- Rubens? - Exclamei espantado quando o amigo da Nic que conheci em uma distante noite no ano anterior adentrou no quarto do motel.
- Eu. - Falou ele rindo divertido e sentando em uma cadeira. - Foi rápida a coisa hein Ferdinando?
- Eu sempre sou rápido. Sem clemência, sem hesitação. - Respondeu Ferdinando rindo também.
- Dee, porque não senta um pouco?
- Rubens. Meu namorado está vindo.
- Ele demorará um pouquinho ainda. Sente-se, será sua primeira e única chance de receber alguma explicação.
Sem opção, sentei ao lado dele enquanto o Ferdinando se postou ao lado da porta de entrada com a arma na mão.
- Eu nunca desconfiaria que você não era o que parecia. - Falei.
- Eu diria, sem medo de parecer filosoficamente chato, que o mundo inteiro não é o que parece, Dee.- Falou Rubens. - Desde que você nasce é educado para aprender a forma que o mundo funciona. Deve estudar e arranjar um emprego. Deve respeitar as leis e a polícia. Um monte de regra chata que só serve para nos aprisionar. Alguns poucos afortunados conseguem enxergar por trás desse véu. Eles percebem que existem poderes ocultos por trás dos poderes que regem o mundo a nossa volta. Existem pessoas e organizações poderosas que mandam nos políticos, nas empresas, controlam o estado por dentro e por fora. Conhecendo esse outro mundo, obedecer as leis ou ter medo da polícia se torna algo tão infantil quanto brigar com moinhos de vento.
- Não estou entendendo onde você quer chegar. - Falei.
- Estou apenas querendo mostrar que existe uma filosofia e um modo de pensar por trás de tudo que faço. Não sou um chefe criminoso qualquer nem um vilão de histórias em quadrinhos. Eu sou apenas alguém que enxergou um pouco sobre como o mundo realmente é. E após enxergar isso, jamais poderia continuar sendo o mesmo tolo cumpridor das regras.
- Acho que te entendi. Mas onde eu entro nessa história? Porque me ajudar, porque me deixar vivo?
- Eu esperava que você fosse grato o suficiente por simplesmente poder continuar vivo e não fosse fuçar nada para descobrir sobre mim. Mas sabe, fui com a sua cara. Resolvi alimentar sua curiosidade. Antes de mais nada, a Nic não sabe de mim, pelo menos não tudo. Ela sabe apenas que possuo alguns negócios pouco ortodoxos. Se ela soubesse quem realmente eu sou teria pedido ajuda apenas a mim e não recorrido ao nosso amigo falecido. - Falou apontando para o cadáver do Sam de forma displicente.
- Mas porque você não ofereceu ajuda logo?
- Eu não conquistei o que tenho fazendo favores a todo mundo que bate na minha porta. Além do mais, eu nunca me envolvo em nada dessas coisas diretamente e isso tem ligação direta com o fato de estar no ramo há décadas sem ter sofrido nem mesmo uma investigação até hoje. Mas achei curioso a questão do tal Bill. Ele era uma pessoa de fora operando um sistema de escravidão sexual de garotos debaixo das fuças de várias pessoas grandes. A região em que ele estava era minha zona de influência, por isso o Samuel precisou me ligar para saber se eu tinha alguma ligação. Eu disse que não e autorizei que ele desmanchasse. Quando ele me ligou novamente depois dizendo que ia invadir no dia seguinte mas você estava em grande perigo, eu resolvi intervir diretamente e mandei o Ferdinando.
- Entendi. Então eu te devo a minha vida várias vezes. Obrigado, Rubens.
- Não há de quê. Suas dúvidas foram tiradas? Posso contar com sua discrição?
- Claro que pode contar com minha discrição. Mas, me tira só uma dúvida, se ali era sua zona de influência, quer dizer que tem outros chefões e coisas assim em outras partes da cidade?
- Em outras partes e em outras cidades. - Confirmou ele rindo. - Mas não pare para pensar nisso, ou você enlouquecerá. O Samuel mesmo, era subordinado a outra pessoa, para ter autorização para apagá-lo eu precisei contar tudo que ele fez para convencer alguém que ele havia enlouquecido.
- Tudo bem. - Falei levantando. - Acho que talvez nunca a gente se veja novamente não é? Então quero que saiba que nunca vou esquecer o que você fez por mim. Vou ser sempre grato. Se um dia precisar de alguém como eu, que não mando em nada, pode contar comigo. - Completei entendendo a mão para ele.
- Foi um prazer te ajudar Dee. - Falou ele me apertando a mão. - Boa sorte com seu namoro.
- Valeu.
Fui saindo pelo quarto e ainda apertei a mão do Ferdinando antes de sair. Percebi o Motel completamente silencioso. Me toquei que o lugar deveria pertencer ao Rubens ou a alguém sobre quem ele tem influência. Também não achei portas fechadas, nem mesmo quando sai pela recepção, onde os funcionários trabalhavam normalmente.
Mal cheguei na frente do motel uma moto quase me atropela tal a velocidade com que chegou e parou. Era o Thor, que me reconheceu de pronto.
- Dee. O que houve com você? - Falou ele pulando da moto e me abraçando.
- O Dee está morto, Thor. A partir de hoje eu sou apenas o Diego. O cara que te ama e quer passar a vida do seu lado.
- Eu também te amo. Você me mata do coração. Nunca mais quero ter medo de te perder como tive hoje. O que aconteceu aí dentro?
- Nada demais. O Samuel tentou mais uma gracinha e o Ferdinando matou ele.
- Como? Eles não eram aliados ou algo assim?
- Não, havia um chefão acima dos dois. E ele mandou apagar o Samuel porque ele estava ficando louco. Já havia matado um ex-namorado e estava me ameaçando também.
- Sério? Quem é esse chefão?
- Ah, amor. Melhor a gente nem saber né? Vamos viver nossa vida, que ela vai ficar ótima a partir de agora. Estamos apenas começando a nossa história.
- Se você diz. Mas o próximo que mexer em um fio de cabelo seu. Eu apago sem nem piscar. - Falou ele alisando sua pistola. Ele estava até com a farda de policial.
Agradeci suas palavras protetoras com um longo beijo. Quem visse iria achar estranho um policial beijando outro cara assim em público. Mas ligamos por uns segundos o botão do foda-se. Eram quase duas da manhã. Começava o primeiro dia do resto de nossas vidas e merecíamos toda a felicidade que o mundo tinha para oferecer. Pulei na garupa da sua moto e sentindo o vento batendo no rosto, seguimos rindo por dentro para casa.
Fim.
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Agradecimentos Finais
Pessoal, realmente me sinto extremamente grato pela companhia de vocês em mais este conto. Fiquei verdadeiramente viciado na interação que temos. Essa história foi bem diferente da do Caio e foi de propósito, eu gosto de criar cada personagem principal bem diferente, o que faz com que suas histórias se tornem bem diferentes também.
Alguns não gostaram do tom desta nova história. Outros não gostaram da anterior, mas gostaram dessas. Então continuarei explorando personagens diferentes e vendo no que dá.
Uma curiosidade para quem leu as duas histórias: Caio e Diego: A História de Diego deveria ser continuação da do Caio. Quando comecei a do Caio pretendia fazer o Caio terminar com o Dan e o Yoh conheceria o Dee bem depois e fariam um casal os dois.
Acho que ninguém notou, mas o Samuel aparece nos dois contos. Ele é o traficante que aparece no prólogo do Ramon, o Ramon vai falar com ele e pedir para não ajudar o Yoh. E quando o Rubens diz que o Samuel era subordinado a outra pessoa, ele falava do Yoh. O Yoh ia conhecer o Dee em uma visita ao Samuel e se apaixonar por ele no meu planejamento original, antes mesmo de começar a escrever as duas histórias. Mas não me arrependo de ter mudado, assim as duas histórias ficaram cada uma fechada em uma círculo e se fossem uma história só teria quase 700 páginas.
No mais, é isso, vou tirar uma semana de férias. Inclusive agora estou em viajem e levo uma meia hora para postar cada conto na internet 3G péssima que estou tendo acesso. Após uma semana, ou seja, próximo domingo, retorno com A Cigarra e a Formiga, que postei 3 capítulos e ainda faltam 9 para encerrar. Quem não leu e quiser acompanhar minha nova história, pode lê-los abaixo enquanto não retorno daqui a sete dias.
http://www.casadoscontos.com.br/texto/http://www.casadoscontos.com.br/texto/http://www.casadoscontos.com.br/texto/Vou ficando aqui com o costumeiro aperto no peito que me ataca quando termino uma história, estou com saudades já do Dee, da Nic, do Lipe e do Thor. E claro, com saudades sem medida do carinho de todos vocês e das palavras de incentivo nas quais me viciei.
Fiquem na paz todos.
Ian (alahric@yahoo.com.br)