu bem obvio, seria difícil alguém invadir o local.
A parte de dentro estava bem iluminada, tinha um salão principal com corredores dos dois lados e bem na frente uma escada que levava ao0s andares superiores, não era nada muito colorido, nenhuma decoração, tudo em tons de cinza e madeira e negro. Nomeio do salão ficavam quatro sofás de cinco lugares formando um quadrado ao redor de uma grande mesa de centro, e na perde próxima uma grande tela usada para projeção, essa deveria ser a área comum do local, nessa hora do dia ela estava deserta.
Subi as escadas, feitas de concreto mas bem conservadas e decoradas até o segundo andar, onde me deparei com a grande porta mencionada pelo guia.coloquei minhas malas ao lado da escada, fora da visão e do caminho caso alguém eventualmente subisse as escadas. Procurei no meu bolso pela ordem de serviço me dada por Robin, provavelmente o encarregado iria querer verifica-la.
Antes que eu pudesse bater na porta fui interrompido por passos pesados que subiam as escadas. Quando me virei me deparei com um lenhador daqueles de contos de fada.
Tinha quase dois metros de altura, e provavelmente isso de largura, usava calça jeans que marcavam troncos de pernas e camisa quadriculada por cima de uma branca, uma barba cerrada num tom meio loiro e meio avermelhada,usava um gorro azul escuro e as marcas ao redor dos olhos azuis profundos revelavam que ele havia passado um pouco dos seus trinta e cinco anos.
“Quem é você?” o lenhador perguntou ao me ver parado em frente a porta. Sua voz grossa quase me fez ter medo, mas meu ataque inicial de pânico já havia a muito passado.
“Eu sou Malcom.”estendi a mão em cumprimento e fui envolvido por uma mão grande e áspera, em um aperto forte que devolvi em igual força, ele olhou para mim e sorriu através da barba espessa, dessa distancia eu podia ver que ele era cuidadosamente aparada e desenhada,o cheiro amadeirado forte que vinha do homem me dizia que ele poderia ter a aparência rústica, mas não deixava de ser bem cuidado. “Me enviaram para desenvolver um projeto de software para vocês. O homem que me trouxe pediu para procurar Noah.”
Ele nãosoltou minha mão. “Meu pai sempre dizia que se pode avaliar o temperamento de outro homem pelo seu aperto de mão.”
“Homem sábio seu pai.”
“Sim, sim, ele era.” Soltou minha mão e passou por mim, abrindo a porta e entrando no escritório, eu o segui. “Meu nome é Natanael, mas todos por aqui me chamam de Noah.”
A sala tinha arquivos espalhados por todos os cantos, arquivos de metal, entupidos de papel, aquele lugar realmente precisava de um arquivo digital. Ele deu a volta e se sentou em uma mesa de madeira preta, como ele era grande demais a mesa pareceu ficar menor, era uma visão curiosa.
“ Sim, sim, me disseram que você vinha, Carlos, o homem que te trouxe aqui, até me avisou que você havia chegado, desculpe, mas tive alguns problemas no meio do caminho e me esqueci.” Percebi um certo rubor na bochecha visível através da barba.
Ele checou os papeis e depois checou uma lista, provavelmente a lista de quarto disponíveis no alojamento, fiz uma anotação mental para ajudá-lo nesse quesito mais tarde também.
“Venha comigo, vou te mostrar seu quarto.” Se levantou e saiu olhando a lista, parou meio indeciso no corredor e então segui escada acima, eu peguei minhas malas e o segui.
“Os quartos então no terceiro e quarto andar, no segundo ficam os escritórios e no primeiro ferramentas e os depósitos,na cobertura fica a área comum. As equipes aqui ganham férias a cada três meses, todo o time é substituído por um novo, que por sua vez fica no Buraco por mais três meses antes de ser substituído, cada um tem seu quarto individual,ajuda os homens a terem mais afinidade com o local. A vida aqui não é fácil, separado da família, dos amigos e isolado da civilização, mas eu tento tornar ela suportável, criar algo parecido com uma família por aqui. Pronto, aqui é seu quarto.”
Eu parei em frente a uma porta comum marrom, combinava com a pintura verde claro da parede.
“Meu quarto é logo no fim do corredor, essa ala é para o pessoal da administração. Tire essa tarde para se ambientar e explorar, eu te espero em minha sala manha a tarde, logo depois do almoço.”
Eu abri a porta e acendi a luz do quarto.
“Quando você tiver fome pode descer e se servir na cantina acima da área de lazer lá embaixo, você pode ver ela da sua janela, verifique os horários para não perder nenhuma refeição. Há um banheiro no fim do corredor, como são poucos por ala não vai haver grandes dificuldades em usá-lo.”
Eu depositei minhas malas e olhei ao redor, era um ambiente simples, uma cama de casal, um armário, uma janela ao lado da cama e uma escrivaninha com uma cadeira. Eu voltei minha atenção a Noah que continuava parado na porta.
“Não é grande coisa, mas é confortável.”
“Não se preocupe, aqui é o paraíso comparado a lugares nos quais eu já morei.”
Ele pareceu chocado. “Não tem família?”
“Eu sai de casa cedo, falo pouco com eles, ideia distintas, sabe como é.”
Ele coçou a barba e eu senti uma súbita vontade de passar a mão para sentir sua textura. “Eu entendo sim, bem, fique a vontade. Precisar de algo é só chamar.”
Eu assenti e depois que ele se retirou em direção ao fim do corredor, provavelmente para seu quarto eu fechei a porta,sentei na cama e tentei me concentrar no que eu deveria fazer em relação ao trabalho nos próximos meses, para não pensar que eu estava literalmente no buraco...