A CENA SEGUINTE FOI CONTADA COM LÁGRIMAS NOS OLHOS, E UMA DOR PROFUNDA NO CORAÇÃO, CONFORME O MATHEUS ME CONTOU DEPOIS.
—alô?
—oi. É o Luis? —perguntou uma voz feminina, como se houvesse acabado de chorar.
—não, é o Matheus, namorado dele. Quem fala?
—aqui é a marta, tia do Filipe...
—Lipe? O que aconteceu com o Lipe? Me diz! Foi algo grave?
Continuei dormindo. sempre tive um sono muito pesado, e não acordava com nada menos que uma explosão...
—na verdade, foi...
—me conta! O que foi? Diz! — falava alto, quase gritando.
—Ele morreu. Reagiu a um assalto e levou um tiro na cabeça.
—NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO! ME DIZ QUE É MENTIRA! DIZ! ELE NÃO MORREU! ELE VAI VOLTAR! EU SEI QUE ELE VAI VOLTAR!
—ele não vai mais voltar. Nunca mais.
Pela manhã, acordo com Theus sentado, com os olhos vermelhos de tanto chorar e me observando.
—Bom dia amor, acordou cedo...
—é...
—ansiedade... assim mesmo. Deixa eu me arrumar que o nosso bebê deve estar chegando daqui a pouco.
—Lu, ele não vai voltar...
—mas é claro que vai. Deixa de ser bobo.
—Ele não vai voltar. Ele morreu, Luis.
—amor, para de brincadeira, não gosto disso.
—é serio. A tia dele ligou mais cedo, pra avisar.
—não! Não! Não! Ele prometeu que ia voltar! Ele prometeu! Amor, ele prometeu! Jura pra mim que ele tá chegando... — chorei, desesperado, abraçado a ele.
—ele não vem mais, amor.
Não consigo me lembrar de mais nada que aconteceu nesse dia. Parte da minha memória foi “deletada”. Por mais que eu tente, não sei nada que aconteceu durante aproximadamente duas semanas. E também nunca me disseram. Então, devo morrer sem saber o que aconteceu.
Minha memória volta em uma noite de quinta-feira. Eu lembro que alguém que eu amava muito morreu, e começo a chorar convulsivamente. Theus me olha, e tenta me consolar. Eu durmo após muito chorar.
Passei todo o fim de semana em casa, anestesiado, sem sentir nada. Completamente avulso de tudo. Não fiz almoço, não arrumei a casa, não tinha vontade de nada. Meu mundo se resumia a uma TV e o colchão. Não via nada. Mas, aos poucos, comecei a sentir como se estivesse ignorando o Matheus. Como se estivesse sendo negligente com ele. Resolvi mudar. Na segunda, cedo, tomei um banho, vesti uma camisa do Matheus, pra ficar em casa mesmo, fiz café, comprei coisas pra comer e acordei ele.
—ei, mozão... acorda, meu tudo. Vem, levanta. Fiz café pra gente e comprei aquele bolo de laranja que você adora. Vem.
Ele olhou pra mim, como se eu fosse outra pessoa. Como se ele estivesse em um planeta que não conhecesse e eu fosse um ET que tivesse vindo abduzi-lo.
— o que aconteceu? Você me parece diferente. —ele perguntou.
—eu só achei meio negligente ficar chorando e deixar você fazer tudo por aqui. Vamos voltar a ser nós dois de novo, eu sei. E justamente por isso, a gente precisa ser como um só de novo.
—tá certo, meu bebê. Tá cheiroso... você fica lindo nessa minha camisa. Meu homenzinho...
—e você fica gostoso só de cueca desse jeito... agora levanta. O mundo nos espera!
—ui, meu meu... tá animado hein?
Ele fez aquela higiene básica (tomar banho, escovar os dentes, etc) e foi tomar café comigo, correndo, pra ir trabalhar.
Voltei a ser o “dono de casa”, e fiz o almoço mais especial que eu podia fazer pro homem que fazia minha vida ser a mais feliz do mundo.
Mas, tudo mudaria de uma vez por todas entre nós. Pra sempre.
A loja em que ele trabalhava tinha selecionado oito funcionários pra ir abrir uma filial em outro estado, e o Matheus tinha sido um desses. Lógico, fiquei malzão de ter que deixar ele ir, mas se era pelo melhor dele, eu tinha que deixar.
—amor, vai ser só três dias. Ae eu volto pra cá, e mandam outra pessoa. Eles sabem que eu ainda estudo e preciso terminar a escola logo.
—tá bem amor.
—é pelo nosso futuro. Vai ser melhor pra todo mundo. Eu vou poder ser promovido e ganhar mais...
—eu sei amor, eu sei. Mas fico triste sozinho aqui. Sabe que eu não posso ir pra casa da mamãe...
—amor, são só três dias. Tem um monte de amigos aqui, você sabe disso. Qualquer coisa, pede ajuda da Rosanah, seu bobo.
—tá bom. Volta logo, tá?
—volto assim que der. O mais rápido possível. Te amo.
—te amo mais. Muito mais.
Passei minha primeira noite sozinho, com bastante medo (sou nictofóbico. Tenho medo de ficar sozinho na escuridão .), foi uma noite difícil, mas dormi logo, com a tv ligada, quase muda.
Acordei todos esses dias sem o meu amor do meu lado, e ficava deitado muito tempo abraçado ao travesseiro dele e a uma camisa usada. Aquele era o meu PACOTE SAUDADE. Levantei, e fui fazer algumas aulas que faltavam num curso de edição de dados que faltavam (eu tinha começado esse curso com nove anos, e reprovava por muitas faltas. Consegui convencer o Matheus a pagar, e ia fazer quando me dava vontade. Nesses dias eu ia, passava horas por lá e terminei tudo.) Peguei meu certificado, e fui andar um pouco pelas ruas do centro. Comprei uma camisa, uma calça e cuecas pra dar de presente pra ele. Afinal, ele merecia por tudo que fez por mim.
Fui pra escola, assisti as aulas normalmente e, ao bater o sinal, ia comprar um lanche e voltava pra sala. Ficava sentado, sozinho, ali dentro. Não tinha ninguém que eu quisesse ver durante o intervalo. Nada me interessava ali fora.
Mas os três dias que ele passou fora, passaram rápido. Ele chegou já à noite no apartamento. Eu tinha passado o dia fazendo algo especial pra quando ele voltasse. Coloquei balões, fiz um bolo (peguei uma receita com a vizinha, que fez a maior parte do bolo), embrulhei as roupas que comprei pra ele (uma camisa gola polo, que com certeza deixaria ele mais gostoso do que já era e uma calça saruel cinza. As cuecas foram pra gaveta direto. Acho feio dar cueca de presente.), enfim, fiz uma festinha legal só pra gente.
—oiiii amor! Tudo bom? Tava com saudade, meu tudo! Cadê meu beijo, bebê?
—(beijo) Oi Lu. To bem. Só cansado. Que você fez por aqui? Pra que isso tudo?
—Pra ti, ué! Tava com saudade. Não gostou?
—é. Tá bem legal...
—pega amor. Comprei um presente pra te mostrar como eu te amo.
—puxa, legal. Bem legal mesmo... a gente precisa conversar.
—tá. Deixa só eu pegar um bolo que eu fiz pra gente.
—não... não precisa. Luis, a gente precisa mesmo conversar.
—ai amor! Calma! Deixa só eu te dar um pedaço do bolo pra provar.
—Luis, vem aqui. A gente precisa mesmo conversar.
—calma. Já to indo. Espera.
Eu estava super feliz que ele estivesse de volta. Peguei o bolo na geladeira, sorrindo muito. Ate que veio o golpe final.
—Luis, eu to namorando outra pessoa.
Em um milésimo de segundo, o bolo estava no chão, e eu chorava como se mais alguém tivesse morrido ali naquela hora.
—eu não queria te contar assim. Mas você não me deu escolha.
—(chorando) Desde quando?
—dois dias.
—como você faz isso comigo? Eu te quase dois anos da minha vida! Fiz tudo pra te deixar feliz!
—Nâo faz assim. É melhor...
—melhor o que? O que que é melhor? Fala! Quem é esse ae que te tirou de mim?
— a minha gerente. Ela se separou do marido pra ficar comigo, e eu não podia deixar ela fazer isso e ficar sozinha, morando na rua.
—Você sempre me disse que era gay!
—não mais. Eu achei que era, mas depois de transar com ela, acho que também sou bi, ou coisa parecida. Preciso que você pegue tudo que é seu, e volte pra casa dos seus pais até amanhã às oito. Ela vai vir morar comigo. Eu vou ficar com ela no hotel hoje. Eu só vim aqui pra te avisar mesmo. Tchau, Luis.
Fiquei olhando ele pegar algumas roupas, inclusive o presente, e colocar em uma mochila. Meu ódio naquela hora chegava a níveis altos demais pra qualquer padrão que se tenha.
—Matheus?
—que é?
—olha pra mim.
Aqueles foram os socos mais fortes e bem dados que alguém poderia dar. Pulei em cima dele e soquei aquela cara branca e linda que um dia eu havia amado e havia dito que também me amava. Matheus tentava me conter, segurar meus braços, mas acho que o demônio entrou em mim, e me dava uma força que nem eu conhecia. Parei após muitos minutos de socos e cotoveladas, que rasgaram completamente o nariz, sobrancelha e testa dele. Não que o ódio tivesse diminuído, mas o cansaço me dominou por completo. Ele gritava alto, xingando e dizendo pra parar. O deixei lá, sangrando. Não tive a mínima pena. Peguei todas a mudas de roupa que tinha (eram poucas) e coloquei na minha mochila da escola, junto com cadernos e livros, que foram para uma sacola.
Saí, sem derramar mais nenhuma gota sequer de lágrima, e me encaminhei para a casa de um colega de escola. Deixei a bolsa lá, pedi que ele guardasse e só entregasse pra minha mãe. Ele pediu explicações, mas eu só repeti o que já havia dito e sumi.
Corri pra boca de fumo mais conhecida do meu bairro, e comprei muita maconha e um red Bull. Decidi ali mesmo que, dali em diante, ninguém mais mandaria no meu coração. E eu só iria ficar com quem eu escolhesse e eu achasse que valesse a pena. Namoro? Pra que? Só pra sofrer? Sexo eu posso ter quando eu quiser. Não preciso dar satisfações a ninguém. Vou viver pra mim e só pra mim. E foda-se o resto.
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Esse “namoro” do Matheus com a gerente terminou de um modo engraçado. Ela fez com que ele comprasse coisas pra ela (carro, passagens de avião, etc) e depois de muito usar, o demitiu e o chutou. Ficou com tudo o que ele tinha, inclusive a pensão da mãe que ele recebia. Matheus se mudou pra Manaus, foi morar de novo com a mãe. Terminou a escola, começou uma faculdade de Educação física, entrou pra academia de cadetes do ar, e pelo visto tá se dando muito bem lá.
Bem gente, aqui termina a minha história com o Matheus. Não tenho muito o que falar dele.
Ele ainda aparece outras vezes na minha vida, mas não mais como alguém que eu amei.
Essa série não termina com o final feliz. Mas a minha vida ainda não terminou, e espero que tudo termine bem no final. Brigado a todos que leram até agora. Espero que continuem lendo os próximos contos.