Você já se sentiu “diferente”? De que de alguma forma você não é igual às pessoas que estão a sua volta? E se essa “diferença” significasse condenação – não apenas a sua – mas a de todas as pessoas que você ama? Ser “diferente” no Setor Principal – este país que se formou do que sobrou de nosso continente após o derretimento dos polos e das grandes guerras – tem apenas um significado: Morte.
Querido D.
Você não sabe o quanto sinto sua falta amigo! Fico me perguntando se um dia o reencontrarei. Se um dia o verei novamente, e com vida. Não perco a esperança de que um dia possamos nos ver de novo. Mesmo que seja um encontro final, uma despedida, eu gostaria muito de reencontrá-lo. A vida aqui no Setor 14 não mudou muito. A ditadura do Führer não mudou, continua agressiva e destruidora como sempre. O país continua oprimido pelo regime totalitário deste homem mau.
Aqui em casa, Devon continua sendo o responsável por nos manter alimentados, graças a seus esforços, trabalhando todos os dias – e quase todas as noites – na fábrica de uniformes. Mamãe continua deprimida, quase não fala e tem muita dificuldade em se alimentar.
Tabhita é minha alegria, uma pequena rosa num jardim infértil, minha vontade de viver e lutar. Ela completou onze anos semana passada e Devon e eu compramos para ela um ursinho de pelúcia gigante. Ela o batizou de Devlin – uma mistura engraçada do nome de Devon, e o meu, Colin.
Falando em aniversários, meu décimo terceiro aniversário está chegando (e você sabe o que isto significa não é mesmo?) e estou com muito medo. Não por mim ou pelo que possa me acontecer. Mas por Tabhita. Aquela máquina do Governo do Führer vai confirmar o que sou. O que será de Tabhita sem mim? Mamãe está perdida em seu próprio mundo de depressão desde que papai morreu. Devon precisa trabalhar para nos sustentar. E ele nem mesmo imagina que eu serei reprovado no teste, que este teste vai acusar minha homossexualidade. Eu não escolhi ser assim... Eu queria ser... “Normal”. Você, meu querido amigo D. também não escolheu ser assim. Eu queria saber o que aconteceu com você. Rezo todos os dias para que você esteja em segurança. Que você tenha conseguido escapar das mãos da Nova Gestapo – a força policial opressora do Governo do Führer – e que em algum lugar, que eu ainda não conheço, você esteja em segurança ao lado de outras pessoas – pessoas como você e eu – que também tenham conseguido escapar com vida.
Espero que Devon e Tabhita possam me perdoar por ter nascido assim. Até mamãe, espero que ela também possa me perdoar um dia. Não sou uma pessoa forte como você D., mas eu prometo que não vou me entregar facilmente. Que vou lutar por minha vida. Prometo a você meu querido amigo. Prometo a minha alegria, minha pequena irmãzinha Tabhita. Prometo a meu grande irmão Devon, por sua determinação em nos manter vivos. Não vou me entregar a você, maldito Führer. O dia do teste vai logo chegar. Assim que eu completar meus treze anos preciso me apresentar no Edifício Governamental do Setor 14 para me submeter aos testes obrigatórios, que certamente vão acusar minha homossexualidade. Mas não serei detido. Não serei enviado aos campos de concentração e extermínio sem lutar por minha vida. E vou reencontrá-lo querido amigo D., sei que vou. Eu acredito nisto. Até breve!
Com amor, do seu amigo
Colin.
