Bom esse capítulo é especial, acho que é foi um momento crucial na vida do Pedro, espero que gostem tanto quanto eu gostei.
Ao conto...
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- O que está acontecendo André? Perguntou minha mãe desesperada.
Todos ficaram calados.
Meu pai se aproximou de mim e viu meu celular jogado na cama. Ele pegou-o e leio a mensagem, eu não fazia mais subjeção. Nada mais fazia sentido, era como se existisse um furacão dentro da minha cabeça que tirara toda a minha sanidade, o pouco que dela restara.
A essa altura minha mãe também já tinha lido a mensagem, André estava nervoso, não sabia o que fazer. Eu parei de chorar, e olhei para meus pais. Surpreende-me ao ver um sorriso em seus semblantes.
- Nós já sabíamos. Disse meu pai.
Eu fiquei ainda mais confuso, ele continuou:
- Eu sempre desconfiei... No começo da desconfiança eu sofri, chorei, perdi a alegria de viver, mas a gente sempre se acostuma a certas configurações. Sem dizer nada a sua mãe procurei em todos os sites sobre o assunto, pesquisas cientificas recentes, consultei psicólogos, filósofos, Biólogos e até Teólogos amigos meus, eu tinha que entender o porque que Deus estava sendo tão duro comigo.
Eu e o André apenas fitávamos os dois. Estávamos atônitos.
- Quando então eu compreendi o fenômeno da homossexualidade humana – dizia ele – resolvi contar a sua mãe, no começo ela disse que era uma fase, uma influência, fez orações, consultou padres, pastores e tudo mais, aquilo só confundia ainda mais a sua cabeça.
- Então eu conheci um psicólogo pela internet – disse ela – ele era super liberal e conseguiu me convencer de que éramos e somos uma família muito normal.
Eles pareciam já estarem preparados para aquele momento, eles pareciam já saber que aquilo ia acontecer um dia. Meu pai continuou:
- Mas ainda era apenas uma desconfiança, eu tinha que ter a prova real, por isso eu perguntava sobre suas namoradas. Mas depois parei de perguntar, e tomei uma decisão junto a sua mãe. Chegamos ao consenso de que se você quisesse contar (se realmente fosse gay) você mesmo chegaria e nos diria. Para nós, não mais fazia diferença sua sexualidade, apenas sua felicidade.
Olhei para o André com cara de quem pergunta se ele já sabia de tudo aquilo.
- Eu não sabia! Disse ele automaticamente, como quem tivesse lido meu pensamento.
- O André não sabia mesmo meu filho. Disse meu pai.
Eu acreditei então.
Agora era minha vez de falar, era minha vez de dizer o que tinha a ser dito:
- Eu comecei a sentir atração por homens muito cedo, no começo eu não entendia o porque de tudo aquilo, eu não era uma bicha!... Ninguém era como eu, eu pensava. Cresci com isso na cabeça, na igreja eu rezava pedindo a Deus para me libertar dessas vontades profanas, pedia a deus para limpar a minha alma, Ele nunca atendeu...
Meus pais e o André apenas olhavam para mim, avaliativos, enquanto eu falava. Continuei:
- Sofri boa parte da minha infância e adolescência, em todos os meus grupos sociais eu me sentia o único homossexual, eu me sentia o patinho feio, o recalcado, aquele que está metido ali. Os meus colegas riam dos gays que passavam na rua, humilhava esse ou aquele que tivesse algum trejeito, eu apenas ria da situação, mas por dentro eu queria chorar.
Eu estava me sentindo bem a cada palavra que dizia, e elas fluiam da minha boca como o ar de um balão a ponto de estourar. Disse mais:
- Eu cresci e comecei a estudar o fenômeno, lia todas as matérias possíveis, procurava em livros e revistas, jornais e programas televisivos... Procurava por alguma coisa que iluminasse minha mente. Eu ainda era crédulo quando li que a Bíblia condenava a homossexualidade humana, entrei em desespero. Deus era claro quando mandava matar os homossexuais, a Igreja fazia isso na idade media. Eu iria para o inferno! Tentei conversar com Deus, pedi para ele mudar aquilo dentro de mim, eu não poderia ir para o inferno por uma coisa que não tinha escolhido ser, rezei, mas não escutei nenhuma voz que disse: “Você não vai para o inferno!”.
Recuperei o fôlego, eles não falavam nada, apenas me olhavam e escutavam atentamente. Tornei a falar:
- Então eu comecei a estudar história, filosofia e outras ciências. Elas eram sempre coerentes no que diziam, não se baseava em credulidades, elas se baseavam no que factualmente era provável. A história me conferiu uma gama de atitudes a serem questionadas, para isso eu usei de filosofia. Acumulei conhecimento e critica, a essa altura eu já sabia que a Igreja (em geral) nunca foi uma boa instituição. Na história da humanidade a Igreja sempre proporcionou guerras, extermínio, exploração, escravidão, intolerância, violação dos Direitos Humanos... Tudo em função de seres que nos observam lá no céu. Eu conheci Valmir, um filosofo e historiador, começamos a conversar e analisar os fatos criticamente, dois anos depois eu vi muito mais racionalidade no ateísmo.
Minha mãe fez uma cara de que realmente agora começava a entender o porque de seu filho não acreditar em deuses, em nenhum. Falei ainda mais:
- Eu não me tornei ateu para simplesmente poder amar sem o medo de um inferno, sem o medo de um castigo ou algo parecido. Apenas via mais racionalidade naquela corrente filosófica. O ateísmo me revelou uma nova visão de mundo, uma visão bem mais critica, cheia de “porquês?” e buscas por respostas. Agora eu poderia respirar aliviado, poderia amar e ser amado. Mas ainda existia uma barreira, vocês não poderiam saber, seria uma vergonha ter um filho homossexual, já era difícil ter um filho ateu, as pessoas não aceitam que você não acredite nos deuses delas.
Eu continuei contando a historia entre Eu, o Gabriel e o André. Contei todo o sofrimento que passei desde então, quando finalmente terminei me sentia renovado, como se toda a sujeira que havia dentro de mim estivesse sido expurgada.
- É difícil sabe Pedro, a gente ter um filho gay - dizia minha mãe – é difícil para nós no começo, mas depois pensamos, vemos que vocês sofreram mais do que a gente, vemos que vocês sempre sofreram muito mais do que a gente, e percebemos que o amor é algo muito mais poderoso e muito mais importante que a sexualidade, hoje eu agradeço a Deus por ter um filho homossexual, isso me evoluiu muito.
- Para o pai é sempre mais difícil – dizia painho – a gente ver o filho do colega pegando menininhas, trazendo namoradas para casa, a gente quer isso para o nosso filho também. A gente sempre tentar traçar o futuro dos nossos filhos, mas eles são como árvores, apontam seus galhos sem restrição, a única coisa que podemos fazer é proporcionar um bom solo, para que suas raízes fiquem fixas e prendam ali a árvore, mesmo com os piores vendavais.
Ouve um momento de silêncio, que foi cortado pela voz do meu pai:
- Você deve estar confuso, claro. Nós vamos deixá-lo só, para pensar melhor. Vamos André!
Os três saíram do meu quarto. Fiquei ali por um tempo. Quando sai para beber água vi que eles não estavam em casa, tinham saído no carro do André. Peguei algum dinheiro, as chaves do carro do meu pai e sai sem rumo no mundo.
Continua...