Interessante como em poucas horas a Nicole já parecia alguém da minha família. Ela correu de onde estava e me deu um abraço de parabéns. Minha empolgação inicial logo deu lugar a um estado de desânimo:
- Poxa. Será que eu vou conseguir fazer esse curso?
- Vai sim menino. Você é lutador.
Ela terminou o café e foi dormir, eu me ajeitei no sofá e fiquei pensando na vida, logo dormi também. Quando acordei, o dia já estava acabando. Pulei do sofá, havia dormido o dia inteiro. A Nicole não estava em casa, vi em cima do balcão da cozinha uma quentinha. Quando abri, havia dentro alguns pedaços de frango com baião e farofa. Devia ser meu almoço. Esquentei no micro-ondas e comi.
Sentei no sofá e liguei a TV. Não passava nada de bom. Eu tinha que ter saído durante o dia e procurado emprego, qualquer coisa. A Nicole só me garantiu abrigo por 3 semanas, até que eu ficasse maior de idade. Achava que ela não me colocaria para fora, mas não podia ficar parado. E o vestibular, na segunda semana de janeiro eu começaria a estudar na universidade. Será que eu teria grana para isso? Estávamos entrando em dezembro, precisava me virar e rápido.
Fiquei pensando em como estaria minha mãe e irmãos naquele momento. Ela estaria preocupada com o meu futuro? Talvez, mas o momento não era para pensar nessas coisas. Eu precisava me concentrar em mim mesmo. Estava com a mente pegando fogo quando alguém bate na porta. De início fiquei com medo até de ir ver, aquele lugar era perigoso. Mas enfim, eu nasci e cresci numa favela, não deveria ter medo de abrir a porta de um cortiço.
Levantei e fui até a porta. Quando abri me deparei com um homem por volta dos trinta anos, moreno e muito magro.
- A Nic está por ai? - Perguntou ele e notei que estava drogado.
- Não cara, ela saiu.
- Você é o que dela?
- Nada não, só amigo?
- Tenho um negócio pra resolver com ela?
- Hum, aparece depois.
- Você é boy também?
- Como?
- Você é boy de programa?
- Não sou não, só amigo dela. Vou fechar aqui a porta beleza?
Fechei a porta sem esperar a resposta. A forma como ele me olhou quando perguntou se eu fazia programa, parecia que ia me comer com os olhos. Fiquei com medo. Apesar de magro eu teria dificuldades para desvencilhar-me dele. Sentei no sofá de novo, parecia que o sono novamente ia me pegar. Levantei e fui até a janela, era possível observar o cinzento centro da cidade. Esgotos, papéis jogados e gente andando apressada por toda parte. Olhando para a rua, lembro o que passei no dia anterior e de repente uma ideia me ocorre. Resolvo parar e ponderar a respeito dela mas não tenho tempo para isso porque a Nicole de repente irrompe pela sala.
- Di, acordou?
- Desculpa, dormi demais. Grande hóspede você arranjou hein? - Respondi.
- Que é isso. - Riu alto. - Tem mais que dormir mesmo depois do que passou viu meu anjo. Olha, trouxe janta pra gente. - Completou apontando as sacolas.
Fui até ela e ajudei a guardar as compras. Eram vários ingredientes de macarronada.
- Eu sei fazer macarronada. Você também? - Indaguei.
- Claro, quem não sabe. Mas faz ai pra ver se a tua é melhor que eu não aguento mais minha comida.
Assumi a cozinha e comecei a preparar os ingredientes. Em menos de meia hora estava tudo pronto. Ela se impressionou com minha agilidade. Sentamos para comer.
- Menina, que cozinheira boa eu arranjei. Divina.
- Obrigado.- Ri. - Nic, um homem veio aqui.
- Era um magro alto?
- Era.
- Ai, perdi ele, vou já dar um toque e falar com ele lá embaixo.
- Quem é ele? Cliente?
- Não. Ele me fornece umas mercadorias.
- Ah. - Falei imaginando que talvez o cara fosse traficante.
- Ele perguntou se eu era boy de programa.
- Sério? Ela deu uma gargalhada. - O que você disse?
- Que não né?
- Deve ter ficado afim de tu aquela maricona.
- Pois é, Nic, ele me deu uma idéia... - comecei.
- Que ideia menino? - Ela elevou o tom de voz, mostrando que entendeu do que eu falava.
- Você acha que eu tinha futuro, como garoto de programa?
- Menino, ninguém tem futuro nessa vida.
- Eu sei, mas tipo. Eu preciso de grana para me manter, podia rachar as contas contigo e tem minha faculdade. Eu preciso fazer ela. Depois que terminar me emprego na minha área. Mas até lá preciso de grana.
- Você é menor de idade e sem falar que você arranja outra coisa.
- Como vou arranjar se você não arranjou?
Ela segurou o garfo a meio caminho da boca e me encarou contrariada.
- Eu não quero te colocar nessa vida não. Mas faz assim: vou sair agora pra casa de uma amiga e de lá vou trabalhar. Quando chegar amanha a gente conversa isso, pensa bem se quer isso mesmo. Se for o que você quer eu te ajudo.
- Certo. - Sorri. Aquela seria uma noite de deixar a cabeça a mil de tanto pensar.
Continua.
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