Oi, gente. Bem, eu comecei este conto ontem com o nome de "O valentão do colégio", sem ter conhecimento de que havia um já chamado "O valentão da escola". Por favor, não confundamAcordei numa cama de hospital. Meu braço esquerdo estava enfaixado e anestesiado. Olhei naqueles espelhinhos dos médicos, e meu olho estava um pouco roxo. Levantei o corpo um pouco, e minha barriga começou a doer pra caramba. Não era normal aquela dor. Só queria saber por que eu estava ali assim.
Meu pai estava do lado de fora, porque dava pra escutar a voz dele. Será que ele havia me batido assim? Vai ver ele tava me buscando da escola e batemos o carro...
- Ah, ele já está de pé. - Disse meu pai, chamando um homem de terno para dentro.
- Olá, Daniel. - Disse o homem.
- Olá... Por acaso você é advogado? - Perguntei, porque meu pai adora botar um processo nas costas de alguém.
- Não, não! Eu sou seu psicólogo. Meu nome é Fábio.
- Se importa se eu ficar aqui? - Perguntou meu pai.
- Não tem problema algum. - Disse Fábio.
O psicólogo era até legal, mas eu odiava me socializar com qualquer pessoa cujo trabalho seja analisar minha mente de qualquer forma. Eu sinto minha privacidade sendo invadida. Ele me fez algumas perguntas associadas à briga, portanto, eu lembrei o motivo de eu estar ali. Gabriel havia me dado uma surra.
Tive que ficar algumas horas em repouso naquele quarto de hospital, lendo um livro (quem disse que eu achava aquilo ruim?). Emily levava trabalhos e matérias, porque ela morava bem perto do hospital, e ela era a única que sabia que eu era gay. Quando ela ia embora, nós trocávamos aqueles beijos de rosto amigáveis, que os dois dão ao mesmo tempo, e ela sempre me perguntava:
- Tem certeza de que você é gay? - E eu sempre ria.
Passou-se uma semana. Uma semana com meu pai me visitando 18 horas por dia, às vezes, até dormindo comigo lá. Ele se preocupava muito comigo, desde que minha mãe morreu no parto, então, nunca a conheci.
- Vou processar aquele menino, aquela escola, sabia que não era uma boa ideia te trocar de escola. - Dizia meu pai no último dia.
- Pai. Foi só uma briga de escola. Essas coisas acontecem... Não vale a pena processar a escola por uma coisa assim.
Meu pai tentou relaxar. No dia seguinte, eu fui pra escola. Já estava bem melhor. Nem parecia que eu havia apanhado, exceto que minha barriga ainda não estava preparada pra nenhum esforço. Meu pai me entregou um par de óculos de grau, já que minhas lentes de contato haviam e perdido no chão do banheiro, e ele não compraria novas por um bom tempo.
- Daniel, se acontecer qualquer coisa, se ele te ameaçar, ou tocar em você, me liga ou manda uma mensagem. Já tá salva aí na pasta de rascunhos do seu celular.
Olhei, e lá já estava escrita, com destinatário e tudo: Pai, aconteceu alguma coisa. Venha o mais rápido possível.
- O número do advogado já está na discagem rápida. - Disse meu pai, mostrando o próprio celular.
- Nossa, pai, calma!
Saí do carro e entrei na escola. Tive que aguentar as perguntas óbvias de todos, e muitos olharam torto para Gabriel. Como eu não lembrava muita coisa que havia acontecido, não consegui ter muita raiva dele. As aulas passaram-se normais, até o intervalo. Eu sentei no meu canto usual, e comecei a ler outro livro. Quando algo me para. Meu dedos já estavam localizando a tecla de enviar com a mensagem pro meu pai aberta na tela do celular.
- Ei, posso me sentar aqui? - Perguntou Gabriel.
- Claro. - Respondi, com sangue gelando.
De acordo com Emily, Gabriel era famoso por suas brincadeiras de mau gosto e ficar aprontando com os nerds. Senti muito mais medo dele após isso.
- Os seus óculos... Eu que fiz isso?
- O quê? Não. Eu já usava.
- Hum. Que bom. - A conversa não estava indo muito pra frente. - Escuta. A gente pode sair um dia?
- Hã?
- É, tipo, ir no cinema, ou no parque. Eu quero... Te pedir perdão.
- Eu te perdoo.
- Não. Eu queria que fosse num lugar melhor. Fala sério, aqui?
Nunca, nem em um milhão de anos, eu pesaria em sair prum cinema com aquele doido. Minha consciência estava gritando para eu não aceitar o convite de forma alguma.
- Tá, então a gente sai. Pra onde?
- Que tal ir no cinema hoje?
- Ok.
Droga. Minha consciência não era tão forte quanto meu tesão. As horas se passaram, e, por fim, chegou a hora de ir ao cinema. Encontraria com Gabriel no shopping, e ele pagaria a minha entrada. Meu pai se ofereceu pra me levar, e eu aceitei, já que ele insistiu.
- Colé, mano. - Disse Gabriel, me dando um abraço.
- C-colé.
- Qual filme você quer assistir?
- Ah, achei que você já tivesse escolhido algum... Pra mim, tanto faz.
- Então vai ser aquele ali.
- Mamma mia. - Li o nome do filme. - Ok.
Ele comprou duas meias entradas, eu mostrei minha carteirinha e ele comprou uma pipoca grande e duas cocas. Ele foi super gentil e educado comigo, coisa que eu estranhei pra caramba, mas queria ver onde ia dar. Quando estávamos na fila da sala, ele olhava para os lados, distraído, e eu olhei pra ele. Sua pele branca (quando eu disse moreno, quis dizer seu cabelo) com uma barba por fazer e seus olhos verdes escuros me chamavam muita atenção. Quando ele olhou pra mim, seus olhos brilharam, e daí eu percebi que ele usava um alargador pequeno na orelha esquerda (eu sempre olhava pra direita dele, então nunca pude notar essas coisas).
- Tá meio quente aqui, né? - Ele disse, puxando conversa.
- Mais ou menos. - Tava um frio da porra.
Ele abriu um sorriso quando me viu estremecer. O sorriso mais perfeito que eu já vi na minha vida. Entramos na sala, finalmente. Gabriel olhou para cima e pegou um lugar duplo, e pediu pra eu sentar no canto. E o canto era meu lugar favorito, então não reclamei.
O filme foi rodando, e umas duas vezes, nossas mãos se esbarraram na caixa de pipoca. Pude sentir aquela mão macia e quente. Minha cara ficou vermelha na hora. Quando o filme acabou, eram umas 22:00.
- Você mora pra qual lado? - Perguntou ele.
- Pra lá. Eu vou a pé.
- Sério? Vô com você, então.
Então, eu e Gabriel começamos a andar. Passamos pela pista de cooper da avenida, sem trocar nenhuma palavra, exceto sobre o filme, mas o assunto não rendeu muito. Eu comecei a sentir frio, mesmo com blusa. Acho que ele notou minha tremedeira.
- Nossa, da próxima vez eu trago uma blusa se você sentir frio.
- Vai ter próxima vez?
- Se você quiser...
Ele me abraçou, e eu comecei a retribuir os abraços, mas aquele não era rápido. Ele continuou agarrado comigo, me acolhendo do frio, com aqueles braços musculosos, e aquela respiração quente. Andamos daquele jeito pelo resto do caminho, até chegar na minha casa. Ele me soltou.
- Tá sentindo frio ainda? - Ele perguntou.
- Agora eu tô.
- Olha, Daniel. - Ele sentou no meio fio. Sentei ao lado dele. - Me perdoa por eu ter feito aquilo que eu fiz com você.
- Não se preocupe. Eu nem lembro mais disso.
- Não. Eu sei que ainda não retribuí você direito. - Ele virou o rosto pra mim. - Pode me dar um soco.
- O quê? Gabriel! Eu não vou fazer isso! Eu não quero te bater. Você já me retribuiu.
Ele se levantou, apertou minha mão e se despediu. Eu tava tão acostumado com o abraço, que senti um vazio desde a hora que ele me soltou. Entrei pela porta e vi meu pai deitado no sofá, dormindo com a TV ligada. Fui no quarto dele e ajeitei a cama.
- Pai. Pai! Acorda!
- Ãh? O quê? Daniel?
- Vai pra sua cama.
- Ah, depois eu te pergunto como foi o encontro. Boa noite.
- Boa noite.
Caralho. Senti minha cara queimando. Um encontro? Sério, pai? Tá certo que se pareceu com um, mas poxa!
Desliguei a TV, tranquei a porta, escovei os dentes e apaguei as luzes. Agora era a hora de sonhar.