Capitulo seis: Aceitação.
NICOLAS
O que eu estava fazendo? Estava cedendo ao meu mais profundo desejo. Um desejo impuro e errado e ao mesmo tempo tão... Divino. Sua boca era quente e macia. Sentia gosto de morango enquanto sua língua explorava loucamente a minha boca e a minha fazia o mesmo. Incontrolável. Começava a ofegar de desejo enquanto minha mão foi de encontro a sua nuca contrariando a parte de mim que estava lucida e gritava para me afastar. Porem essa parte era minoria. Estava em estase. Sentia meu corpo se inflamar enquanto eu o puxava para mais e mais perto de mim querendo que nossos corpos se unissem transformando-se em um. Um único e perfeito corpo.
Ele se afastou de mim ofegante. Olhava-me ao mesmo tempo feliz e assustado esperando pelo que eu ia dizer. Olhei-o da mesma forma por certo tempo, porém meu olhar mudou logo em seguida assim que a minha ficha caiu. Ele havia me beijado e eu havia correspondido. Tinha cedido ao meu desejo mais profundo e errado. Merecia ser castigado novamente.
– Me desculpa? – pediu ao ver que eu estava zangado. Seu olhar era agora de tristeza. Eu o havia magoado com meu olhar odioso.
– Vou pra casa – disse me levantando do chão sem olha-lo. Não queria ver seu rosto.
– Espere Nicolas – pediu com a voz esganiçada – Precisamos conversar – e segurou meu braço.
Olhei para ele ali em minha frente novamente. Queria beija-lo novamente, e sentia que podia fazê-lo, mas não devia. Era errado.
– Nós não temos nada para conversar – puxei meu braço abruptamente o deixando triste.
Me virei e fui embora o deixando sozinho na Quinta da boa vista enquanto ele começava a chorar.
YURI
As lagrimas escorriam por meu rosto enquanto eu o vi se virar e ir embora. Eu havia estragado tudo agindo por impulso novamente. Qual era o meu problema? Nicolas não me amava e tudo tinha sido um engano. Ele queria ser apenas meu amigo e eu não pude me contentar com isso. O tinha perdido para sempre.
Fui para minha casa cerca de vinte minutos depois. Meu rosto molhado pelas lagrimas e sujo pelo sangue de Nicolas. Minha mãe perguntou o que havia acontecido e eu não disse nada. Só queria ficar sozinho. Tranquei-me em meu quarto e me olhei no espelho. Eu estava horrível. Meu rosto estava completamente encharcado de lágrimas e sujo de sangue perto da boca e do nariz. Sangue daquele que eu amava e o desejava. Sangue daquele que eu nunca mais poderia ter por perto. Nicolas me odiava agora e eu sabia disso.
Deu um soco no espelho o quebrando. Vi os cacos de vidro cortar os nós de meus dedos causando uma dor horrível enquanto o sangue começava a escorrer. Gritava enlouquecido no quarto pela dor. Não a física, mas a dor de perder alguém se eu amava. Corri para a cama e joguei os travesseiros na porta e depois as os lençóis. Derrubei tudo que estava na escrivaninha sem me importar que elas quebrassem. Meu tablete partiu al meio ao ser lançado de encontro a parede. As capas dos meus cds se espatifaram no chão. Meus livros estavam abertos e outros rasgados pela minha necessidade de extravasar minha decepção. Abri o guarda-roupa e comecei a arrancar tudo dos cabides e gavetas jogando tudo por todos os lados. Até que no fundo da minha ultima gaveta encontrei a miniatura de um jato da força aérea. Um jato pequeno e preto ligeiramente arranhado no bico. O jato que eu havia guardado com tanto carinho depois que Nicolas esteve em minha casa pela primeira vez. Era a lembrança daquele dia em que fui feliz depois de muito tempo de tristeza e de dor tanto física quanto psicológica.
Voltei a minha cama virada do avesso e me deitei nela. Olhava aquele pequeno brinquedo que para mim representava o inicio de meu amor. Meu primeiro amor. Nicolas. Um amor impossível e não correspondido. Um amor tão bonito e único como ele.
Levei o avião aos meus lábios como se pudesse sentir os lábios de Nicolas novamente nos meus. E voltei a chorar novamente.
NICOLAS
Cheguei em casa aquela manhã me sentindo exausto. Um turbilhão de emoções tomava conta de mim. Sentia raiva pelo que Yuri havia feito. Raiva de mim por ter correspondido. Ódio de mim por tê-lo magoado com minha reação. Insegurança por não saber o que viria a seguir. Medo por pensar que nunca mais teríamos o mesmo tipo de amizade. Tristeza por aquele sentimento que ambos tínhamos um pelo outro ser errado. Felicidade por saber que era correspondido por ele. Euforia por ter seus lábios nos meus. E estava mais confuso do que nunca. Não podia aceitar o que sentíamos um pelo outro e ao mesmo tempo tinha de aceitar.
– O que aconteceu com você? – Minha mãe perguntou ao me ver chegar em casa transtornado como não ficava a muito tempo.
Percebi que não era preocupação que toldava sua mente. Também havia tristeza e raiva.
Corri pra abraça-la procurando conforto. Ela retribuiu assustada com aquilo. Corri para ela da mesma forma que fazia aos meus oito anos de idade quando me sentia ameaçado por algo. Traumatizado com o que havia acontecido comigo. As imagens daquele final de tarde vinham a minha mente em fleches me perturbando novamente. Uma tarde cheia de dor, gritos e de arrependimentos. Uma tarde que eu não pensava a tempos e que estava ali presente novamente. Será que aconteceria novamente? Não deixava de me perguntar.
– Ele me beijou – admiti a minha mãe enquanto as lagrimas começavam a escapar por meus olhos – Papai tem razão. Eu deveria ter me afastado dele a muito tempo.
– E o que você fez? – disse olhando para o sangue em meu rosto.
Eu já havia me esquecido de Letícia e Victor naquela tarde. A agressão não doía tanto quanto o que eu havia feito com Yuri. Ferir seus sentimentos de alguma forma era mais doloroso.
– Eu fugi – disse com a voz embargada – Não é certo! Não é certo ama-lo da forma que eu amo. Vou ser punido de novo!
Minha mãe me abraçou novamente e desta vez mais forte que antes. Queria me acalmar, eu podia sentir.
– Aquilo nunca vai se repetir – ela disse começando a chorar – Ouviu! Nunca! E nada disse é errado como seu pai diz. Nada disso! Se você o ama, não deve sentir medo. Vá atrás do seu amor. Seja feliz Nicolas.
Estava chocado com as palavras de minha mãe. Desde quando ela sabia o que eu sentia por Yuri? Desde quando ela aceitava aquilo daquela forma?
– Desde quando você sabe? – perguntei para ela secando as lagrimas de meu rosto.
– As mães sempre sabem – ela me disse tirando meu cabelo ruivo dos olhos. Cabelo que herdei dela e sabia que Yuri gostava.
– Não posso – argumentei me afastando dela – É errado!
– Não, Nicolas. Não tem nada de errado em amar – ela disse de forma gentil
– Dessa forma é – e corri para o meu quarto e me tranquei nele. Fiquei ali o resto da manhã e só no final da tarde tomei um banho. Tudo o que vinha a minha mente era a imagem de Yuri. Lindo e perfeito com seus cabelos castanhos cacheados. Seus olhos castanhos e profundos. Eu o amava e não podia. Seria punido severamente por isso.
Dias se passaram e eu voltei a ir para a escola. Yuri não estava lá. De certa forma os xingamentos tinham sessado por sua ausência, mas vez ou outra eu era chamado de viado. Mais dias se passaram e Yuri não voltou para a escola. Não o via desde o dia em que nos beijamos. Estava começando a ficar preocupado, mas não podia ir atrás dele. Queria distancia dele naquele momento, pois nãos saberia se poderia conter meu desejo.
Minha mãe disse algumas vezes que eu fosse procurar Yuri, mas eu não fui. Ela dizia que estava tudo bem em eu ser gay e que me amaria da mesma forma. “Não é errado”. Ela tentava me convencer como se fosse o próprio demônio.
Meu pai comemorava seu sumiço de nossa casa e de minha vida. Quando percebeu que eu e Yuri não nos víamos logo no segundo dia, me perguntou o que tinha acontecido. Respondi que ele tinha razão sobre tudo e que deveria me afastar dele. Era tudo o que ele queria ouvir. Minha mãe não contou nada a ele, eu tinha certeza. Se soubesse, ele já teria vindo falar comigo. Mesmo que falar, significasse dar uma surra.
Na manhã de segunda-feira, saia para a escola quando encontrei com Dona Marta no corredor do prédio. Seus olhos inchados de chorar e seu semblante preocupado. Ela me parou no corredor e naquele momento senti um aperto no coração. O que havia acontecido com Yuri? Será que o amor de minha vida estava bem? Se não, será que era culpa minha?
– Pode me dar um minutinho? – sua voz estava rouca.
– Claro – respondi seguindo com ela para o elevador.
Um estranho e longo minuto de silêncio tomou conta do corredor.
– Ele me contou o que ouve entre vocês – começou sem rodeios – Ele não sai mais de casa para lugar nenhum. Só fica no quarto dele chorando e segurando aquele avião de brinquedo. Para comer alguma coisa é um sacrifício. Eu estou muito preocupada com ele Nicolas. Pode falar com ele pelo menos uma vez? Mesmo que não sinta o mesmo, pode ao menos dizer que não o odeia?
Despejou em cima de mim de uma vez. Olhei para seus olhos castanhos preocupados que ansiavam por uma resposta minha.
– Eu não posso – respondi me controlando para não chorar – Não posso falar com ele. Nunca mais. O que ele sente por mim não é certo Marta. Eu não posso deixar que ele pense que é.
Marta começou a chorar no corredor. Nesse momento o elevador se abriu e ela saiu de dentro dele indo em direção ao saguão.
– Você se esqueceu de tudo o que ele fez por você? – ela perguntou chorosa – Se esqueceu que ele te ajudou a esquecer de tudo o que você passou mesmo sem nem saber? Se esqueceu que ele foi seu amigo mesmo quando você não queria falar com ele?
Suas palavras faziam parte de uma dolorosa verdade. Eu o estava rejeitando no momento em que ele precisava de mim. Ele não fez isso comigo nem nas minhas mais fortes crises de pânico ou nas vezes em que o não deixei dormir a noite, pois chorava. Ele tinha feito muito por mim sem querer nada em troca além de minha presença e eu o dispersava daquela forma. Descartei seu amor como se fosse uma coisa errada. Faze-lo sofrer parecia infinitamente mais errado que qualquer coisa. Virar as costas para o que sentíamos rasgava meu peito como uma faca de açougueiro. Afiada e voraz despedaçando meu coração.
– Ele nunca te abandonou – e se virou para ir embora.
– Eu falo com ele – disse a ela que se virou instantaneamente. Esperança brotando de seu olhar desolado.
O que encontrei ali não era o meu Yuri. Aquela figura deitada naquele quarto bagunçado não era meu antigo amigo e meu amor. Era uma figura pálida e ferida. Sua mão estava cortada e ele tinha vários outros pequenos cortes por seu tórax exposto. Seu olhar vidrado se desviou do pequeno jato que eu adorava quando criança para mim. Dor. Era tudo o que eles demonstravam.
– Me desculpe? – ele pediu mais uma vez com a voz fraca se levantando da cama – Eu nunca mais vou fazer isso de novo.
– Eu te amo – admiti para sua surpresa e para a minha própria – Eu te amo Yuri! Eu te amo! Te amo. Te amo!
Gritava a plenos pulmões o fazendo sorrir de felicidade. Seus olhos tristes se enchendo de alegria novamente.
Como era libertador dizer isso. Não parecia errado admitir meu amor por ele. Era mil vezes mais certo do que dizer para Letícia.
– Eu também te amo! – gritou de volta vindo me abraçar carinhosamente.
Desta vez nosso abraço tinha outro significado. Era amoroso como nunca tinha sido antes. Era verdadeiro e puro. Nosso amor percorria aquele gesto como uma corrente elétrica potente e brilhante. Nos beijamos novamente. Seu beijo era muito melhor que o de Letícia. Era romântico e belo. Senti meu corpo desejando o dele assim como o dele me desejava. Pertencíamos um ao outro da forma que deveríamos pertencer. Nada poderia estragar aquele momento a não ser o meu passado.
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Obrigado a todos que acompanharam até esse sexto capitulo e aguardem o próximo. Ainda há muita coisa para acontecer na vida de Nicolas e Yuri para que eles sejam verdadeiramente felizes.
Sim, sei que demorou até que Nicolas aceitasse seu amor por Yuri e acho que era o que a historia precisava.
Obrigado a todos que comentaram e espero que tenham gostado de mais esse capitulo de Caminho para o paraíso. Obrigado e esperem pelo próximo.