Joaquim acordou sozinho em sua cama. Ainda sentia o cheiro de Janaína. A noite com ela não havia sido ruim, até tinha gostado, mas Cauê ainda estava em sua mente. Lembrou da transa de Cauê com Felipe e começou a tocar o próprio corpo totalmente nu por debaixo do lençol:
- Uhhhhh! Ahhhh! Cauê, seu safado! Eu te amo. Cavalga, vai! Cavalga com vontade no pau do teu homem! Isss... Uh! Oh! Oh! Oh! Oh! Vou gozar, amor! Seu gostoso!
Joaquim gozou e logo sentiu arrependimento. Não devia estar pensando em Cauê. Mas parecia impossível esquece-lo.
***
Cauê se acomodou na cozinha para fazer a sua primeira refeição do dia quando sua mãe, dona Geovana, apareceu:
- Bom dia, filho!
- Bom dia, mãe.
- Vai trabalhar hoje?
- Com certeza.
- É que eu preciso conversar com você.
- Ué, pode falar.
- A gente não tem conversado muito ultimamente. Quero saber como anda a sua vida, os seus projetos...
- Está tudo em ordem, mãe. Trabalhando, estudando... Somente.
- É ano de vestibular. Vai prestar o quê?
- Penso em fazer medicina, mas o custo é muito alto. Não vou conseguir passar numa pública.
- Eu pago. Já te disse que não precisa trabalhar. Consigo cuidar das contas ainda. Você tem que se concentrar nos estudos.
- Mãe. Eu já tenho 17 anos. Quero ser independente. Ter minha própria vida.
- Mas eu não quero te prender, quero te ajudar.
- Eu sei, mas eu prefiro fazer as minhas conquistas sozinho.
- Tudo bem. E o coração? Como anda? Apaixonado por alguém?
Cauê respirou fundo e respondeu:
- Já está na minha hora. Beijo, mãe! Depois a gente conversa. - despistou ele saindo da mesa.
- Cauê, existe alguma coisa que você queira me contar? - insistiu Geovana.
- Não, mãe. Não gosto de ninguém. Eu preciso ir, mesmo. Tchau.
Cauê estranhou a pergunta. Será que ela desconfiava de algo?
***
Felipe e Abel se encontraram na praça:
- O que aconteceu com você? Acordei e não estava mais na cama. - perguntou Abel.
- Sentiu saudade foi?
- Na verdade, não me lembro de nada do que aconteceu. Só lembro que bebemos e depois acordei sozinho e totalmente vestido, do mesmo jeito que eu estava.
- Engraçado... Aconteceu o mesmo comigo. Não lembro de nada. Saí logo depois que acordei.
- Isso está muito estranho. E esse pendrive que você me deixou? Não tem nada nele.
- Como assim? Eu gravei aí.
- Você está me enrolando?
- Claro que não! Você acha que eu ia ter todo esse trabalho pra no final guardar o vídeo pra mim?
- Vou te dar mais uma chance. Grava esse vídeo aqui ou eu vou costurar o seu cu e você não vai dar ele nunca mais. - Abel entregou-lhe o pendrive.
- Sim, senhor. - respondeu Felipe com ironia.
***
Cauê chegou no trabalho antes de Felipe. Estava difícil se acostumar com a ausência de Joaquim.
Sentiu um aperto no coração, uma vontade súbita de chorar.
A primeira vez com Felipe havia sido gostosa, mas Cauê estava arrependido. Não era Felipe que ele amava. Era o Joaquim. A sua primeira vez devia ter sido com ele. Queria encontrá-lo, mas onde ele estava agora?
Pensou em ligar para ele, mas logo desistiu.
Porém, para a sua felicidade, um informante apareceu.
- Professor Bruque? O que faz aqui? - perguntou Cauê ao professor que havia acabado de entrar no depósito.
- O Joaquim vai me matar por isso, mas eu me sinto no dever de te informar que ele está hospedado em minha casa.
- Então vocês estão juntos agora?
- Não! Só ofereci moradia porque ele não tinha para onde ir. Nada além disso. Ele me contou o que houve entre vocês.
- Que filho da... - Cauê se conteve - Ele não podia ter feito isso.
- Tudo bem. O segredo de vocês está a salvo comigo.
- Mas por que você veio me contar? Não tenho mais nada com o Joaquim. Nunca tive.
- Tem sim. Vocês têm um amor reprimido que ainda não teve a oportunidade de acontecer. Não podem continuar sufocando. E se ele acabar morrendo?
- O senhor não sabe de nada.
- Sei. Sei porque já vivi algo assim.
***
1988.
Bruque participava de um protesto quando uma confusão com a polícia começou. Uma bala de borracha acertou o seu pé e ele caiu.
Um policial veio em sua direção para espancá-lo, mas um garoto forte interveio e começou a brigar.
Bruque puxou o garoto da briga e os dois saíram correndo até tomarem distância do local do tumulto.
- Eu queria quebrar a cara daquele zoró! - ofegava o garoto.
- O seu rosto está todo machucado. Deixa eu te levar pra casa. Ai, meu pé! - reclamou Bruque.
- Uma bala acertou o seu pé. Eu vou te levar, vem aqui! - o menino pegou Bruque no colo - Agora é só dizer onde você mora.
- Isso é bem constrangedor... Me põe no chão.
- Não. Você correu demais, deve estar doendo.
O garoto foi seguindo as informações que Bruque lhe fornecia até que chegaram em sua casa.
- Tá entregue!
- Entra, deixa eu retribuir o favor cuidando do seu machucado no rosto.
- Não precisa! Já vou.
- Pelo menos me diz o seu nome.
- Alisson. E o seu?
- Bruque. Muito obrigado pelo que fez hoje, salvou a minha vida.
- Não tem de quê.
- Mas por quê?
- Talvez você seja muito especial para mim. - e se foi.
A partir daquele dia os dois começaram a se encontrar frequentemente. Tiveram sua primeira vez, namoraram escondido por quase dois anos. Fizeram projetos e pensaram até em se casar.
As coisas iam bem até que Alisson começou a se comportar de forma diferente. Estava triste, chorava sem dizer o por quê sempre que se encontravam. Todas as vezes em que se despedia, parecia a última.
Certo dia uma amiga de Bruque o beijou na frente de todos na faculdade, inclusive de Alisson.
Logo depois Alisson partiu com a família sem dizer pra onde ia, sem nem se despedir. Aquilo foi um baque para Bruque.
Desde então ele nunca mais o viu.
***
- Você nunca mais o procurou? - perguntou Cauê a Bruque.
- Não. Eu não era importante pra ele. Você tem ideia do que é dormir apaixonado e acordar abandonado?
- Talvez alguma coisa tenha acontecido.
- Nada justifica. Nem o beijo. E eu também nem sei pra onde ele foi.
- Sinto muito.
- Por isso eu quero te ajudar com o Joaquim. Não quero que as coisas fiquem mal resolvidas entre vocês. Amanhã o destino pode vir e arrancar um da vida do outro e não terão mais nada além de lembranças.
***
O pastor Feliciano havia convocado todos os líderes da igreja para uma reunião urgente. Dentre eles estavam Abel e Cauê.
- Irmãos, tenho um assunto muito sério para tratar com vocês. Aconteceu um roubo no cofre da igreja. Limparam tudo.
Todos se assustaram.
- Mas não sabíamos que a igreja tinha cofre. Por que não colocou o dinheiro numa conta? - perguntou Cauê.
- O dinheiro fica lá antes de ir para o banco. Só eu sei a localização desse cofre. Quero dizer, só eu sabia. Mais alguém descobriu não só o cofre como a senha também e se o dinheiro não for encontrado, colocarei a polícia nisso. - ameaçou o pastor.
Começou um alvoroço entre os líderes, quem era o ladrão?
***
Bernardo, um dos garotos do grupo procurou Cauê.
- Cauê, eu preciso falar com você.
- O quê?
- Eu não posso mais continuar nesse grupo. Eu não tenho conserto. Gosto do Ricardo.
- Isso é porque você nunca esteve quebrado. Você é assim. Apenas aceite.
- Mas a minha família... Eu não sei o que fazer. Não posso continuar magoando eles.
- Não adianta nada agradá-los sendo que você está triste. Se ser gay te faz feliz, então seja! Sem medo. Sem culpa.
- Você está ensinando totalmente o contrário do que o Abel diz pra gente.
- Eu sei. Mas eu não quero enganar vocês dizendo que reprimir o que vocês sentem é a saída. A escolha é sua. Liberte-se e corra para os braços de quem ama.
- Obrigado. É bom saber que alguém me entende.
Bernardo saiu e Cauê ficou pensando no que havia dito a ele. Foi como se estivesse dizendo a si mesmo.
Liberte-se e corra para os braços de quem ama.
Levantou-se e saiu.
***
Joaquim foi atender a porta:
- Cauê?
- Posso entrar?
- Pode.
Cauê entrou.
- Como descobriu que estou morando aqui.
- Me contaram...
- Professor Bruque, não foi?
- É... Foi. Mas não fala pra ele que eu te contei.
- Tá, e você veio fazer o quê aqui?
- Vim te pedir perdão.
- Sério? - perguntou Joaquim com descaso.
- Eu fiquei todo esse tempo alimentando a mágoa que eu tinha de você. Mas eu não posso mais. Desde que eu transei com o Felipe, eu percebi que você é tudo o que eu quero. Agora eu tenho certeza que eu te amo. Você foi tão corajoso em abrir o jogo pra sua família por minha causa...
- No fundo não foi por você. Foi por mim mesmo. Já estava na hora de eu sair de casa. Só me arrependo de ter saído daquele jeito. Motivado por um sentimento que não existe mais.
- Como assim?
- Eu não tenho que te perdoar pois você não me fez nada. Apenas me esqueça, pois, agora, quem quer se afastar sou eu.
- Foi por causa do sexo com o Felipe?
- Talvez. Só sei que não sinto mais nada por você. Por favor, saia.
- Então é isso. Você está se vingando.
- Estou seguindo em frente.
- Ótimo. Então tchau. - Cauê já derramava algumas lágrimas.
- Tchau. - Joaquim fechou a porta e respirou fundo.
Não conseguiu conter as lágrimas também.
Mas maior do que a dor era a sua decisão.
Esquecer Cauê.