Thomas não sabe se ele o viu ou não. Mas o engraçado é que geralmente quando você não vê uma pessoa que ama por tanto tempo, a primeira reação é correr e abraçar fortemente. Então por que ele estava correndo feito louco para a porta por onde havia saído? Suas pernas tremiam e seu coração batia forte. Esbarrando em várias pessoas e por pouco não sendo pego por um guarda, chegara á porta e conseguiu entrar e logo após trancá-la suas pernas não aguentaram e cederam. A respiração ofegante não acompanhava o raciocínio confuso, e juntando as energias consegue voltar aos aposentos e se jogar na cama.
Thomas não acreditava que Kenneth, aquele por quem amou, estava no transatlântico. “Qual seria a probabilidade de isso acontecer?” Pensava enquanto tirava a roupa e colocava o pijama. Por mais nervoso que estava, queria voltar no dia seguinte e disfarçadamente certificar se era ele. “Talvez fosse uma ilusão” pensava tentando se enganar. Mas fora muito real. E se realmente fosse ele Thomas, mal sabia o que iria fazer. E a única maneira de descobrir era tentar encontrá-lo.
Quando acordara já passava do meio dia e o burburinho das pessoas no corredor era alto. As primeiras coisas que vieram á cabeça fora a cena do dia anterior. Ainda não acreditava que ele estava realmente lá, e a curiosidade começou a tomar conta. Era uma reação que misturava excitação e medo, e movido por ambos resolveu ir em busca de respostas.
Lá fora, o transatlântico estava ancorado ao porto da cidade de Queenstown, na Irlanda, sua última parada antes de chegar á Nova York. O tempo estava fresco e muitos passageiros entravam a bordo. Thomas, sentado em uma espreguiçadeira de madeira, tentava manter o foco entre o jornal vendido pelos funcionários da embarcação e o estranho sentimento de que alguém o estava observando. Disfarçadamente, olhou ao redor para ver se via alguém, mas não encontrou nada. Então com a maior cara de pau, se esticou espreguiçando e deitou-se olhando para o alto. E então foi quando viu no andar de cima o vulto de alguém que o antes o observava e agora sumira por detrás das barras de proteção. Foi então que Thomas percebera que não era o único a pensar se o que tinham visto era real.
Enfim, a noite do dia 11 havia chegado. Era uma sexta-feira e pelo que ouvira falar de uma empregada, haveria uma festa na primeira classe, e decidido a começar a “investigação”, se arrumou devidamente e pontualmente ás oito da noite, seguiu pela porta que havia descoberto e chegara á primeira classe. A música alta dos violinos e outros instrumentos poderiam ser audíveis daquele ponto e nos corredores havia poucas pessoas já que a atração principal, uma cantora irlandesa, estaria se apresentando no grande salão. Esgueirando-se através das pessoas, finalmente Thomas chega ao salão com várias mesas brancas cobertas por tecido e completamente cheias. Garçons serviam os convidados com as melhores comidas e bebidas do navio. Na frente, em um palco, uma mulher muito branca de cabelos rubros e boca vermelha cantava em sua língua natal enquanto era acompanhada por uma pequena orquestra. Em pé, ao lado da porta, Thomas pode reparar em todos ali presentes, mas não conseguia enxergar seu alvo. Mas quando, um garçom passa e lhe oferece uma taça de champanhe, pode ver que aquele que tanto amava estava sentado no outro lado do salão em uma mesa redonda com dois homens e três outras mulheres. E quando o viu rir e conversar com eles, pensou se não seria melhor deixá-lo com os amigos, e deixar as coisas seguirem seu rumo. Também veio a dúvida de que talvez uma daquelas mulheres, fosse a namorada de quem Kenneth havia falado. Mesmo assim, resolveu ficar um tempo ali e sentir aquela estranha sensação de medo e conforto. Medo de ir falar com ele e descobrir algo que o machucasse e conforto de estar tomando uma bebida de classe junto das pessoas mais ricas do país e também de revê-lo e ver que está bem.
Quando a cantora, que pelo que soube se chamava Wynona, terminou a apresentação e todos aplaudiram, eis que em um momento de descontração Kenneth vê Thomas aplaudindo também em um canto próximo da porta. Thomas paralisou quando percebeu que aqueles olhos azuis o fitavam do outro lado do salão. Era a mesma sensação que sentira aquela tarde enquanto lia o jornal. O comando para suas pernas se movimentarem não fora cumprido e lá ele ficou. Kenneth permaneceu em pé com a mão parada no ar enquanto aplaudia. Parecia ter sido pego de surpresa. Continuava com o mesmo rosto e o cabelo havia sido aparado, porém mantinha as madeixas compridas na frente.
Enquanto pensava no que fazer, a única reação que veio a mente de Thomas fora sorrir. Não um sorriso aberto; sua boca contraiu-se em um sorriso simples num misto de satisfação de revê-lo e vergonha. E do mesmo jeito que entrou no lugar, saiu e resolveu tomar um ar no disputado convés da primeira classe. Lá o ar estava frio e poucas pessoas, na maioria casais, estavam espalhados pelo local. Não sabia se Kenneth iria atrás dele ou não, mas o prazer em revê-lo foi o suficiente. Sua caminhada estendeu-se até a parte traseira do navio. Ao fim da parte aberta da primeira classe, era possível ver a escadaria que levava às classes inferiores e dava acesso à popa do navio. De lá, debruçou-se e olhou a linha de espuma feita pelas hélices do transatlântico sobre o mar do atlântico. O ar expelido da boca se transformava em uma fina fumaça e o frio o fez cruzar os braços. De repente, uma mulher de cabelos ruivos e vestido vermelho apareceu correndo pelo convés como se fugisse de algo. Thomas a acompanhou, seguindo-a com os olhos enquanto ela subia pelas escadas até a final da popa do navio. Thomas pensava que era o único que estava vendo-a e percebendo que ela estava prestes a fazer alguma loucura. Logo, ela fez o inimaginável; pôs se para fora das grades e ficou apoiada nos ferros. Um jovem que fumava deitado em um dos bancos levantou-se e vendo a situação, propôs-se a ajudá-la. Thomas sentia o coração na boca, temendo que a jovem caísse e morresse nas águas gélidas. Nem havia percebido que agora apertava a grande com muita força enquanto acompanhava o desenrolar da negociação de ajuda. Tudo o que podia ver era os dois conversando e o jovem retirando o casaco, jogando o cigarro fora e oferecendo-a a mão. Quando finalmente ela aceita, o pior acontece e a jovem ruiva escorrega e desaparece nas barras da popa. Thomas grita involuntariamente e leva á mão a boca ao ouvir os gritos da jovem que parecia não ter caído graças á agilidade do jovem que a segurava. Os gritos chamaram atenção dos guardas que quando chegaram não viram o ato de coragem do jovem em puxá-la e salvá-la da morte instantânea. Thomas sente aliviado pela garota ser salva, mas não entende por que o jovem fora tratado tão mal e preso em seguida.
Com o coração acelerado, Thomas acompanha o fim daquele drama, e vendo que fora muita emoção para um dia só, decide voltar para seus aposentos. Mas o som de passos, vindo em sua direção, o fez parar e não se virar. Aquela situação chamara atenção de vários guardas e ali atrás poderia muito bem estar um. Numa tentativa de não ser descoberto, encolheu-se e cruzou os braços como se isso o tornasse invisível e permaneceu olhando para o mar, até que a pessoa que estava atrás se aproximou o suficiente para sentir seu hálito quente na orelha direita e sussurrou:
- Espero que não fuja dessa vez, Thomas Stokes?
Ao ouvir aquela voz, Thomas sentira como se em vez daquela jovem, ele é quem tinha caído no mar gélido. Sentiu os pelos da nuca se arrepiarem e sua espinha gelar. Era ele quem havia o seguido. Respirou fundo e virou-se, dando de cara com Kenneth, vestindo um smoking noturno escuro que deixava seus olhos em evidência.
- Ken-Kenneth, quanto tempo... - disse tentando evitar o nervosismo enquanto procurava palavras para dizer algo.
- Pois é, faz quase dois anos e meio que não nos vemos... e como você cresceu. - riu.
- Você acha? Espera... - balançou a cabeça. - Isso é tão estranho.
- O quê? - perguntou Kenneth afastando a mecha de cabelo dos olhos. - O quê é estranho?
- Isso. Eu e você no mesmo navio depois de tanto tempo. É tão real para ser um sonho.
E como dois anos atrás, antes de se virem pela última vez, Kenneth faz o mesmo movimento: se aproxima e o abraça. O calor do seu corpo era tranquilizante. O cheiro de sua colônia era doce e se confundia com o cheiro do smoking novo. Suas pernas travaram e sentiu suas pupilas dilatarem. Não o abraçou devido ao choque de sentimentos. Mas o abraço apertado dele fora suficiente.
- Agora acredita que não é um sonho? - perguntou quase aos sussurros. - senti sua falta.
- E-eu também. - disse depois de se afastar e piscar para certificar da realidade.
- Mal pude acreditar quando te vi ontem, mas não entendi por que correu.
- Ah desculpa – disse sentindo que estava vermelho. - Eu também não sei o que houve. Acho que me assustei.
- E por que não foi falar comigo ainda agora no jantar? - perguntou novamente.
- É que você estava com seus amigos e não queria chegar de surpresa. - respondendo Thomas ao mesmo tempo em que se perguntava o porquê de tantas perguntas.
- Ah, eles são os outros professores que também irão para os Estados Unidos. - Disse
- A-amigos... - confundiu-se
- Sim. Pensou que estaria namorando uma das mulheres da mesa? - riu
- N-Não... É que... - Thomas gaguejou enquanto via que suas ideias estavam erradas.
- Thomas eu te conheço... - Disse cruzando os braços e levantando a sobrancelha.
- Desculpa.
Mesmo nervoso Thomas é levado por Kenneth em uma caminhada pelo convés. E durante o passeio ficaram mais em silêncio do que conversaram. Ambos não sabiam por onde começarem a ter uma conversa direita depois de ficarem sem se ver por dois anos.
- Gostaria de passar o dia comigo amanhã? - perguntou Kenneth depois de várias tentativas de manterem uma conversa sólida.
- Sim, adoraria. - respondeu – Kenneth desculpa, mas estou um pouco cansado e preciso ir para meus aposentos.
- Quer que eu te leve? - ofereceu.
- Não precisa. Amanhã ás dez está tudo bem?- perguntou.
- Sim, no mesmo lugar que te encontrei, certo?
- Certo, até amanhã – disse dando passos largos para trás e saindo em disparada pelo corredor enquanto se perguntava se agiu muito friamente.