O sono se atrasava em chegar, meus olhos percorriam as paredes brancas em busca de algum sossego, de algo que preenchesse o buraco que eu estava sentindo dentro de mim.
Domingo chegou moroso como todo domingo. Eu estava ansioso para reencontrar a minha namorada, ela chegaria somente no meio da tarde. Sim, eu tinha certeza que ela iria preencher o vazio que eu estava sentindo...
Enquanto isso, Marcelo parecia ter me dado uma trégua ou sei lá o quê. Nós dois estávamos de bem um com o outro, coisa de irmãos mesmo.
Em domingo, eram às 15h37min, quando o telefone tocou, arrastando seu barulho pelos aposentos da casa. Eu estava na minha cama, ouvindo ’Train In Vain‘ do ‘The Clash’ , uma coisa bem menos gay que “Cher”. Tirei com agilidade o fone do meu ouvido e fui correr para atender ao telefone.
Talvez pudesse ser Guilherme que estivesse me telefonando... Implorando por desculpas...
Eu ia ter prazer em humilhá-lo!!! Quem ele pensava que era?
- Alô? – disse a voz feminina do outro lado da linha.
Definitivamente não era Guilherme.
- Oi linda. Já chegou? – perguntei à Monise.
- Acabei de chegar. Estou morrendo de saudades.
- Também estou morrendo de saudades, você não tem noção de quanto. – eu falei.
- Então dá uma passadinha aqui. – ela me convidou.
- Tá, eu preciso só tomar meu banho antes.
- Tá bem, eu vou tomar um banho também. Não demora!
- Pode deixar.
- Então até daqui a pouco. Beijo.
- Beijo.
Peguei minha toalha no varal e fui para o banheiro tomar meu banho.
Pendurei a toalha no ganho da parede do banheiro, em seguida, tirei minha camisa e depois a bermuda.
Fiquei observando meu próprio corpo no espelho, me admirando de forma tola, contemplando as curvas dos meus braços. A minha boca era a parte do meu rosto que as pessoas mais elogiavam, eu tinha os lábios bonitos, nem finos nem grossos, provocativos, com linhas suaves que exalavam desejo. Em que pesasse todos os elogios que as meninas já tinham dado para os meus beijos, eu particularmente gostava mais dos meus olhos. Normalmente eram de um castanho escuro misterioso, mas havia dias que eles ficavam mais claros, com uma tonalidade sonhadora.
Eu tenho que admitir, eu às vezes tinha essas crises de narcisismo. Embora eu não tivesse uma pintinha charmosa no canto da boca, eu me considerava extremamente charmoso, principalmente quando meu rosto assumia expressões de seriedade.
Pisei primeiro com o meu pé direito no azulejo frio do box, depois fechei a porta de Blindex atrás de mim. Liguei o chuveiro e me afastei, esperando a água esquentar.
Passado alguns segundos, estiquei meu braço para ver se água já estava morna. E já estava.
Coloquei meu corpo debaixo da ducha e deixei que a água escorresse por meu corpo, descendo dos meus cabelos até as pontas dos dedos dos meus pés, passando pelos meus ombros, pela minha barriga, pela virilha, descendo as minhas pernas até encontrar meus pés no chão e em seguida partirem rumo ao ralo.
Passei o sabonete pelo corpo, depois o shampoo.
Meus pensamentos se perdiam em abstrações. Quando eu percebi, eu estava de olhos fechados, beijando o vidro do Blindex, imaginando a boca de morango de Guilherme.
Abri os olhos e me senti um completo imbecil. Comecei a chorar compulsivamente e me ajoelhei no chão do box, deixando a água do chuveiro cair em cima de mim. Eu tentava esconder, mas a dor que eu sentia era muito grande, eu amava o meu primo mais do que tudo, era irrefutável a minha paixão por ele. Eu estava condenado para sempre a sentir aquele imenso vazio dentro de mimDesliguei o chuveiro e peguei minha toalha para me secar. Enrolei-me nela e fui para o meu quarto, vestir minha roupa.
Coloquei uma camisa branca e uma bermuda preta, fiquei uns cinco minutos arrumando meu cabelo em frente ao espelho do meu guarda-roupa e, então, fui para a casa de Monise.
Monise não morava longe de mim.
Chegando lá, quem abriu a porta foi Taís, irmã um ano mais velha que Monise.
Eu e Taís nos dávamos bem. Ela ficou me fazendo sala enquanto Monise se arrumava no quarto.
Taís era uma pessoa bem mais calma e sensata que Monise, em compensação era bem mais feia... As vezes eu desejava que Monise tivesse o mesmo temperamento que a irmã, mas era um desejo em vão. Monise era explodidinha mesmo, e em parte – de forma BEM relativa - eu até que gostava dessa característica “estouradinha” dela.
Taís ficou me contando sobre a avó que estava em coma e o avô que estava em depressão, me contando como tavam os parentes, especialmente seu próprio pai, que estava muito abalado com todos esses eventos na família e o quão ele se sentia impotente para ajudar.
Quando Monise apareceu na porta da sala, corri para abraçá-la.
Seu perfume doce, delicado e feminino envolveu meu nariz. Aquele abraço me trazia tranqüilidade e segurança.
Segurei-a pelo rosto e roubei-lhe um romântico beijo francês.
Levei-a para dar uma volta pelas ruas.
De mãos dadas, andávamos sem rumo certo.
O sol estava se pondo no horizonte, quando decidimos ir para a minha casa. Fomos para o meu quarto e eu tranquei a porta.
Nossos beijos começaram a ficar mais lascivos. Os lábios de Monise deslizavam-se nos meus, mas ela não tinha nenhuma pintinha no canto da boca.
Deitamos na cama, minhas mãos apalpavam as coxas e a bunda da minha namorada. Meu pau dava sinal de vida, endurecendo aos poucos com aqueles ardentes beijos da minha princesa.
Fui lentamente despindo o meu amor, Primeiro tirei-lhe a blusa, depois desabotoei sua calça. Enfiei devagar pedaço de minha mão dentro de sua calcinha. Meu dedo do meio escorregava pelos lábios de sua vagina. Ela gemia timidamente, toda recatadinha, enquanto minha língua devorava-lhe em beijos ardentes.
Meu dedo, então, tocou-lhe o clitóris. Escutei-a suspirar alto de prazer. A xoxotinha ia ficando cada vez mais molhadinha, me enchendo de tesão. Meu pau já pulsava duro dentro da minha cueca.
Meu dedo massageava delicadamente o clitóris da minha princesa. O tesão foi aumentando dentro dela e ela avançou sobre mim, arrancando minhas roupas com voracidade.
- Para de me torturar. – ela sussurrou no meu ouvido, enquanto arrancava minha camisa e minha bermuda, me deixando só de cueca.
Tirei a calça dela também e ficamos os dois apenas com nossas roupas intimas.
Nossos corpos se enroscavam em perfeita harmonia.
Fiquei por cima de Monise. As mãos dela deslizavam pelas minhas costas ao mesmo tempo em que eu lhe tirava o sutiã, revelando seus lindos seios.
Enquanto eu apoiava meu corpo no braço direito, meu braço esquerdo ia escorregando até sua delicada cintura e minha mão ia abaixando sua calcinha.
Tirei minha cueca e comecei a esfregar a cabeça do meu pau na xaninha da minha princesa. Neste momento, a xoxotinha dela já estava totalmente inundada de tanto tesão, implorando para a minha pica entrar nela.
Comecei a penetrá-la bem devagar. Suas mãos me empurravam contra seu corpo para que eu enfiasse mais fundo o meu pau dentro dela, mas eu gostava de provocar...
Comecei a aumentar o ritmo. Bombava minha vara dentro dela enquanto meu dedo massageava seu clitóris.
Entretanto, o sentimento guardado voltou a incomodar.
A imagem de Guilherme começou a rondar a minha cabeça. Quando eu percebi, eu já estava de olhos fechados e imaginando que estava comendo o cuzinho dele.
Aquilo me fez sentir desonesto, errado. Comecei a me sentir alheio e conseqüentemente fui perdendo a ereção do meu pênis até ficar inviável que eu continuasse a penetrá-la.
Quando finalmente parei de bombar, Monise ainda forçou seus braços contra meu corpo para que eu continuasse a comê-la, mas meu pau tinha ficado mole.
Olhei sem graça para ela. Eu nunca tinha broxado antes na minha vida.
- O que ouve? – ela perguntou.
- Eu não sei. – eu respondi, mas eu sabia muito bem o que tinha acontecido...
Situação indiscutivelmente chata...
Deitei-me ao seu lado e ficamos nos beijando, fiquei fazendo carinho em seu rosto.
- Não tem problema, amor. Essas coisas acontecem... – ela falou.
- A gente pode encerrar esse assunto? – eu perguntei. – Não quero ficar falando sobre isso agora...
- Tá bom. – ela disse com um sorriso meigo e fazendo um carinho no meu cabelo.
Passaram-se 15 minutos
- Vamos levantar? – sugeriu Monise. – Preciso ir embora, estou com fome.
- Tá. – respondi. – Lancha aqui em casa, que tal?
Monise aceitou o convite com um balanço de cabeça.
Ao levantar da cama para pegar sua roupa que estava no chão, Monise soltou uma exclamação.
- Uá!!! – ela falou. – Eu não sabia que você tinha esse livro.
O dedo de Monise apontava para o livro que estava entre ”Harry Potter e Pedra Filosofal” e ”O Conto da Ilha Desconhecida”.
Gelei na hora. Fiquei sem saber o que responder. Quem mandara eu ter uma namorada tão detalhista assim.
- Meu primo não queria mais o livro e acabou me dando. – eu disse por fim.
- Ah sim... – ela respondeu.
Ela, então, perguntou onde que estava o meu primo. Tive que contar para ela a história da repentina saída dele. Foi difícil, quase chorei enquanto dizia pra ela que o pai dele tinha resolvido do nada que Guilherme iria para Irlanda, precisei fazer força para segurar as minhas emoções, mesmo assim acho que transpareci o quanto eu estava abalado com a súbita despedida do meu primo.
- Que pena... – falou Monise. – Vocês estava se dando bem, né?
- Eh... – falei, tentando manter a indiferença e fazendo força para não deixar minhas bochechas corarem. – Ele tinha me ensinado a jogar Pokémon Red, foi embora antes que eu conseguisse fechar o jogo...
Meu olhar se perdia nas frases, fazendo com que as palavras parecessem ter mais de um significado... E talvez tivessem...
Rapidamente tratei de mudar o assunto.
- Vamos lanchar? – perguntei. – Também estou morrendo de fome.
Segunda-feira chegou. Agora faltavam apenas 5 dias para o famigerado vestibular.
As pessoas estavam frenéticas no cursinho.
Monise estava preocupada se conseguiria passar para o curso de Biologia, afinal ela tinha perdido praticamente três semanas de estudos. Eu também estava incomodado comigo mesmo, pois eu tinha vadiado muito nas três semanas anteriores, especialmente por causa do meu primo, aquele desgraçado.
A semana foi transcorrendo de forma surpreendentemente rápida. Eu mal conseguia prestar atenção nas aulas revisionais do cursinho, eu ficava pensando se Guilherme estaria pensando em mim também, se ele estaria arrependido de ter me abandonado... Essas coisas estúpidas... Ao mesmo tempo me sentia retardado por ficar pensando nessas coisas... Mas eu não conseguia evitar esses pensamentos...
Chegou sábado, dia da primeira fase do vestibular.
Eu e Monise íamos fazer a prova no mesmo lugar (embora em salas diferentes), no Instituto de Ciências Humanas da Universidade.
Havia todo aquele clima de tensão. A Universidade estava lotada de vestibulandos. Eu estava com total desesperança em conseguir passar para o curso de Direito, talvez eu nem conseguisse chegar na segunda fase do vestibular. Eu tinha negligenciado os meus estudos nos últimos tempos e agora me batia um arrependimento mortal de ter me envolvido naquele romance imprudente com Guilherme.
Desejei boa prova para Monise e entrei na minha sala. Os fiscais esperaram dar 14h00min em ponto e então começaram a distribuir as provas.
Meus olhos percorriam os enunciados das questões de forma relapsa e distraída. Era uma prova só de múltipla-escolha, eu marcava os gabaritos sem realmente ter certeza das respostas. Eu estava me sentindo um lixo, olhava para os lados e via os meus concorrentes todos concentrados e eu só conseguia ficar pensando em como Guilherme tinha sacaneado a minha vida e ainda sim eu continuava apaixonado por ele...
Estava certo isso? Continuar apaixonado por ele...
Ao mesmo tempo, eu me sentia mal por causa de Monise. Era ela que merecia minha total dedicação, era ela que merecia os meus pensamentos...
Terminei a prova, preenchi a folha de gabarito e a entreguei para a fiscal, uma moça gordinha de uns 25 anos.
Fui para o pátio do Instituto de Ciências Humanas e fiquei esperando Monise. Aproximadamente 20 minutos depois ela apareceu.
Liguei para a minha mãe e ela veio nos buscar.
Conferimos as respostas das questões pela internet lá em casa. Não sei se era milagre ou outra coisa, mas eu tinha ido bem e tinha chances reais de ir para a segunda fase. Monise tinha se saído um pouco pior do que eu, mas como o curso de Biologia era bem menos concorrido que o de Direito, era quase certo que ela conseguiria ir para a segunda fase também.
O resultado da primeira fase do vestibular sairia em 10 dias e as datas da segunda fase seriam 5 dias depois do resultado. Portanto, eu teria mais ou menos 15 dias para estudar loucamente, caso eu quisesse ter alguma chance de entrar na universidade.
Os dias foram passando. Eu e Monise combinamos de não nos encontrarmos. Precisávamos nos concentrar nos estudos.
Passamos o Natal daquele ano estudando. Foi estranho. Parecia uma maratona contra o tempo. Havia alguma força dentro de mim me empurrando para frente, não me deixando entregar os pontos, não me deixando desistir.
O resultado da primeira fase do vestibular saiu. Eu e Monise tínhamos passado para a segunda fase. Uma grande alegria.
Veio a segunda fase. Eram dois dias de provas abertas. Tudo ocorreu tranquilamente. Saí-me melhor nas questões de História, Geografia e Biologia, que eram os meus pontos fortes. Fui razoável nas questões de Literatura, Português, Matemática e Física. E afundei nas questões de Química, sempre fui terrível com Química.
O resultado só sairia em fevereiro do ano seguinte. Até lá a única coisa que sobrava era expectativa.
O finalzinho de Dezembro já se dobrava. Já tinha passado o Natal e o Vestibular. Faltava apenas o Réveillon...
Meus tios (os pais de Guilherme), chamaram meus pais para passarem a virada de ano com eles lá no Rio de Janeiro, uma forma de agradecer meus pais terem cuidado de Guilherme. Meus pais acabaram aceitando o convite.
No dia 30 de dezembro, eu, meu irmão e meus pais saímos de viagem em direção ao Rio de Janeiro, que ficava aproximadamente a quatro horas de distância da nossa cidade. Monise não pôde ir conosco, porque os pais dela queriam que ela passasse a virada do ano com eles.
Fazia mais de seis anos que eu não ia ao Rio, mesmo assim eu tinha um carinho especial por aquela cidade, afinal de contas, era lá que eu tinha nascido.
Meu pai atravessou a cidade em direção ao bairro da Barra da Tijuca, que era onde morava meu tio.
...
A chegada ao condômino em que morava meu tio foi acompanhada de olhos arregalados por nós quatro que estávamos dentro do carro.
Era um condomínio de cinco prédios altamente luxuoso. Eu e Marcelo ficamos boquiabertos. Nós sabíamos que tio Pedro e tia Laura eram bem de vida, mas não fazíamos idéia do quanto...
Havia todo um procedimento de identificação na portaria do condomínio, cheio dos guéri-guéris.
Depois do ritual de entrada, o porteiro falou para meu pai estacionar o carro na vaga 17, que era destinada às visitas. Entre BMWs e Mercedes que enfeitavam a garagem do condomínio, o Sportage do meu pai lembrava mais um fusquinha tirado de um ferro velho.
Logo em seguida apareceu meu tio, trazendo um carrinho para colocarmos as malas. Tio Pedro cumprimentou meu pai, depois minha mãe, depois eu e finalmente cumprimentou meu irmão.
Descarregamos as malas no carrinho e fomos em direção ao bloco três que era o prédio que morava meu tio.
Enquanto o elevador subia em direção ao oitavo andar, eu observava meu tio. Aparentemente Guilherme tinha herdado muitas características físicas dele, principalmente o porte físico e, sobretudo, o sorriso.
O apartamento era um duplex de cinco quartos, muito bem decorado por minha tia Laura.
Ao entrarmos no apartamento, ela veio nos cumprimentar com beijinhos.
- Quem bom que vocês resolveram vir! – ela exclamou. – Fizeram boa viagem?
Tia Laura tinha muito de perua. Embora ela fosse bonita, eu particularmente achava minha mãe muito mais bonita que ela.
- Silvia, querida, espero que o “Leleme” não tenha te dado muito trabalho... – falou tia Laura.
“Leleme?” Minha mãe olhou para meu pai com uma expressão de interrogação no rosto. Mas pelo contexto, parecia que ela estava se referindo ao Guilherme.
Meu pai ameaçou abrir a boca para falar. Porém, dada a sua histórica aversão ao seu sobrinho “Leleme”, minha mãe o cortou, antes que as palavras saíssem de sua boca.
- Guilherme se comportou muito bem, Laura. – elogiou minha mãe. – Não deu trabalho algum.
- Fico mais aliviada. – disse minha tia. – Eu e Pedro estávamos muito preocupados com ele. O Rio de Janeiro não é um bom ambiente para ele. Estávamos preocupados dele se envolver... Bom... Com drogas... Vocês sabem... Os jovens hoje em dia estão muito expostos às essas coisas, principalmente aqui no Rio... Além disso, ele andava meio triste... Não sabíamos o que fazer...
- Entendo. – concordou minha mãe. – Vocês podiam ter deixado ele lá o tempo que fosse... Não precisavam ter se preocupado.
- Obrigado Silvia. – agradeceu tia Laura. – Mas foi por outro motivo que resolvemos mandar ele para a Europa.
Houve um silêncio constrangedor em que se esperou que tia Laura explicasse o motivo de ter mandado Guilherme à Europa. Mas conforme o silencio se prolongou no tempo, logo ficou explicito que ela não estava confortável em explicar porque tinha mandado o filho estudar na Irlanda.
Meu irmão me lançou um olhar pesado. Eu, por minha vez, fiquei olhando o chão, sem graça.
Será que Guilherme tinha contado para os pais sobre a gente? Será que os pais dele não tinham gostado da noticia e tinham mandado ele para bem longe de mim?
Mesmo assim, a teoria tinha buracos... Era inexplicável o fato de Guilherme ter se recusado a fugir comigo, idéia, inclusive, que tinha sido dele próprio! A atitude dele tinha sido de covardia, não cabia outra interpretação. Ele tinha preferido o conforto da Europa do que a fugir comigo...
A minha preocupação agora se polarizava de outra forma. Se o desgraçado do Guilherme tinha contado para os pais sobre a gente... Isso significava que meus tios sabiam... O que queria dizer que eles poderiam contar para os meus pais... Logo, eu estava potencialmente ferrado novamente.
Antes que eu pudesse começar a tremelicar de desespero, meu tio abriu a boca para esclarecer a situação.
- Laura... Eles são da família... – falou meu tio Pedro. – Não tem problema falar para eles...
Tia Laura lançou um olhar de censura quando tio Pedro começou a explicar o porquê de eles terem mandado Guilherme para estudar na Irlanda.
Depois de tio Pedro explicar toda a personalidade rebelde de Guilherme e seu histórico de fugas e confusões, tio Pedro concluiu:
- Ele havia nos pedido dinheiro... E não foi pouco dinheiro que ele pediu. – falou meu tio. – Além disso, ele se recusou a explicar para quê que ele queria o dinheiro... Eu e Laura achamos que ele estava devendo dinheiro para algum traficante grande... Ou coisa pior...
- Isso é mentira! – eu exclamei.
Todos me olharam surpresos por causa da súbita intervenção que eu tinha feito.
Apesar de toda a raiva que eu sentia de Guilherme, eu não podia deixar que meus tios falassem aqueles absurdos do meu primo. Guilherme não tinha nada de viciado em drogas, ele era uma pessoa muito conscientizada em relação a isso.
Eu agora entendia a tristeza de Guilherme em relação aos seus pais. Ficava patente que meus tios eram totalmente por fora da vida do próprio filho. Eles eram simplesmente muito ocupados com o trabalho ou sei lá o quê... O fato era que eles tinham uma imagem totalmente errada de Guilherme.
- Você conviveu com Guilherme pouco tempo... – disse meu tio. – Não tem como você ter conhecido ele bem...
Tive vontade de retrucar. Eu talvez tivesse conhecido Guilherme melhor do que qualquer um dentro daquela casa... Se bem que eu não tinha sido capaz de prever a covardia dele de ir para a Europa... Pelo o que eu conhecia dele, eu teria jurado que ele fugiria comigo...
Era doloroso, pra mim, ficar pensando nesse assunto. Então, resolvi ficar quieto. Afinal, não ia ser eu que ia fazer meus tios mudarem de opinião em relação ao próprio filho.
- Aí achamos melhor mandar o “Leleme” para fora do Brasil. – concluiu minha tia. – Pedro conseguiu achar essa vaga numa agência de intercâmbio... A principio, Leleme não gostou da idéia, mas depois ele ficou bem entusiasmado...
Aquela última palavra entrou no meu ouvido como um choque... Entusiasmado?
Então, talvez eu tivesse sido apenas um passatempo mesmo do meu primo. Eu não tinha sido nada além disso para ele, um brinquedinho para passar o tempo. Senti uma dor profunda dentro do meu coração.
De repente irrompeu uma pequena menininha pela sala.
Era minha priminha Débora, de 5 anos, irmã mais nova de Guilherme, a coisa mais bonitinha que eu já tinha visto.
- Não vai cumprimentar as visitas? – perguntou tia Laura para Débora, que estava escondida atrás do vestido da mãe
Débora, então, deu um abraço gostoso em cada um de nós e depois voltou para trás do vestido da mãe. Ela tinha os mesmos olhos lindos que Guilherme. Eu não sei muito bem porquê, mas eu sempre gostei de crianças (e sempre me dei muito bem com elas também)...
- Vamos mostrar a casa para eles, “Bobora”? – perguntou tia Laura para Débora.
Que mania chata que eles tinham de criar apelidos com as sílabas do meio, eu pensei... “Deb” era tão mais bonito que ”Bobora” e “Gui” era bem menos infantil que “Leleme”.
Débora fez que sim com a cabeça. Fomos andando pelo gigante apartamento, conhecendo os cômodos da casa.
O apartamento era realmente uma grande ostentação, fosse com a aparelhagem eletrônica, fosse com os móveis, fosse as peças de decoração... Tudo dava a impressão de ter custado caro.
- Bom, já que Leleme não está aqui, você e Marcelo poderão ficar no quarto dele. – falou minha tia.
Entramos no quarto de Guilherme. Era um típico quarto de um adolescente burguês riquinho, em pouco lembrava o Guilherme que eu tinha conhecido. Havia um computador, uma televisão e um Playstation 2.
De repente fiquei me perguntando por que diabos Guilherme ainda jogava Game Boy Color, quando, na verdade, ele tinha todas as condições de ter um PSP...
Talvez por excentricidade... Eu pensei... Vai saber...
Encimava sua bancada de estudos um porta retrato com sua foto. Era Guilherme criança, devia ter uns dez anos de idade. Fiquei observando aquela fotografia. Já naquela época, Gui já tinha sua pintinha charmosa no canto da boca e já dava pare perceber que ele se tornaria um homem bonito e gostoso. Ele passava a impressão de ser uma criança bem bagunceira, era interessante ver uma foto dele novo.
Passei o resto do dia explorando o resto do condomínio com o meu irmão. O lugar era muito grande, cheio de quadras e piscinas, com academia de ginástica, sauna etc.
No dia 31 fomos para o apartamento de um colega do meu tio que ficava na orla de Copacabana, passaríamos a virada de ano lá, assistindo aos fogos pela varanda, com vista privilegiada.
A passagem de 2006 para 2007 foi espetacular. O show pirotécnico na praia de Copacabana foi incrível, desejei que Monise estivesse ali comigo.
Ficamos hospedados mais dois dias na casa de meu tio Pedro. No dia três de janeiro, pela manhã, pegamos a estrada de volta para nossa cidade.
A minha ansiedade pelo resultado do vestibular conseguia fazer com que eu não pensasse muito em Guilherme.
Aos poucos, a rotina ia quebrando o meu sofrimento causado pelo abandono de Guilherme. As coisas pareciam estar se endireitando. Marcelo parecia ter realmente desistido da idéia de me escravizar.
O único problema que realmente persistia de forma extremamente incômoda, era que eu continuava broxando ao tentar fazer sexo com Monise, o que estava gerando um grande desgaste na nossa relação.
...
No começo de fevereiro, primeiro final de semana de fevereiro, Vanessa da Mata iria fazer um show em nossa cidade. Monise era fã dela e insistiu para que fossemos ao show. Eu não conhecia muito bem as músicas da Vanessa da Mata, mas para agradar a minha namorada, decidi ir ao show.
O show ia ser no Violet Boulevard Hall, um centro de eventos que ficava do lado de fora da cidade.
Quando chegou sábado, dia do show, houve uma série de desencontros. Eu e Monise íamos com Flávio, meu colega que já tinha carteira de motorista. Aconteceu, porém, de Flávio desistir de ir ao show em cima da hora.
Ir de taxi até o Violet Boulevard Hall ia ser muito caro, porque o lugar era uns 5 quilômetros fora da cidade.
No calor do momento e sem conseguir achar outra alternativa rápida, acabei pegando escondido o Sportage do meu pai.
Passei na casa de Monise e fomos para o show.
Monise estava extremamente gata. Eu nunca tinha visto ela tão bonita como naquele dia.
Dirigi o carro até o local, o percurso até lá demorou mais ou menos 20 minutos. Havia uma fila de carros para entrar no estacionamento do centro de eventos. Monise ficou olhando pela janela, admirando os jardins de violeta que haviam em volta do lugar. Era realmente um ambiente muito bonito.
Depois de estacionar o carro, fomos para a fila de entrada do show.
Teve uma bandinha que abriu o show e uma hora depois entrou no palco a deslumbrante Vanessa da Mata.
As músicas eram lindas. Estava indo tudo bem, mas então ela começou a canta a música chamada “Música”.
Até então eu não conhecia aquela canção. Comecei a prestar atenção na letra. Não demorou muito e as lágrimas nos meus olhos foram inevitáveis. A música era linda, mas a letra me fazia lembrar Guilherme de uma forma muito forte.
Comecei a chorar descontroladamente. Monise ficou sem entender nada. Achou apenas que eu estava gostando da música.
Eu estava me sentindo sufocado com a beleza daquela música. Meus olhos pareciam duas torneiras.
Quando a “Música” acabou, o estrago já estava feito, parecia que havia um rombo dentro de mim, era difícil até me manter em pé. Ao mesmo tempo, Monise estava ali do meu lado, eu tinha que manter uma postura! Mas tudo parecia tão errado, tudo parecia tão do jeito que eu não queria que fosse...
Vanessa da Mata prosseguiu o show, emendando outra música depois daquela. Porém, eu precisava aliviar aquela dor dentro de mim de alguma fora.
- Eu vou pegar uma cerveja pra mim, você quer? – perguntei para Monise.
- Você vai beber? – estranhou Monise.
Realmente. Beber era algo que eu não era muito afeito na época, não gostava do gosto e nem fazia questão de gostar, neste aspecto sempre tive personalidade forte para não ir na onda dos meus amigos.
Mas ali, naquele momento, com a dor pontiaguda que eu estava sentindo, da saudade do beijo de morango do meu Pokémon Gui, daqueles lábios, daquele abraço gostoso que ele me dava, a cerveja parecia uma boa idéia.
E ao longo do resto do show eu fui bebendo uma cerveja aqui, outra ali...
No final, eu já estava meio altinho.
- Marcos! – exclamou Monise. – Como que vamos voltar agora? A gente vai ter que voltar de taxi, você não está em condições de dirigir.
- É claro que estou. – respondi aborrecido. – Eu sei quando eu não estou em condições de dirigir!
Entramos no carro. Já era um pouco depois de 3h00min da madrugada. A música da Vanessa da Mata ainda ecoava aguda na minha cabeça. Um pequeno chuvisco caia do céu. Era fevereiro, mas ali de madrugada fazia frio.
Girei a chave na ignição, dando partida no motor. Liguei os faróis, passei a marcha ré e tirei o carro da vaga.
Liguei o limpador de pára-brisa e acionei o farol de milha, havia uma pequena névoa no ar.
- Eu adorei o show. Você gostou? – perguntou-me Monise.
- Anrã... – eu respondi com sorriso, tentando disfarçar a minha sensação de vazio.
Não fazia sentindo eu continuar sofrendo por causa de Guilherme. Eu já tinha decidido que eu não ia mais sofrer por causa daquele infeliz.
Liguei o rádio do carro para me distrair, nem me lembro que música estava tocando...
A chuva começou a engrossar.
Já estávamos próximos do trevo de acesso da cidade. Havia uma curva logo à frente.
A última coisa que me lembro desse instante foi o grito de Monise...
- MARCOS!!! TEM UM BURACO ALI!!!
Eu joguei o carro na contramão para evitar o buraco que era fundo, pois o carro estava muito rápido, se eu passasse por cima do buraco, eu corria o risco de estragar o carro do meu pai e causar algum acidente.
O problema era que depois eu percebi que estava vindo um outro automóvel na contramão. Então tive que jogar o carro novamente para a minha pista.
Nesse momento eu já tinha perdido totalmente o controle do carro. Tive alguns breves segundos para pisar fundo no freio, mas pouco adiantou. O carro saiu pela curva, capotando.
Acordei deitado numa cama. A luminosidade que entrava pela persiana do quarto fez meus olhos lacrimejarem. Eu me sentia levemente grogue. Eu parecia distante do meu próprio corpo.
Minha mãe se sobressaltou da poltrona quando viu que eu tinha acordado. Ela veio até a minha direção e segurou minha mão, seus olhos estavam bastante inchados de quem tinha chorado a noite toda.
- O que houve? Onde que eu estou? – perguntei para ela.
- Você sofreu um acidente de carro e está no quarto de um hospital. – ela respondeu.
Cerrei as minhas sobrancelhas, confuso. Mas aos poucos eu ia recuperando a minha memória. Tudo tinha acontecido muito rápido.
- Mas não se preocupe. Você está bem. – ela disse apressadamente.
- Que horas são? – perguntei.
- São 16h25min. – respondeu minha mãe, olhando o relógio na parede.
Poxa, havia passado bastante tempo, mais de 12 horas. Mesmo assim eu ainda me sentia cansado.
- Você precisa descansar, meu filho. – falou minha mãe. – Quer que eu ligue a televisão um pouco?
Eu assenti com a cabeça. Minha mãe caminhou em direção à mesinha para pegar o controle-remoto.
- E Monise? – perguntei abruptamente, por alguns segundos eu quase tinha me esquecido dela. – Como ela está?
Sobressaltei-me preocupado. Minha mãe se apressou a pegar novamente em minha mão.
- Calma, filho. – ela falou. - Você precisa descansar agora...
- COMO ELA ESTÁ? – perguntei com a voz alterada, nervoso.
- Ela está viva... – respondeu minha mãe. – Ela está viva...
Eu estava no Terminal 1 do Aeroporto Tom Jobim e precisava ir até o Terminal 2.
O problema era que a distância entre eles era enorme. Minhas pernas andaram apressadas e as esteiras rolantes ajudaram a encurtar o tempo de travessia, mas mesmo assim gastei longos 10 minutos para cruzar o gigante corredor que ligava os dois terminais. Grandes painéis de vidro ladeavam o lado direito do corredor e enquanto eu corria para chegar ao Terminal 2, eu pude ver alguns aviões estacionados no imenso pátio.
Pessoas caminhavam para lá e para cá com carrinhos de bagagem. A maioria tranqüila, andava em ritmo calmo. Alguns poucos cidadãos tinham dispensado o uso do carrinho de bagagem e puxavam suas malas de rodinhas pela própria haste da mala. Raras exceções mais atrevidas estavam com malas sem rodinhas e carregavam a mala pela própria alça, um verdadeiro sacrifício para a coluna, que certamente cobrou ou cobrará seu preço na velhice.
No meu caso não havia o que refletir. Eu estava carregando apenas a mochila que eu ia levar junto comigo dentro do avião (a chamada “mochila de ataque”). O meu mochilão de 75 litros (um verdadeiro monstro de mochila) eu já tinha despachando para o avião durante o check-in.
Eu não conseguia acreditar que eu ia realmente fazer aquela viagem... Em certa medida, era muita loucura, mas eu estava precisando dessa aventura. Principalmente depois de tudo que tinha acontecido entre mim e Monise. Ela tinha terminado o nosso namoro... A princípio, eu achei que eu não ia sofrer tanto, especialmente porque eu estava muito confuso a respeito da minha sexualidade e tentava me convencer de que era melhor dar um tempo com Monise, para não enganá-la. Porém, antes que eu pudesse tomar a frente e terminar o nosso relacionamento, Monise havia se adiantado e tinha sido ela própria que tinha rompido com o nosso namoro.
Cheguei ao escritório da Anvisa com a respiração ofegante. Uma mulher e sua família que estavam indo para Angola estavam sendo atendidos.
Os minutos foram passando e eu comecei a ficar tenso. Olhei no meu relógio. Agora faltavam apenas 35 minutos para o meu vôo. A mulher de Angola era lenta e a moça que a atendia era mais lenta ainda.
Depois de uma espera sofrida, finalmente consegui ser atendido, faltando somente 23 minutos para o vôo.
Entreguei meu Cartão de Vacinação do SUS para a atendente. Ela o pegou em suas mãos e conferiu que no cartão havia o carimbo da vacinação contra a febre amarela. A atendente entrou numa salinha e algum tempo depois voltou trazendo pronto o meu Certificado Internacional de Vacinação e Profilaxia (também conhecido como CIVP), documento necessário para entrar na Bolívia e no Peru.
Peguei o tal certificado, deixei o escritório da Anvisa e saí correndo em direção ao Terminal 1. Faltavam 15 minutos. A possibilidade de eu perder o vôo agora parecia sufocantemente real.
Chegando na área de embarque, me faltavam insólitos 9 minutos. Como era um vôo internacional, eu ainda tive que enfrentar a fila que passava pela Polícia Federal, minha sorte foi que a fila andou rápida.
Quando cheguei no Portão de Embarque, meu vôo estava sendo chamado pelo alto-falante. Respirei aliviado e entrei na fila de passageiros que se fazia para embarcar no avião da Gol.
Eram férias de Julho. Eu estava com 18 anos e tinha decidido fazer um mochilão para Machu Picchu, no Peru.
Não é que a idéia tinha surgido do nada, pois eu sempre tive a vontade de fazer um mochilão em algum lugar, mas a pragmática como eu tinha resolvido fazer essa viagem realmente tinha acontecido de maneira repentina, quase atropelada.
Para quem não está familiarizado, “mochilão” é uma espécie de viagem que as pessoas fazem carregando apenas um mochilõa nas costas (eis o porquê do nome). Esse tipo de viagem é caracterizado por um custo financeiro menor, já que normalmente os mochileiros ficam hospedados em “hostels” (com o “L” no meio mesmo), que em português seria algo equivalente à albergue.
É claro que quando eu vim com esse plano para os meus pais, eles tomaram um baita susto. Ainda mais porque eu ia fazer a viagem sozinho, então tinha a preocupação de segurança e coisa e tal. Porém, por incrível que pareça, não foi difícil convencê-los, eu mesmo fiquei surpreso de me deparar com uma resistência tão pequena por parte deles em relação ao mochilão que eu queria fazer.
A minha idéia inicial era fazer o percurso inteiro até Machu Picchu de ônibus. Eu pegaria o ônibus na minha cidade, subiria até São Paulo e de lá iria até Curumbá, na fronteira do Brasil com a Bolívia, atravessaria a Bolívia até chegar no Peru, onde ficava Machu Picchu,
O problema é que, como eu falei, o planejamento da viagem foi muito corrido, foi de repente eu falei “vou fazer um mochilão”, nisso, eu só teria mais 16 dias antes do retorno das aulas para o meu segundo período no curso de Direito (sim, eu tinha passado no vestibular), então eu resolvi cortar um pedaço da viagem. Decidi ir de avião até Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, e de lá eu faria o restante do percurso de ônibus. Na volta da viagem, eu desceria até Santa Cruz de La Sierra e de lá pegaria novamente um avião até o Rio de Janeiro e do Rio eu voltaria para a minha cidade (minha cidade ficava perto do Rio).
Entrei no avião, era a terceira vez que eu viajava de avião na minha vida.
Eu faria uma conexão no aeroporto de São Paulo, depois meu vôo iria fazer escala em Campo Grande e em seguida ia para o Aeroporto Internacional de Viru Viru, em Santa Cruz de la Sierra.
Não vou detalhar os acontecimentos do vôo, o importante é dizer que a viagem atrasou muito porque aconteceram vários problemas, entre liberações da pista de decolagem e abastecimentos dos lancinhos que seriam servidos a bordo. No final das contas, cheguei em Santa Cruz às 3 horas da madrugada (a pequena diferença de fuso horário ajudou também a agravar a situação).
Ou seja, eu estava com o cu completamente trancadinho. Quer dizer, eu tinha chegado às 3 horas da madrugada numa cidade que eu não conhecia e num país que não era o meu. O meu cérebro só conseguia pensar: “Marcos, você tem que achar um lugar para passar a noite o mais rápido possível”.
Passei pela policia Boliviana sem maiores transtornos. Na verdade fiquei até um pouco aborrecido, pois eles não me solicitaram o Certificado Internacional de Vacinação e Profilaxia. Depois da trabalheira toda que eu tinha tido para conseguir pegar a droga do CIVP, ele tinha se restado inútil no after all.
Peguei meu mochilão na esteira. A polícia deu uma revistadinha bem mixuruca na minha bagagem e em seguida segui para ver algum transporte que me levasse ao centro da cidade. A única coisa que eu tinha era o nome de uma rua que eu tinha anotado num papel, lá eu sabia que havia hostel.
Antes de sair pela porta do aeroporto, troquei algum dinheiro na casa de cambio que estava aberta. A moeda boliviana se chamava “boliviano” e era bem desvalorizada em relação ao Real. 1 real valia cerca 3,20 bolivianos.
A saída do aeroporto foi acompanhada de uma desagradável surpresa. Do lado de fora do aeroporto só havia dois taxis para atender os mais de 150 passageiros que tinham descido do avião.
Eu olhei para os lados, meio estupefato, meio bobo. Um pequeno grupo de pessoas já corriam com suas malas em direção aos taxis, disputando ferozmente quem chegaria primeiro
Eu nem me dei o trabalho de tentar pegar o taxi, pelas circunstâncias era óbvio que eu estava fora daquela disputa.
Os demais passageiros que não tinham parentes para buscá-los no aeroporto ficaram se olhando, inertes, parados.
Uma mulherzinha de dentro do aeroporto veio dizer que mais taxis estariam a caminho.
Passou bem uns cinco minutos sem aparecer taxi nenhum. E eu ultra preocupado né.
Quando ao longe apontou um taxi entrando no aeroporto, eu não quis nem saber, já fui me precipitando sobre ele, eu parecia um animal. Tenho até vergonha da minha reação, eu parecia um esfomeado atrás da comida. Naquele momento, eu era puro instinto. Eu queria pegar o taxi e pronto, quase uma luta pela sobrevivência.
Quando o taxi parou, só me faltou abraçar o carro e gritar “É meu, é meu!!! Saiam seus vagabundos. Esse daqui é meu!!!”
O taxista abriu o porta-malas para eu colocar o meu mochilão, mas eu fiz um sinal negativo com a cabeça e expliquei em espanhol que o mochilão ia comigo na frente. Neste momento, apareceu uma garota, devia ter uns 18 anos; cabelo moreno; olhos com cor âmbar, mais ou menos bege escuro. Ela tinha um mochilão nas costas também. Ela era obviamente uma mochileira igual a mim (por sinal, nós mochileiros nos reconhecemos com muita facilidade).
Ela me perguntou em inglês se eu estava indo para algum hostel. Só que na hora eu estava tão aturdido com a situação, que eu a respondi em espanhol. Ela fez cara de quem não tinha entendi a minha resposta e voltou a me perguntar em inglês. Eu novamente respondi em espanhol, já ligeiramente impaciente, sem perceber que estávamos falando línguas diferentes.
Ela perguntou mais uma vez. Eu respondi novamente em espanhol que sim, que eu estava indo para um hostel. Dessa vez, deixando transparecer toda a minha impaciência, eu estava com medo de perder o taxi para outra pessoa e ficava aquela menina burra me fazendo a mesma pergunta, eu já tinha respondido que eu ia para um hostel, que saco. Eu estava tão baratinado, que nem estava percebendo que ela estava me perguntando em inglês e que eu estava respondendo em espanhol. Naquela confusão toda, pra mim, aquilo tudo era um língua só.
Foi então que apareceu um rapaz, também com uma mochilona nas costas. Eu momentaneamente esqueci de toda aquela bagunça que estava acontecendo a minha volta e minhas atenções se concentraram naquele garoto. Ele era simplesmente muito gatinho.
Em inglês, ele respondeu para a garota que eu tinha dito que estava indo para um hostel sim. Em seguida, ele acrescentou que também estava querendo ir para um hostel. Depois ele se virou pra mim e, em espanhol, explicou que e a menina estavam querendo ir para um hostel e me perguntou se conhecia algum e se eles poderiam dividir o taxi comigo.
Eu demorei alguns segundo hipnotizado pelos olhos verdes escuros que ele tinha. Depois, com muito mais calma do que estava antes, respondi que eles poderiam vir comigo sem problema nenhum, que eu também estava indo procurar um hostel.
Entramos eu, a garota e o rapaz gatinho dentro do taxi. Eu no banco da frente, agarrado a minha mochila, como se alguém estivesse louco para pegá-la de mim, e os dois no banco de trás. Conforme o taxi foi andando, eu fui me acalmando e só então percebi a mistura que eu tinha feito e, em inglês, expliquei o que tinha acontecido para a garota e lhe pedi desculpas.
Enquanto o taxi andava em direção ao centro da cidade, fomos nós três nos conhecendo melhor.
Eu me apresentei, disse que meu nome era Marcos, falei que eu era do Brasil etc
Descobri que a garota se chamava Chantelle e era da Nova Zelândia. Já o garoto se chamava Ferdinand e era da Áustria (só gente chique, eu pensei).
Coincidentemente nós três tínhamos a mesma idade, 18 anos.
Chegando ao hostel, Chantelle ficou num quarto individual e eu e Ferdinand resolvemos dividir um quarto. A hospedagem era incrivelmente barata. O quarto que eu dividi com meu colega mochileiro austríaco custava 30 bolivianos, ou seja, 15 bolivianos para cada um. Quer dizer, pra mim custava menos de 5 reais. Mesmo que o banheiro fosse coletivo, eu achei um absurdo de barato eu pagar praticamente R$4,50 para dormir lá, me senti igual um europeu quando vem para o Brasil. Mas aí então me lembrei de Fernand e me senti ridículo, para ele o preço daquele hostel devia ser literalmente uma esmola, na conversão devia dar menos de 2 euros para ele. Confesso que senti um pouco de inveja. Ele com seu Euro megapotente simplesmente tinha ofuscado a minha alegria de pobre. Eu crente que estava abafando com os meus reais no bolso... Mas o que era o Real perto do Euro...
Eu estava tão cansado que resolvi ir dormir sem tomar banho, mesmo que meu estado de putrefação pedisse o contrário.
Eu, Chantelle e Ferdinand combinamos de irmos juntos conhecer a cidade no dia seguinte. Eu ainda conversei mais um pouquinho com Ferdinand no quarto antes de dormir. Ele me contou que tinha resolvido fazer uma viagem pelo mundo antes de entrar na Universidade de Viena (Universität Wien), onde ele tinha planos de estudar Medicina. Ele me falou que queria se distrair um pouco antes de começar a estudar para valer. O plano dele era ficar viajando pelo mundo durante um ano, sendo que ele já estava viajando fazia dois meses. Ele tinha passado pelo Chile, Argentina, Uruguai e Brasil.
Eu falei para Ferdinand que eu estudava Direito. Depois disso, fui para o banheiro colocar meu pijama e escovar os dentes. Em seguida, caí na cama e dormi.
É evidente que no dia seguinte acordamos tarde. Quando eu abri os olhos, Ferdinand não estava mais em sua cama, eu estava sozinho no quarto, porém vi o mochilão dele emparelhado ao lado de sua cama.
Já que Ferdinand não estava no quarto, resolvi aproveitar sua ausência para poder trocar o meu pijama. Eu não me sentia confortável em ficar trocando de roupa na frente dele. E acho que ele também ficava meio constrangido de trocar de roupa na minha frente...
Abri meu mochilão e tirei uma bermuda, uma camisa e uma cueca (eu durmo de short sem cueca).
Tirei meu short de pijama e coloquei em cima da cama. Empós, comecei a tirar a minha camisa de pijama, quando de repente escutei o barulho da maçaneta abrindo a porta do quarto.
Vi Ferdinand entrando no quarto. Ele estava descalço e sem roupa, sua cintura apenas enrolada numa tolha de banho.
Fiquei encarando aquele bonito garoto na minha frente e esqueci completamente que eu estava pelado. Ferdinand era um pouco mais alto que eu; tinha os olhos verdes bem escuros; o cabelo curto era loiro beirando o castanho e estava todo arrepiado e bagunçado por causa do provável banho que ele tinha acabado de tomar; sua pele devia ser bem branca, ao tipo vampiro, porém ele estava bronzeado.
Ferdinand também ficou me encarando em silêncio durante alguns segundos.
Ao longe, alguém fez algum barulho, fazendo com que nós dois acordássemos do nosso momentâneo transe.
Ferdinand gaguejou alguma coisa em alemão a qual eu não entendi, logo em seguida emendou em espanhol.
- Perdón. Yo pensé que estavas durmiendo aun.
Eu corei sem graça e rapidamente o respondi enquanto colocava minha cueca e minha bermuda, sob o olhar dele.
- Tanquilo, tranquilo. Somos hombres, sí. Entonces no hay problema, ¿ Verdad?
- Verdad. – respondeu Ferdinand, porém eu notei que ele também tinha ficado ligeiramente vermelho.
Ele então tirou a toalha, ficando nu na minha frente e vestiu sua roupa, numa tentativa boba de demonstrar que não ligava de ver ou ficar pelado na frente de outro homem. Por minha vez, eu fiquei arrumando o meu mochilão, fingindo também que não dava a mínima ao fato de ter um rapaz gostoso pelado ao meu lado.
Passado o momento, eu e Ferdinand nos reunimos à Chantelle na entrada do hostel e saímos em busca de um restaurante para podermos almoçar, já que já era por volta de 13h20min.
Sem dificuldade, descobrimos um restaurante brasileiro e foi lá que elegemos para almoçar.
Era um típico restaurante brasileiro à quilo. Tinha bastante variedade de pratos e o local era bem agradável.
Na presença de Chantelle, eu e Ferdinand conversamos em inglês, já que ela não saiba falar espanhol.
Durante o almoço, entre uma garfada e outra, fomos contanto nossos planos de viagem...
- Eu estou indo para Machu Picchu. – eu falei.
- Eu também! – exclamou Ferdinand.
- Então somos três! – afirmou Chantelle.
Estúpido espanto. A coincidência não era tão coincidência assim. Afinal de contas, Machu Picchu era um destino famoso para os mochileiros.
No decorrer da conversa, entretanto, descobri que Chantelle iria fazer um percurso diferente do meu para chegar em Machu Picchu. Ao invés de subir para La Paz via Cochabamba, ela iria desviar o caminha para Sucre, para conhecer a capital constitucional da Bolívia, depois iria para Potosí, a cidade mais alta do mundo e, em seguida, para Uyuni, onde havia um deserto de sal, só depois subiria para La Paz via Oruro.
O percurso parecia bem interessante de se fazer. Infelizmente, contudo, para mim, ele se mostrava inviável, porque aumentaria em mais de 10 dias a minha viagem e eu tinha somente duas semanas para ficar viajando...
Quando Chantelle terminou de explicar seu roteiro, Ferdinand exclamou.
- Mas esse é meu roteiro também! – ele falou.
Eu dei de ombros... Teria sido interessante viajar na companhia dos dois... Principalmente na companhia de Ferdinand... Ele tinha um jeitinho charmosinho que me atraia e me cativava.
De qualquer jeito, seria bom fazer a viagem sozinho. Afinal, era essa a idéia original: viajar sozinho, até mesmo como uma forma de autoconhecimento, de estar na companhia de mim mesmo, me conhecendo. O encontro com Ferdinand e Chantelle tinha sido apenas um acaso, não tinha sido programado.
- Por que você não vem com a gente? – perguntou Ferdinand animado, mostrando um lindo sorriso pra mim.
Expliquei-lhe então a minha limitação de tempo e ele pareceu ligeiramente despontado.
Depois do almoço fomos para a praça central da cidade e conhecemos a catedral que era muito bonita. Ficamos curtindo a tarde na pracinha, conversando e tal.
No final da tarde, resolvemos ir à rodoviária, ver os horários dos ônibus. Eu iria pegar um ônibus para La Paz e Ferdinand e Chantelle pegariam um ônibus para Sucre.
A rodoviária era uma completa bagunça, demoramos um pouco para descobrir as companhias que trasladavam as viagens que queríamos. No meu caso, ônibus para La Paz só teria agora no dia seguinte, pela manhã. Para Sucre ainda haveria um ônibus que sairia agora pela noite, mas Ferdinand e Chantelle decidiram que pegariam o ônibus no dia seguinte, pela tarde.
Eu não sabia o porquê (aliás, sem hipocrisia, talvez até soubesse), mas a maneira como Chantelle olhava admirada para Ferdinand me irritava. A forma como ela ficava perguntando sobre a cidade de Viena, blá blá blá, e se derretendo para Ferdinand me faziam ficar um pouco aporrinhado. O pior mesmo era quando ela cismava de ficar comparando Auckland com Viena... Mas o que era Auckland perto de Viena, tadinha... Mas optei por não comentar... À parte disso, ela até que era gente boa.
Depois 'das rodoviárias' (sic), nós três fomos caçar um lugar para jantar.
Acabamos achando uma pizzaria interessante nos arredores da praça principal. Lugar modesto, mas bem aparentado.
Concluída a burocracia do que iríamos pedir para comer, Ferdinand falou que precisava ir ao banheiro e se levantou da mesa.
Passado alguns minutos, eu não sei o que me deu na cabeça que eu resolvi ir lá no banheiro, pedi licença para Chantelle e caminhei em direção ao banheiro.
Dentro da minha cabeça, eu estava querendo era capturar Ferdinand pra mim. Mas isto parecia tão incomum, tão safado, e eu era o oposto disso, tímido, eu não sabia chegar nas pessoas... Eu já sentia dificuldades em cortejar as garotas, o que dizer de garotos então. Porém, ali, fora da minha cidade, fora do meu país, num lugar onde ninguém me conhecia, eu me sentia totalmente livre, se não desse certo, paciência, eu continuaria a minha viagem sem maiores problemas, eu não tinha nada a perder...
Eu não sei exatamente como que essa súbita coragem tinha surgido dentro de mim... Tá certo que eu não poderia criar muitas esperanças em relação a Ferdinand, ele era de outro país, de outro continente(!) inclusive. Porém, qual era o pecado de se divertir um pouquinho? Por que todas as minhas relações amorosas tinham quem ter uma perspectiva de futuro? Eu estava farto disso. Além disso, eu estava descrente de relacionamentos sérios. Meu namoro com Guilherme não tinha dado certo, meu namoro com Monise não tinha dado certo. Era hora de aproveitar uma boa companhia sem ficar se preocupando em “casar”. Ferdinand era muito gatinho e gostoso, sem contar que era austríaco (quando na minha vida eu teria outra chance de dar uns pegas em algum austríaco?) eu ia arriscar.
Quando abri a porta do banheiro, Ferdinand estava saindo. Nossos corpos ficaram um de frente para o outro, há apenas poucos centímetros de uma colisão.