Nossos rostos ficaram a menos de uma palma de distância. Mirei meu olhar nos olhos de Ferdinand e me vi refletido em suas pupilas. O momento de dar o bote era agora.
Segundos se passaram e eu continuei inerte, paralisado, sem conseguir avançar meu corpo sobre o de Ferdinand. O meu cérebro dava a ordem para eu me mexer, para eu roubar um beijo daquele garoto; mas meu corpo não obedecia, meu coração parecia estar travando os meus músculos.
Ferdinand me encarava nos olhos, como se estivesse esperando uma reação minha.
O tempo se alongou numa demora sufocante.
Finalmente consegui abrir a boca.
- Terminou de usar o banheiro? – eu perguntei, e imediatamente depois me senti um idiota por ter feito a pergunta.
- Sim, claro. – apressou-se Ferdinand, dando licença para que eu pudesse entrar no banheiro.
Nossos olhares se perderam. Ferdinand caminhou em direção à mesa e eu entrei no banheiro.
Abri o velcro da minha bermuda e comecei a mijar no mictório apesar de nem estar com tanta vontade assim de usar o banheiro. Depois, enquanto lavava minhas mãos, fiquei me olhando no espelho. Eu simplesmente tinha amarelado na hora “H”. Era essa a verdade. Talvez eu fosse um covarde. Onde estivera toda a coragem que eu achara que tinha para agarrar Ferdinand e dar-lhe um beijo?
Enquanto a água escorria pelas minhas mãos, fiquei me achando um tolo. Sequei minhas mãos e voltei para a mesa. Entretanto, eu não estava disposto a desistir tão facilmente assim...
- Ferdinand, que tal a gente experimentar a cerveja boliviana? – eu sugeri.
Ele acenou afirmativamente, demonstrando que tinha gostado da idéia.
- E eu? – indagou Chantelle brincando. – Aposto que vocês dois juntos não dão pro gasto de me acompanharem na bebedeira...
- Você vai ver então. – eu retruquei.
Chamei o garçom e perguntei se eles tinham alguma cerveja. Ele respondeu que sim. Então lhe pedi para que ele trouxesse uma garrafa para nós três.
Momentos depois o garçom retornou à mesa, trazendo três copos e uma garrafa da cerveja “Paceña”.
A cerveja estava deverás gostosa, bem geladinha e com um sabor delicadamente amargo.
Foram 30 minutos depois que chegaram as duas pizzas que tínhamos pedido, quentinhas e apetitosas.
Era curioso a boa combinação que a pizza fazia com a cerveja.
Entre fatias de pizza e goladas de cerveja, compartilhávamos “causos” de nossas vidas e aspectos culturais dos nossos países, tão diferentes um do outro. Logo de cara percebia-se o quão patriota era Chantelle.
Fartos, barrigas cheias, os últimos pedaços foram comidos a título de gula, apenas porque as pizzas realmente estavam gostosas. À essa altura, nós já estávamos bem altinhos por causa da cerveja.
Pedimos mais uma “Paceña” de saideira e depois que a terminamos, pedimos a conta do restaruante. Apesar de todo esbanjamento, a conta não tinha ficado tão cara e Ferdinand insistiu mais de uma vez que queria pagar a conta e já que eu era o ‘brasileiro pobre’, nem fiz cerimônia...
A caminho do hostel, já devia ser umas 21h00min da noite, achamos um supermercado aberto e Chantelle teve a brilhante (brilhante pra ela) idéia de comprarmos alguma garrafa de bebida lá.
Depois de alguma discussão, decidiu-se por comprar uma garrafa de Rum e duas garrafas de Coca-Cola que estavam bem geladas.
Chegando ao hostel, pedimos gelo e três copos e em seguida fomos para meu quarto e de Ferdinand. Lá ficamos bebendo e conversando. Em certo ponto, eu comecei a observar que Chantelle estava ficando toda atiradinha pra cima do meu Ferdinand (meu?), pegando nos braços dele e as vezes na perna.
Horas e horas conversando, de repente o assunto ficou escasso e foi então que Chantelle veio com outra idéia "brilhante".
- Que tal a gente brincar de Gay Chicken? – ela sugeriu.
Gay Chicken? Que diabos era isso?
Chantelle sorriu triunfante ao ver a expressão de perplexidade no meu rosto e no rosto de Ferdinand. Estava explícito que nenhum de nós dois sabíamos o que era o tal do Gay Chicken.
- Gay Chicken é um jogo... – ela disse em meias palavras, fazendo um ridículo ar de mistério. – Funciona da seguinte maneira. É simples. Dois homens, no caso vocês dois, devem enfrentar um desafio gay, o primeiro que desistir é o marica*. Esse jogo é muito popular lá na Nova Zelândia...
(*”marica” foi a melhor tradução que eu consegui achar na minha cabeça pra “chicken”.)
Ergui meia sobrancelha sem entender muito bem qual era a lógica do ‘desafio’... Coisa de neozelandês retardado, só podia ser... Supondo que eu fosse realmente um hetero ‘pedigree’, o que eu ia provar beijando outro homem? Que coisa mais fora de sentindo, eu pensei... De qualquer forma, como eu era um hetero ‘vira-lata’, fiquei bastante entusiasmado com a possibilidade de beijar Ferdinand nos lábios, ainda que existisse a possibilidade dele desistir do beijo, nesse caso, eu tinha o consolo de pelo menos ter ganhado o jogo e Ferdinand seria considerado o marica (ohh, que grande consolação...)
- Calma, eu ainda não acabei de explicar... – exclamou Chantelle. – Aquele que perder...
Fez-se pausa. Um pequeno suspense...
- Aquele que perder... – ela continuou. –... Terá que pagar um boquete para o outro...
Houve silêncio. Confesso que por essa eu não estava esperando. Agora o jogo tinha ganhado todo um novo paradigma e de repente os neozelandeses já não pareciam mais seres retardados.
Fiquei pensando com meus botões. Essa tal brincadeira “Gay Chicken” certamente tinha sido inventada por algum neozelandês gay. Ele, assim como eu, não teria nada a perder, fosse ganhando ou perdendo o jogo.
Chantelle ficou esperando objeções. Objeções que não vieram. Então ela abriu a boca para falar.
- É claro que isso que eu falei não é sério – ela disse. - Podem ficar aliviados.
[Não fiquei aliviado...]
Olhei para ela sem entender necas de pitibiriba. A tadinha estava demente por causa do álcool... Falando coisa sem coisa.
- A parte do beijo eu corretamente falei. – elucidou Chantelle, fazendo um gesto suave com as mãos e totalmente descontextualizado. – É o prêmio que eu equivocadamente expliquei...
- E qual é o prêmio? – perguntou Ferdinand interessado. (Talvez, ele estivesse querendo dar a bunda? Hun... Meus pensamentos estavam sacanamente maldosos)
- Um prêmio que é melhor em muito do que aquele que eu falado tinha. – revelou Chantelle, ainda insistindo em trocar as ordens das palavras na frase e fazendo gestos áureos com as mãos, parecendo mais uma cartomante aloprada do que qualquer outra coisa mais.
- Eu não estou entendendo nada do que você está falando. – eu balbuciei impaciente.
- Calma, meu servil garoto. O desafio consiste, conforme eu já tinha explanado, em ver quem irá mais longe na hora de beijar outro homem. Entendido?
- Entendido. – eu respondi.
- Pois bem. E o prêmio para o grande vencedorQual é o prêmio, afinal?
- O prêmio por ter resistido ao beijo de um homem, será ganhar um beijo da bela princesa. – ela disse de forma categórica. – Então. Quem de vocês dois está disposto ao sacrifício de beijar o outro homem em troca do beija da bela princesa.
- Que princesa? – perguntou Ferdinand de forma inocente.
- Eu! – falou Chantelle, explicitamente consternada pela falta de dedução de Ferdinand. – Prontos para o Gay Chicken?
Eu esperei que primeiro respondesse Ferdinand. Ele deu de ombros e respondeu.
- Que seja (Whatever). Estou pronto. – ele falou.
- Também estou pronto. – eu repliquei ingenuamente.
Chantelle posicionou eu e Ferdinand assentados na cama um de frente para o outro e ajeitou nossas cabeças de modo que nossos olhos ficassem cruzados.
- Que o confronto pelo beijo da princesa comece! – ela anunciou.
Ficamos um olhando para o outro com caras de pastéis. Apesar do efeito desinibidor do álcool, eu estava sem jeito de tomar a iniciativa. Onde estava o Marcos disposto a atacar Ferdinand no banheiro? Eu indagava para mim mesmo.
- Vamos!!! – incentivou Chantelle.
Letamente nossos rostos foram se aproximando um do outro ao mesmo tempo. Nós dois de olhos abertos, arregalados, assustados. Quem desistiria primeiro? Enquanto isso, Chantelle parecia se excitar com a possibilidade de ver dois garotos se beijando.
Eu comecei a sentir a respiração de Ferdinand bater em meu rosto. Eu sentia uma estranha ansiedade dentro do meu peito, como se eu nunca tivesse beijado algum garoto na minha vida.
Cada vez mais próximos um do outro. Fechei os olhos e me preparei para o beijo com o medo de encontrar na minha frente apenas o ar frio deixado pela desistência de Ferdinand. Passaram-se 1, 2 segundos. No terceiro segundo senti o toque quente de dois rios macios tocarem meus lábios.
Dois suaves rios que percorriam com bonança os meus lábios. Senti meu cérebro desligar-se do mundo exterior. A imagem de um morango começou a se desenhar em minha mente e a minha cabeça começou a simular o cheiro de L'Eau par Kenzo pour Homme, o perfume que Guilherme costumava usar. Uma energia vibrante percorreu meu corpo. Avancei-me sobre aqueles lábios, penetrando minha língua dentro daquela doce boca. A outra parte tomou um susto em princípio com a minha ousada atitude, mas alguns segundos depois retribuiu o gesto e nossas línguas se abraçaram no escuro úmido do paraíso.
O beijo de Ferdinand era uma sensação gostosa, delirante...
- Vocês são guerreiros corajosos mesmo! – exclamou Chantelle e de repente toda a magia se esfarelou.
O beijo se desfez. Ficamos durante alguns instantes um olhando para o outro, estáticos. Logo após, Ferdinand limpou a boca, fingindo nojo e eu imediatamente fiz o mesmo.
- Eca, que nojo! – exclamei, enquanto fazia teatralmente uma cara de desgosto.
Depois do momento de teatro e recuperação..
- O Guerreiro Ferdinand ganhou! – exclamou a “princesa”, num evidente favoritismo ao austríaco.
Tá certo que Chantelle era bonitinha, mas eu já tinha ganhado o meu prêmio, o beijo de Ferdinand.
A garota quase se jogou no colo de Ferdinand e eles deram um curto beijo de língua.
Terminado o famigerado “Gay Chicken”, bateu aquele soninho e nós três, quase que simultaneamente, bocejamos.
- Vamos dormir? – sugeriu Ferdinand.
Eu e Chantelle concordamos. Nessas horas sempre dá aquela preguiça de escovar os dentes, por o pijama, enfim, de fazer todo aquele ritual que precede a cama. Mas uma coisa que eu sou paranóico é em escovar os dentes, então criei forçaS e fui ao banheiro escovar os dentes e colocar meu pijama, enquanto Chantelle foi para o banheiro feminino.
Fiquei me perguntando se ficaria um clima estranho entre mim e Ferdinand. Eu esperava que não, embora achasse provável que sim.
Quando retornei ao quarto, encontrei Ferdinand deitado em cima do cobertor ainda de roupa.
- Ferdinand, acorda. Vai trocar de roupa. – eu falei, mas ele apenas resmungou.
Diante da situação, resolvi ajudá-lo. Aproximei-me dele e tirei-lhe os tênis e as meias. Não sei se ele estava de fato chumbado ou se estava só fingindo. Depois, com a pequena ajuda dele e alguns resmungos, tirei a calça jeans dele e depois a camisa, deixando-o só de cueca.
O corpo todo era bonito, mas principalmente os pés e as pernas. A cueca dava um contorno sexy ao bumbum redondinho dele e às coxas levemente bronzeadas.
5 meses depois
O meu “Curso de Direito Constitucional Positivo” do José Afonso da Silva estava aberto nas páginas que explicavam sobre o controle de constitucionalidade concentrado. Eu estava estudando sobre os legitimados para proporem a Ação Direta de Inconstitucionalidade...
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Era apenas mais uma tarde rotineira de estudos, nada de especial, apenas aquele típico desespero que assola todo estudante universitário em final de semestre.
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Em meio aos parágrafos do livro e consultas ao ”Vade Mecum”, escutei meu celular tocando.
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Estiquei meu braço para pegá-lo. O display indicava o número de quem estava me ligando. Era um número desconhecido que eu nunca tinha visto antes.
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- Alô? – eu falei ao atender a chamada.
- Você até hoje não trocou seu celular? – falou a voz do outro lado da linha.
- Quem está falando? – perguntei.
- Não está me reconhecendo? Assim eu vou ficar chateado... – falou brincando a voz.
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Depois de alguns segundos em silêncio, arrisquei:
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- Guilherme?
- Capaz. Achei que você não fosse reconhecer a minha voz. – falou Guilherme do outro lado da ligação.
Naquele instante, as engrenagens do meu corpo pararam e, sem reação, a única atitude que eu consegui tomar foi desligar o celular.
Guilherme ainda mexia com os meus sentimentos, mas o machucado que ele tinha deixado em mim até hoje ainda não tinha se cicatrizado.
O celular voltou a tocar. O display mostrava o mesmo número que antes. Já não era um número desconhecido. Era provavelmente o número do novo celular de Guilherme.
Tive vontade de não atender. Entretanto, a cobiça de escutar a voz dele novamente falou mais alto dentro do meu coração e eu atendi o telefone.
- Alô.
- Caiu a ligação? – ele perguntou todo ingênuo.
- Foi... – eu respondi.
- Você já tirou sua carteira de motorista? Você pode vir me buscar aqui na rodoviária?
Mas era muita cara de pau, vou te falar! Estava achando o quê? Que era casa da Mãe Joana? Que eu era uma espécie de servo dele? Em que mundo ele vivia? Ele que se virasse. Eu não ia buscar ele na rodoviária porra nenhuma!
- Posso. – eu respondi.
- Beleza. – ele falou. - Vem logo, eu não estou agüentando ficar mais um minuto longe de você. Fiquei com tanta saudade, você não tem noção.
- Vou só calçar meu tênis.
Mas o desgraçado era muito sonso mesmo, eu pensei. Quero é que morra. Eu estava com mais raiva dele do que nunca. Voltar assim, como se ele não tivesse feito nada, como se não tivesse me deixado na mão, ao deus dará...
Arrumei-me, peguei o carro e fui à rodoviária.
Chegando lá, encontrei um Guilherme cheio de malas, assentando num dos corredores de espera, assistindo televisão.
Ao me avistar, ele largou as malas, levantou de pinote da cadeira e veio correndo na minha direção me abraçar. Senti seus braços me envolveram num aperto forte e quente.
- Ahh Dodói!!! Eu tava com tanta saudade desse abraço!!! – ele exclamou e eu reparei lágrimas escorrerem de seus olhos.
Agi de forma indiferente, fria. Ele estava muito enganado se estava achando que merecia a minha ternura.
Guilherme desfez o abraço e me olhou confuso nos olhos. Sustentei o olhar, ainda mantendo uma expressão fria de indiferença, como se estivesse na rodoviária a contragosto, apenas por educação.
Guilherme estava bastante diferente desde aquela fatídica tarde do ano passado em que ele me largara atônito no meu próprio quarto. Como exemplo, o cabelo dele estava maior, com um cumprimento mediano, cobrindo parcialmente as orelhas. Além disso, ele estava com barba por fazer. A nova aparência fazia ele parecer mais responsável, embora ele continuasse exalando aquele ar peculiar de garoto levado. A pitinha no canto superior esquerdo da boca continuava no mesmo lugar, provocando o mesmo efeito charmoso que causava antes.
- O que está acontecendo, Marcos? – ele perguntou espantado.
Eu olhei para ele sem acreditar na ousadia dele em fazer a pergunta.
- Você ainda pergunta? – eu retruquei.
Nesse momento, ele olhou para minha mão direita e reparou que eu estava usando uma aliança prateada no meu dedo anelar.
- Ah... – ele exclamou baixinho, decepcionado - Entendo... Eu sou muito idiota de ter pensando que você... Bom... Deixa pra lá...
Nisso, ele me deu as costa.
Eu fiquei puto com aquela ceninha que ele tinha feito. Fui atrás dele e o segurei pelo braço com força. Ele se virou surpreso.
- Espera aí! – eu exclamei irritado, apontando o dedo pra ele. – Você cala a sua boca, seu merda! Porque o idiota aqui, o panaca, fui eu.
Depois de desabafar, larguei o braço dele e dei as costas, indo embora.
Antes que eu pudesse dar três passos, senti a mão de Guilherme agarrar meu braço direito.
- Espera aí você! – ele replicou. – Quê que você tá querendo dizer?
- Você sabe muito bem o que eu estou querendo dizer! – eu exclamei nervoso.
- Não. Eu não sei!!! – irritou-se Guilherme.
- “Você realmente achou que nós iríamos pra frente? Que daria certo? Desculpa, mas foi ingenuidade sua...” – eu falei, repetindo a frase que ele havia me dito há praticamente um ano atrás. - "Você vai ter que se virar..."
Guilherme me olhou surpreso.
- Você não leu o livro que eu falei para você ler? – ele perguntou perplexo.
- Que livro?
Ele começou a rir.
- “O Príncipe”. – ele respondeu. – Do Maquiavel... Esqueceu?
Uma fagulha de desespero brotou em minhas têmporas.
- O que tem o livro? – perguntei desconfiado e ao mesmo tempo receoso.
- Você terá que lê-lo para saber. – sorriu Guilherme.
- O que tem o livro? – eu repeti impaciente. – FALA!
- Calma... Por que esse estresse todo?
Eu comecei a perder o controle.
- Você vai falar ou não vai falar? – eu pressionei bravo.
- Eu escrevi uma mensagem para você no final do livro...
- Você o quê? – eu gritei, interrompendo a explicação dele.
- Eu escrevi uma mensagem para você no final do livro. – ele repetiu.
- Que tipo de mensagem?
Eu agora estava suando frio. As minhas pernas tremiam e meu estomago se embrulhava como se eu tivesse engolido uma pedra.
- É uma mensagem em que eu explico a atitude que eu tinha tomado. Se você tivesse lido, você teria entendido o que eu fiz com você, tenho certeza – explicou em meias palavras Guilherme.
- Eu não acredito... – eu falei desolado.
- Pois acredite! – disse Guilherme, sem entender a minha ansiedade.
Maior do que a alegria de saber que Guilherme não tinha me abandonado, era o pânico que eu estava sentindo naquele momento. Um pânico terrível que fazia meu coração quase despedaçar em desespero.
- Eu preciso ir. – eu gaguejei e saí correndo em direção ao estacionamento da rodoviária.
- Espera Marcos!!! – berrou Guilherme. – O que está acontecendo?
- O livro está emprestado, seu idiota!
- Você vai me deixar aqui? – perguntou Guilherme.
- Eu volto depois para te buscar. – eu gritei ao longe.
- Não! Espera aí! Eu vou com você.
Guilherme pegou seu amontoado de malas e veio correndo atrás de mim, carregando desengonçado aquele peso todo.
Entrei no carro e alguns segundos depois, enquanto eu girava a chave na ignição, entrou Guilherme, se apertando no banco da frente com sua bagagem.
Manobrei o carro e peguei a avenida.
- Para quem está com pressa, você até que está dirigindo bem devagar... – falou Guilherme sem maldade, quebrando o silêncio.
- Cala a boca. – eu falei.
Guilherme não tinha idéia nenhuma de todo o mal que ele tinha me provocado depois da súbita partida para a Irlanda. Uma das conseqüências tinha sido o acidente de carro, 10 meses atrás, depois daquele funesto show da Vanessa da Mata, provocado pela minha bebedeira para tentar esquecê-lo. Desde então, demorei longos meses para conseguir tocar num carro novamente e me tornei incapaz de colocar grandes velocidades num automóvel. Eu dirigia igual uma velinha.
Cruzei a cidade até chegar onde eu queria.
- Você fica aqui no carro. – eu ordenei para Guilherme.
Ele assentiu com a cabeça.
Saí do carro com o coração na boca, atravessei a rua e segui caminhando em direção à casa de número 305 da Rua Renato Dias.
Respirei fundo e toquei a campanhinha.
Alguns minutos depois a porta abriu e eu vi o rosto da minha linda namorada na minha frente.
- Oi lindo! – exclamou ela, me dando um abraço apertado e logo depois um beijinho. - Que surpresa gostosa.
- Monise, eu preciso falar com a sua irmã. – eu falei tenso.
(Sim, eu e Monise tínhamos voltado o namoro já fazia 4 meses)
- Ela está na aula intensiva. O que você quer com ela? – estranhou Monise.
Taís era a irmã de Monise, um ano mais velha que a gente. Taís, porém, ainda era vestibulanda, estava tentando o curso de Medicina e até agora não tinha passado.
O Príncipe de Maquiavel era leitura obrigatória este ano no vestibular. Monise tinha me pedido para emprestar o tal livro para Taís e eu tinha emprestado sem problema nenhum, sequer imaginando o risco que eu estava correndo.
Entrei na casa de Monise.
- É que eu estou precisando do livro que eu emprestei pra ela de volta. – eu falei, enquanto Monise fechava a porta da rua atrás de mim.
- Tá bem lindo, eu aviso pra ela quando ela chegar. – falou Monise.
Será que Taís já teria lido a mensagem que Guilherme tinha escrito no livro? Se tivesse lido, pelo menos parecia que ainda não tinha contado nada para Monise. Monise estava agindo normal comigo, como se não soubesse de nada.
- É que é urgente. – eu disse. – Não tem como a gente olhar no quarto dela e ver se o livro está lá?
Monise me encarou com surpresa.
- Tá... Acho que podemos ir lá ver... – respondeu Monise desconfiada.
Subimos as escadas em direção ao quarto de Taís.
- Por que você está precisando do livro? – perguntou Monise.
- Eu tenho que ler uma coisa nele. – eu respondi vagamente.
- Sei... – Monise estava estranhando a emergência que eu estava imprimindo para a situação.
Entramos no quarto de Taís. Um quarto de moça como outro qualquer. Quer dizer, alguns pelúcias em cima da cama, um painel de fotos e uma estante de livros.
Em cima da escrivaninha de estudos, várias apostilas do cursinho pré-vestibular.
Procuramos meu livro. Não achamos.
- O livro não está aqui. – concluiu Monise.
- Tem que estar! – eu exclamei ligeiramente tenso. – Nas gavetas, talvez...
- A gente não pode sair mexendo nas coisas da minha irmã assim, Marcos. Ela deve ter levado o livro com ela para a aula. Você terá que espera ela chegar.
Eu já conseguia projetar na minha mente a imagem de Taís mostrando o bilhete de Guilherme para Monise. Eu me sentia sujo, afinal eu tinha traído Monise com Guilherme, na época eu e ela éramos namorados e eu tinha pulado a cerca com o meu primo. Monise não me perdoaria nunca. Seria terrível para ela, aliás, para qualquer mulher, descobrir que o namorado tinha cometido uma traição e, ainda por cima, com outro HOMEM.
Eu tinha uma consideração enorme por Monise. Eu não agüentaria vê-la derramar lágrimas de amargura por causa de mim, logo eu que sempre me esforcei tanto para ser um namorado perfeito para ela... Nem tão perfeito... no final das contas...
Mas o fato é que seria muito traumatizante para ela descobrir toda a verdade. Ela não merecia isso. Não depois de tudo que eu e ela tínhamos vivido, depois de todos os sacrifícios.
Minha cabeça estava confusa e eu estava me sentindo podre, fétido e inescrupuloso.
Eu já começava a bolar planos utópicos de como persuadir Taís a manter o meu segredo...
- Eu preciso voltar para casa, amor. Que horas que ela chega? – perguntei, disfarçando uma falsa tranqüilidade.
- Daqui umas duas horas. – respondeu Monise.
- Tá certo.
Monise despediu-se de mim com um longo beijo.
- Te amo. – ela falou.
- Também... – falei, sem encará-la nos olhos.
Voltei para o carro. Guilherme ainda estava lá, assentado no banco da frente do Tucson (o Sportage tinha ido pro saco desde o acidente de carro), com fones no ouvido, escutando música enquanto me esperava.
Ao me ver entrando no carro, ele se ajeitou e tirou os fones do ouvido.
- Pegou o livro? – ele perguntou.
- Não... – respondi cabisbaixo.
- Calma, fica tranqüilo. Eu tô aqui pra te ajudar.
- Você só tá atrapalhando... – eu soltei.
- Cara. As vezes esse seu colega que pegou o livro vai saber guardar segredo, fica relaxado, pensa positivo.
- O livro está com a irmã da Monise. – eu expliquei.
- E essa aliança no seu dedo é da Monise? – perguntou Guilherme.
- Sim. Essa aliança é da Monise... Se ao menos você tivesse sido mais claro... Fracamente... Escrever um bilhete num livro... Você realmente achou que eu ia tocar em algo que fosse seu depois daquele fora que você me deu? ... Depois que você foi embora, eu simplesmente passei a repudiar tudo que me fizesse lembrar de você...
- Entendo... Não pensei isso. Achei que você fosse ler mesmo o livro. Você disse que ia... Então agora está explicado porque você nunca respondeu um e-mail meu.
- E você não estranhou eu não te responder?
- Na verdade não. Você sempre disse que nunca foi de mexer em e-mail.
- Enfim... – falei, balançando a mão, o momento não era para que ficar discutindo esses pequenos detalhes irrelevantes, primeiro eu precisava ver o que ia acontecer com o livro, comigo e com a Taís.
Se eu ia voltar ou não com Guilherme, naquele exato momento, não era a minha preocupação principal. Embora eu estivesse bastante tentado a acreditar nesse plano confuso que meu primo tinha arquitetado de ir para a Irlanda, eu ainda não tinha descartado a hipótese dele estar me enrolando ou me enganando.
- Onde estamos indo? – perguntou meu primo.
- Para casa.
- Não! – ele exclamou.
- Não o quê?
- Eu não posso ir para sua casa.
- Por que não, oras?
- Eu vim direto do Aeroporto do Rio pra cá. Por isso estou com todas essas malas. Eu tô vindo de Londres. A essa altura meus pais já devem estar preocupados de eu não ter chegado em casa.
- Como assim? Não estou entendo nada.
- Marcos, presta atenção. Eu estou fugindo de casa, cara. Eu nunca desisti do nosso velho plano. E o último lugar que posso ficar escondido é na casa do meu tio. Me leva para um hotel barato. Eu vou ficar por aqui só hoje e amanhã e depois estou indo para Vinhedo para começar os meus negócios.
- Que negócios? – eu estava totalmente por fora do que estava acontecendo.
- Que negócios? Que negócios? – resmungou Guilherme. – Dodói, por acaso, você não escuta nada que eu te falo? Que negócio que eu queria abrir?
- Bom... Você queria abrir uma produtora de eventos, mas não tinha dinheiro e o seu contato lá no interior de São Paulo tinha dado pra trás... É isso?
- É claro que é isso. – respondeu Guilherme como se ele estivesse falando a coisa mais óbvia do planeta.
- Mas como é que você vai fazer? – eu perguntei.
- Quando a gente chegar no hotel, eu te explico melhor.
Levei Guilherme para a Pousada dos Viajantes, um lugar confortável e barato, no qual ele poderia ficar hospedado.
Depois de fazer o registro no balcão da pousada, eu ajudei Guilherme a levar as malas dele para o quarto. O quarto da pousada era simples, um banheiro e uma cama de casal, não havia televisão nem ar condicionado.
Assentei na cama e Guilherme assentou numa cadeira que havia ali no quarto.
- Então me conta. – eu pedi.
Guilherme tossiu ajeitando a garganta e abriu a boca para explicar tudo que tinha acontecido, na certeza de que eu o perdoaria pelo súbito abandono... Já eu não tinha tanta certeza assim que ia haver esse perdão... Que explicação melosa ele iria me dar?
- Bom cara... – começou ele. – Eu pedi dinheiro para meu pai porque eu queria fugir com você e abrir uma produtora de eventos no interior de São Paulo, certo? Acontece que ao invés de me dar o dinheiro que eu tinha pedido, meu pai me ligou e disse que ele e minha mãe tinham decido que achavam melhor eu fazer um intercambio para melhorar o meu inglês e que ele tinha conseguido uma vaga de ultima hora para eu ir para a Irlanda, numa escola internacional de inglês muito boa. Logo de começo, é claro que eu repeli totalmente essa idéia... Eu não queria ficar longe de você... Mas depois eu comecei a achar a idéia boa... Então eu decidi dentro da minha cabeça que eu devia sim ir para a Irlanda. Mas ao invés de estudar, eu iria trabalhar, sem que meus pais ficassem sabendo...
Guilherme me explicou que ficou na Irlanda trabalhando ao invés de freqüentar a escola de inglês. Com isso e mais o dinheiro que os pais dele mandavam para sustentar ele, Guilherme conseguiu juntar um pouco mais de 7mil euros, equivalente mais ou menos à 23mil reais. Não era muito, mas era o suficiente para dar início ao projeto dele de abrir uma produtora de eventos. Uma produtora de eventos não exigia um grande investimento inicial, bastaria alugar uma sala e começar com eventos pequenos e depois ir crescendo.
- Mas 23mil reais é muito dinheiro pra você ter conseguido trabalhando só como garçom. – eu falei.
- As gorjetas eram altas... Além disso, todas as quintas-feiras eu fazia apresentações num bar, tocando músicas brasileiras com violão, isso também me deu um bom dinheiro, o pessoal lá gostou muito de MPB.
- E porque você não me contou esse seu plano? – eu indaguei.
- Você teria me deixado ir? – ele perguntou.
Parei por uns momentos. Eu não sabia a resposta. Talvez eu tivesse falado que o plano dele era maluco e não o teria deixado ir... Mas talvez eu tivesse deixado... Como eu poderia saber... Como Guilherme poderia saber?
Ele tinha sido precipitado terminando o namoro comigo porque tinha achado que eu iria impedi-lo de ir para Irlanda.
Diante da minha hesitação, Guilherme se aproximou de mim e se ajoelhou no chão na minha frente.
- Dodói, você precisa acreditar em mim. Eu fiz isso tudo pela gente. Você não tem idéia dos sacrifícios que eu passei para juntar esse dinheiro.
- Você também não tem idéia de como eu sofri... Achando que você tinha me abandonado... Você também não idéia do que eu passei...
Nesse momento, Gui começou a chorar. Um choro sincero.
- Me desculpa Dodói. Me desculpa. Eu te amo! Que um raio caia na minha cabeça se o que eu estiver falando não for verdade... Eu sonho todos os dias com uma vida ao seu lado...
Eu me ajoelhei no chão.
Nossos olhos se fitaram.
E depois de apenas uma fração de segundos nos abraçamos.
A emoção era mais forte e eu cai também no choro.
- Eu senti tanta a sua saudade... Eu senti tanta sua saudade. – eu falei embolado enquanto soluçava e sentia o abraço forte e acolhedor de Guilherme. - Nunca mais me abandone assim.
Uma mão invisível agarrou a minha cabeça e empurrou meu rosto em direção ao rosto de Guilherme.
Nossos lábios se encaixaram perfeitamente, como se nossas bocas selassem um grande segredo. O segredo da felicidade.
Naquele exato momento parecíamos que estávamos dentro de uma redoma de vidro e que nada poderia nos atingir.
Eu sentia toda a doçura de Guilherme percorrer minha alma, me causando calafrios de desejo e vertigens de entrega.
Os dedos dele deslizavam por meu pescoço e subiam até minha nuca, segurando meu rosto em suas mãos.
Nossas línguas se esfregavam uma na outra, matando a saudade.
Minhas mãos seguravam com força o rosto de Gui, como se ele fosse água e pudesse me escapar entre os dedos, ou como se aquilo fosse um sonho e eu precisasse ter certeza de que ele realmente estava ali na minha frente.
Eu estava num lugar chamado “nas nuvens”.
- Eu estou precisando tomar um banho. – interrompeu Gui. – Fiquei mais 14 horas dentro de um avião...
- Eu não quero parar de te beijar. – eu falei.
- Então vem tomar banho junto comigo. – ele falou.
Guilherme me pegou pela mão e me guiou serelepe até o banheiro, irradiando alegria. Era uma sensação tão gostosa ficar de mãos dadas com ele...
Entramos no banheiro. Aos beijos e caricias, fomos um despindo o outro até ficarmos pelados um de frente para o outro, as roupas jogadas de qualquer jeito no chão. Dois rapazes nus dentro do banheiro, dois pares de pés no chão frio, dois pares de pernas cabeludas, dois pintos, duas barbas, dois pares de olhos brilhando apaixonados.
Primeiro entrou Guilherme no box e logo atrás entrei eu.
Ficamos um contemplando os detalhes do rosto do outro.
- Eu te amo demais, sua peste. – falou Guilherme.
Eu dei um sorriso safado e, logo em seguida, antes que Guilherme pudesse ter qualquer reação, abri o chuveiro e um jato de água fria caiu sobre a gente, molhando nossos corpos.
Guilherme sobressaltou-se assustado com o impacto da água gelada e se agarrou em mim, que neste momento já tinha escapado para um lugar seco no box enquanto esperava a água esquentar.
Aos pouquinhos a água foi esquentando (chuveiro à gás).
Eu e Guilherme entramos debaixo do chuveiro e deixamos que a água coresse por nós.
Era hipnotizante ver a água fluindo pelo corpo do meu primo. Seu cabelo molhadinho ficava escorrido no rosto e ele ficava parecendo uma criança levada.
O beijo debaixo d’água era ainda mais gostoso.
Dei uma de tarado e comecei a apertar a bundinha do meu namorado. Ele tomou um susto, mas gostou e começou a morder levemente os lábios, fazendo carinha de safado enquanto eu pegava com jeito na bundinha dele.
Minha outra mão percorria o resto do corpo malhado do meu Pokémon.
Senti a mão de Gui tocar meu pau, que naquele instante já estava duro.
Era um prazer diferente sentir o calor da mão dele envolver meu pau. Era acolhedor e ao mesmo tempo provocativo.
Nossas bocas se devoravam em beijos quentes e vorazes.