Você veja só, caro(a) amigo(a), não sou diferente de você. Provavelmente você também sabe o que é crescer numa típica família católica brasileira, com seus valores arraigados, preconceitos formados, ideias antiquadas... Agora, soma-se a isso uma criação rígida, uma família enorme, onde todos se metem na vida de todos e isso é a coisa mais normal do mundo.
Meu avô paterno era militar, hoje aposentado. Teve oito filhos que criou com muita rigidez, sendo meu pai o mais velho, de quatro homens e quatro mulheres. Meu pai, um tio meu e duas tias minhas seguiram a carreira militar.
E foi nesse meio que ele conheceu meu tio, casado com uma das irmãs de minha mãe (quarta filha, numa família de seis filhas um filho)e através dele, ela. Meu avô materno era policial militar. Duas tias minhas e meu tio seguiram essa carreira. Pense numa família preconceituosa! Pensou? Multiplica por dez, e é esse o nível de homofobia na minha família.
Bom, então a última coisa que eu iria querer era ser gay, meu bem. Mas eu também quero ganhar na megasena, ou que um meteoro feito de ouro puro caia no meu quintal, mas querer não é poder, certo?
Quando comecei a namorar a Vânia,senti um certo alívio por parte da minha família, já que meu irmão, três anos mais novo, era o fodedor da família e eu nada. De variadas maneiras ela era minha tábua de salvação.
Mas no primeiro dia de aula, lá estava eu conversando com minhas amigas (isso é sempre um sinal, né? Gay geralmente agarra com as meninas e ponto) quando entra um moleque com a camisa do Paysandu, time que eu odeio, já que sou Remista, todo baixinho, branquinho e fofinho.
Usava o cabelo cortado em cuia, e tinha um corpo normal. Nem gordo nem magro. Usava um colar feito de conchinhas brancas, desses que você compra em qualquer feira de artesanato. Eu nunca tinha me atraído por um cara como ele. Beeem mais baixo e branco! Não era meu tipo, até porque eu nem queria pensar nessas coisas na época.
Logo o professor, que era um piadista, zoou a camisa de time dele iniciando uma daquelas discussões bobas sobre futebol, eles riram bastante e ele logo se tornou o centro das atenções.
- Você não para de olhar o menininho, Doni. Não vai me dizer que achou essa miniatura bonita?- era minha amiga Silmara, que por odiar o próprio nome e ser cafona pra porra, adotou o apelido horroroso de Évora (ela achava lindo :p).
- Não, Évora! Você tem cada brincadeira boba... Sabe que meu negócio é outro.
- Tá, sei. Vamos descer que já vai bater o intervalo!
E lá fomos nós, Évora, Paula, uma gordinha sexy e loira, Maria, séria mas gente boa, (todas vindas do interior pra estudar em Belém) e eu. Lá em baixo logo fizemos amizade com mais dois novatos, Brunno, alto e muito branco, e visivelmente gay; e Neto, mais baixo, normal. Fui comprar um salgadinho e esbarrei no loirinho, eu sou muito desastrado.
- Pô, gigante, olha onde anda, quase que me derrama todo o suco! - putz, que moleque marrento, cara! Mas eu era chato e não me dava bem com muita gente na escola por ser muito caxias, muito certinho e sempre brigava com a "turma do Fundão", então não quis começar mais um pé de briga.
- Desculpa, aí, cara. Foi mal mesmo. Olha, você tá na minha turma, né? Prazer, sou Donovan.
- Tá certo então, tá desculpado. Meu nome é Gehardt. - estendeu a mão , eu apertei, mas não entendi bem o nome (pronunci-se "guerrá").
- É Gehardt! É alemão!- fez uma cara de nojo por ter de repetir, mas depois disse que isso acontecia sempre.
Eu o convidei pra sentar conosco e o apresentei à galera. Logo ele se enturmou. Era estranho, mas eu gostava dele. Ele era engraçado e curtia as mesmas coisas nerds que eu.
Bom, as primeiras semanas de aulas foram se passando, e ele sempre chegava um pouco atrasado e cansado. Logo falou que além do terceiro ano sua família o tinha matriculado em um curso pré-vestibular pela manhã. Então, ele saia de lá, almoçava na rua e corria para o colégio, que já era puxado, pois era um dos mais tradicionais de manga city (Belém).
Nossa amizade foi crescendo, apesar da diferença grande. Ele era um ano adiantado, e eu um atrasado. Eu tinha 18, ele ia completar 16.
Ele chegava,cansado e me olhava com aqueles olhos que pareciam duas safiras (lindos!), e pedia para recostar a cabeça no meu ombro. Eu ficava sem jeito, mas não resistia!
- Minha família não larga do meu pé- ele dizia- eu tô estourado de tanto estudar... Olha, se eu dormir, tu deixas eu copiar do teu caderno?
-Claro... Sem problemas... Mas tenta não dormir, ou o professor vai zoar a gente...
-Pensei que você tu não ligasse pra o que falam de ti- ele disse levantando a cabeça- sobre tu ser gay.
Manozinho, égua! Nessa hora eu gelei! Como assim, falavam que eu sou gay?! Eu sou macho, porra! Pelo menos era o que eu dizia pra mim mesmo!
- Quem inventou isso, cara? Égua, eu tenho namorada, a galera sabe, as meninas até conhecem a Vânia...- eu não conseguia parar de falar- quem te disse isso?
- Ei, eu sei que tu não é viado, te acalma! Tu achas que se eu pensase isso, eu estaria falando contigo? Nem de viado eu gosto!- ele disse sério- quem falou foi aquele pessoal lá do fundo, mas eu saquei que eles não gostam de ti.
- Ah, é? Pois eu vou mostrar quem é viado!
Eu levantei e fui andando em direção ao Michel, que eu sabia que era o líder da bagunça. Sinceramente, até hoje não sei se o que doeu mais foi a fofoca ou o comentário preconceituoso do Gehardt. Cheguei no Michel e disse:
Ei, seu filho duma cadela caolha, quem tu anda chamando de viado? Hein, porra!?
Nem esperei resposta, dei-lhe um soco na cara e ele caiu. Tipo, eu sou grande, mas vieram mais dois em cima de mim, e eu me embolei com eles no chão.
- Que putaria é essa na sala!?- Era o Lauro, professor de matemática, mais rígido que meu pau quando eu vejo o Caio Castro sem roupa na novela... Agora, como diz minha vó, bem, danou-se! Se meu pai desconfiasse porque eu tava brigando, ia desconfiar e eu estaria ferrado. Poderia levar uma surra, ser expulso de casa... Enquanto andávamos até a sala do orientador, eu rezava pra Nazinha me mandar um milagre!