"Não serei poeta de um mundo caduco"
Sim.Nunca me apaixonei. Não sei o que é gostar realmente de alguém. Sentir ansiedade, um aperto fundo e sufocante ao encontrar uns olhos perdidos. Que se perderam dentro de mim, quando naquele vagão eu te vi. Sua barba por fazer, olhos grandes e castanhos claros e arregalados. O cabelo rente, curto e sério e a camisa social branca. Magro e mais baixo que eu,
Você atraiu minha atenção, por apenas algumas estações pude te admirar, pude me sentir na aventura de nos amaginar os dois juntos, a sós, abraçando-nos. Somente. Sentindo seus braços ao meu redor. Seu cheiro, seu calor. Sim. Era inebriante estar ali tão perto e não poder te tocar. Reparava em seu braço, cada figura que nele se formava, subi percorrendo seu ombro esguio, e quando percebi que não me olhava encarei seu rosto. Um rosto sereno, olhos sempre procurando algo, desesperados por conhecer o mundo ao redor. Nossos olhos se encontraram e eu subitamente entrei em pânico, não pude conter um certo temor. Senti medo. Medo de que nunca mais o encontrasse. Tratei de fixar o olhar.
-Próxima estação...
E assim a cada instante aumentava minha ansiedade e o medo de não lembrar daquele rosto, olhos grandes e indagadores, da sua barba negra seus lábios finos e cada traço do seu rosto. Era um verdadeiro temor, tratei de decorá-lo. Encarei seu rosto, olhei suas tatuagens e me aprofundei naqueles olhos. Afinal, justamente hoje estava fora do meu horário, adiantado por sinal. A cada estação aumentava o nó na garganta. Era como se fossemos prometidos um para o outro. Será que eu me apaixonara por ele? Talvez apenas precisasse tocá-lo mas entre nós diversas pessoas se amontoavam e seguravam-se enquanto sacolejava o metrô. As duas últimas estações. Continuei a olhá-lo temendo uma exclamação por parte dele. Admirei cada parte de seu pescoço. Magro e esguio ele era. Ouvi o anúncio de que dali alguns poucos minutos nunca mais o veria. Não pude encará-lo. Depois de tudo que passamos. Eu o via segurando minha mão e me abraçando, olhando no meu olho. Imaginava talvez. Ou talvez fosse real. Talvez tornaria a vê-lo. Meu coração parou quando a porta se abriu. Deixar para trás o meu primeiro amor era doloroso, mas nossas recordaçoes juntos, aquilo que vivemos, naqueles minutos mesmo dentro da minha cabeça, era real. Então, passei por ele enquanto me dirigia à saída. Abracei minha mochila e suspirei forte, a aventura havia acabado. Enquanto subia a escada rolante, imaginava seus braços ao meu redor, e mal pude eu reparar que atrás de mim estava ele, olhando nos meus olhos como quem sabia que meu pensamento era ele. Ele simplesmente me ultrapassou pela esquerda e apertou passo, à medida que eu observava seu jeito de andar, seu jeito de mover a cabeça buscando alguém que conhecesse. Voltei a nos imaginar, minha mão em sua mão, eu mais alto com meu cabelo loiro entre nossas testas. Narizes se tocando, nossos peitos num só ritmo, seu corpo pressionado contra o meu, seu olhar curioso observando meus olhos verdes enquanto tento desvendar aquelas lindas esferas castanhas. Nenhuma palavra diríamos. Aquele momento seria nosso. Por fim acabei tropeçando no último degrau da escada rolante. Eu o vi cruzando a estação e saindo pela rua em frente enquanto eu atento procurava agora outro par de olhos castanhos para me fazerem companhia nessa rotina cheia de amores que é a minha vida.