Capitulo 1
Essa historia que irei relatar aqui é completamente fictícia. Nomes, pessoas, lugares são apenas criações da minha mente, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
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QUATRO ANOS ATRAS
Meus braços doem enquanto tento segurar meus irmãos, seus olhos vermelhos injetados de dor me encaram e isso é quase uma dor física. Meus braços magros estavam rodeando as três cinturas dos pequenos. Também queria chorar, mas não poderia demonstrar fraqueza. Chorei o que tinha para chorar ontem, ontem eu me deixei desmoronar, deixar que meus pedaços quebrados caíssem a esmo e me deixassem apenas uma casca vazia da mais pura dor, sem mistura, apenas dor. Meus irmãos tentavam sair do meu aperto. As pessoas passavam por nós e pena era a única coisa que eu conseguia ver em seus olhos. Forcei eles a caminhar em linha reta, saindo de perto dos buracos onde nossos pais estavam sendo abaixados. Escutavam os gritos de dor dos meus irmãos, ecos maculados do que um dia foram risadas de crianças felizes. Nunca fui uma criança robusta e em consequência não me tornei um adolescente robusto, tentava com todas as minhas forças segurar meus irmãos mais novos, que ao contrario de mim sempre foram robustos, Larissa, Caio e Pedro tentavam se soltar.
Meus braços continuam a doer enquanto empurro eles através do caminho de cascalho que separa as duas partes de grama do cemitério, a grama que mais tarde se tornaria cobertor para a cama de madeira dos meus pais, nossa tia Enestine iria morar conosco, eu ainda era de menor e então teria que ter um adulto morando conosco ou ir para um orfanato, coisa que eu não queria, Ela não era exatamente nossa tia, mas foi a única que quis ficar com a gente.
- Me solta Chris - A voz enrolado por causa do choro e da dor chega até mim, olho nos olhos deles e vejo a minha dor triplicada, pontadas de dor se espalham pelo o meu corpo.
- Não.
- Eu te odeio - Não sei quem foi que disse isso, só sei que eu escutei. Não tem problema eles poderiam me odiar o quanto quisessem, mas eu continuarei amando eles incondicionalmente.
DIAS ATUAIS
- Cadê o dinheiro do lanche? - A voz irritada de Pedro soou da porta, eu estava tentando limpar uma panela de gordura que eles tinham deixado ontem dentro da pia, minha mão estava gordurosa e fedida. Agora eu estava com 20 anos. E meus irmãos de 16 tinham muito mais corpo do que eu, nem parecia que eu era o mais velho.
Nossas peles eram claras e nossos cabelos loiros, mas em mim ficava esquisito, eu ficava parecido com uma criança tentando assumir papel de adulto. A falta de pelos faciais também colaborava nesse aspecto. Pedro ao contrario de mim era o centro das atenções, seu corpo era totalmente cheios de músculos e sua pele clara dava um aspecto marmóreo para ele. Pedro, Caio e Larissa são trigêmeos, então os homens são idênticos de rosto e corpo e a garota é uma beldade.
- Pega ai - Gesticulei com as mão para a meu bolso da calça traseiro, ele suspirou pesadamente e veio arrastando o pé até chegar perto de mim, colocou a mão no meu bolso e tirou a nota de vinte e outra de dez. - É dez pra cada.
- Tubo bem - Ele murmurou, arrastou as pés até a saída novamente e até a saída, ouvi a porta se abri e antes de fechar ele falou - Nós vamos a uma festa hoje... então não nos espere.
A porta fechou e ele nem me deixou me despedi, continuei a lavar a louça. Olhei para o relógio e vi que marcava 6:34, lavei minhas mãos e corri para o meu quarto, quer dizer cantinho, minha tia morreu dias depois que eu completei 18 anos e duramos apenas dois meses na nossa antiga casa. Com 16 anos eu parei de estudar e fui trabalhar, juntei quase todo que eu juntei e quando fomos expulsos da casa consegui comprar uma menor e mais humilde. Eu dei o dinheiro e um adulto assinou os papeis de compra e venda. Com dezoito anos coloquei no meu nome. A casa era pequena, entrava na sala já saia na cozinha. Tinha apenas dois quartos, meus irmãos já com 14 anos brigaram falando que queriam um quarto para cada um e como eu não queria ver eles tristes novamente abdiquei do meu. E assim ficou, os meninos em um e a menina em outro. Eu fiquei com um nicho que consegui construir (depois de muito xingamento, dor e farpas nos dedos), em um vão que tinha entre a cozinha e o banheiro, apenas uma cama de solteiro e uma cômoda lotada de roupas. Eu fiquei reprovado no segundo ano e tive que repetir, terminei o ensino médio com 18 anos, fiz vestibular e entrei na faculdade de direito com 19, ainda estou cursando o segundo período.
Faculdade pela manha, trabalho de meio expediente pela tarde em uma loja de roupas e a noite eu trabalhava em uma pizzaria, vesti uma camisa branca e uma calça jeans, pequei a minha mochila com o uniforme do primeiro trabalho e o do segundo. Verifiquei tudo antes de sair, deixei mais trinta reais para ele e sai.
Corri para a parada bem a tempo de pegar o ônibus, me espremi pelas outras pessoas murmurando "com licenças " e "desculpas" até que chequei em uma parte do ônibus parcialmente vazia e fiquei ali. Olhei para a minha mão cheia de calos e cortes e isso era um contraste gritante com a minha pele branca. Minhas mãos desde de quando eu tinha 16 anos estavam assim. Quase perdi a minha parada enquanto pensava sobre o tanto que eu tive que batalhar para não deixar meus irmãos passarem fome. Desci e sai correndo, o primeiro horário estava para começar. Entrei na universidade e caminhei de cabeça baixa, andando rápido, eu sei o que varias pessoas falam pela minha costa. O babacão, assim que eles me chamam, fiquei com raiva no primeiro momento depois vi que não tinha como eu me rebelar contra toda a universidade.
Chequei na minha sala e vi ele. Li-Yang, o japonês, foi o único que falou comigo quando eu chequei aqui. Ele me recebeu com o sorriso cheio de dentes e seus olhos já repuxados ficaram apenas fendas estreitas. A pele dele era mais escura do que a minha, seus cabelos lisos estavam todos para cima, ele usava muito gel cola para poder ficar desse jeito, hoje ele estava vestindo uma camiseta bege e bermuda nude. Seus músculos avantajados estavam a mostra e vi vários pares de olhos presos nele. Me sentei na cadeira perto dele.
- Pensei que você não vinha hoje - Ele falou assim que eu tirei a mochila do costa e coloquei no chão ao meu lado. Ele virou seu corpo e apoiou seu braço na minha cadeira. Foi assim que ele começou a falar comigo, eu um garoto super tímido e ele um cara extremamente extrovertido. Seu sorriso sumiu assim que ele me olhou mais de perto - Chris, você dormiu quantas horas ontem?
- 6 horas - Respondi, esse era o normal de horas que eu poderia dormir se eu não tivesse atividade da faculdade para fazer, o trabalho na pizzaria acaba meia noite e até eu chegar em casa é uma da manhã, ontem eu dormi menos de duas horas.
- Mentiroso - Ele pegou meu rosto e virou de um lado para outro, Li tinha uma condição financeira melhor do que a minha, eu nunca falei para ele que eu tenho dois empregos, falei apenas que tinha irmãos problemáticos. Ele não sabia quase nada da minha vida. - Você mente o seu sono, você mente sobre as suas mãos e mente sobre você.
- O que você quer dizer com isso?
- Para, tá bom? Para - Ele disse agora abaixando o tom de voz para um sussurro, mas mesmo assim ainda estava bravo, ele pegou a minha mão e começou a cariciar - Eu segui você Chris. Você não vai para casa depois que a aula termina, você vai trabalhar e depois trabalhar de novo, não sei onde, mas vai. É por isso que você vive cansado e ainda tem aqueles três ingratos...
- Não fala assim deles - Disse, tirei a minha mão da sua e olhei para frente, odiava quando alguém falava mal dos meus irmãos. Eles não fizeram nada para ninguém, eu fiz, eu fiz mal para eles. Deixei que eles crescessem achando que não tinham amor de ninguém, eu não fiz o meu trabalho bem feito. Eu falhei com eles, mas vou continuar tentando. Li suspirou e disse:
- Desculpa, Chris
Não respondi, mas concordei com a cabeça. Não poderia perder o único amigo que eu tinha feito todo esse tempo, o professor entrou e a aula começou. E assim foi o meu dia, Li e eu, fomos para as mesmas salas e na hora do almoço belisquei alguma coisa e sai correndo, tinha trabalho a fazer. Troquei de roupa assim que eu cheguei na loja.
- Esta atrasado - Disse Ester a minha gerente - Vai ser descontado do seu salario.
- Eu sei.
Minha tarde foi cansativa, tive que escutar mijadas de clientes a tarde toda e ficar com um sorriso no rosto. Quando deu seis horas eu sai e fui me trocar, agora eu tinha o outro trabalho. Peguei outro ônibus cheio, só que esse estava completamente cheio, fiquei ali naquele espreme-espreme. Quando cheguei na pizzaria apenas troquei de roupa e fui limpar mesas, chão e lavar louças. Já estava cansado quando a pizzaria abriu, corria de um lado para o outro com um bloco de notas e uma caneta. Anotava pedidos furiosamente. A pizzaria onde eu trabalhava era praticamente frequentada pela alta sociedade da minha cidade. Era pior escutar mijadas de gente esnobe, eles humilhavam você até que você se sentir mais inferior do que a bosta de rato. Vi muitos garçons chorar e eram demitidos, sempre que acontecia comigo eu me lembrava dos meus irmão, eles precisavam de mim, então continuava ali.
Hoje o lugar estava completamente cheio, acho que teve uma inauguração de um prédio habitacional perto daqui, tinha uma mesa que estava sendo totalmente paparicada. Tinha um garçom para cada pessoa, seis pessoas, seis garçons. E para o restante das pessoas estavam apenas eu e mais três nos virando nos trinta. Um garçom da mesa paparicada deixou cair um talher e foi mandado sair. Eu estava lutando contra a dor nos meus braços enquanto levava uma pizza fumegante em uma mão e pratos e talheres em outra.
- Vai pra lá - Falou o garçom quando chegou perto de mim.
- Servi aquele mesa ali - Ele pegou com se não pesasse nada, talvez não pesasse, eu estava apenas muito fraco. Fui para mesa e me postei do lado de uma garota que devia ter a idade da minha irmã e esperei. Ela virou para mim, arregalei os olhos quando vi que ela tinha os olhos puxados.
- Chris? - Levantei a cabeça e vi ele. Li estava sentado na cadeira e frente da garota. Se seus olhos pudessem se abri igual aos meus eu apostaria tudo que eles estariam arregalados. - Você trabalha aqui também?
Assenti com um gesto de cabeça e o rosto dele virou uma mascara de fúria. Nunca tinha visto Li bravo, mas ali estava ele se levantando da cadeira e vindo na minha direção. Ele segurou no meu braço e me rebocou dali, todos na mesa e nas outras começaram a nos olhar, mas ele continuou me arrastando. Ele só parou quando chegamos na parte de pizzaria, soltou a minha mão e cuspiu as palavras em fúria.
- Serio? - Gritou - Você não poderia arrumar emprego em outro lugar? E teve que trabalhar aqui? Nesse lugar que explora os trabalhadores?
- Eu precisava desse trabalho - Parei, a imagem dos meus irmãos veio na minha mente, estava gritando também - eu preciso desse emprego.
- Não precisa - Ele avançou um passo e eu recuei outro - Você não precisa, seus irmãos já estão bem grandinhos para se cuidar sozinhos.
- Eu sou o mais velho, preciso cuidar deles.
- Você precisa é cuidar de você - Ele gritou, seu corpo estava estremecendo tamanha era a sua raiva - Enquanto você esta aqui se matando para colocar comida na mesa, eles estão vadiando por ai. Enquanto você esta magro e com a aparência deplorável eles estão musculosos e lindos.
- Eles precisam mais do que eu - Gritei também, minha voz saiu enrolado por causa do choro - Eles tem que viver a adolescência...
- E você, Chris? - Ele segurou meus ombros e me sacudiu - Você teve adolescência? Curtiu com seus amigos?
- Eu não podia - Agora eu estava chorando - Eu não podia, tive que abdicar isso. Não mereci minha adolescência. Eles merecem.
- E por que eles são melhores do que você - Ele perguntou e depois me abraçou.
- Eu posso sofrer eles não - Me lembrei do dia do enterro dos nossos pais, a dor nos olhos deles, foi nesse dia que eu jurei que eles nunca poderiam sofrer, eu sim, eles não - Eu posso sofrer, eu, apenas eu.
Abracei ele mais forte e ele me cingiu com os seus braços musculosos. Chorei e ele me deixou chorar.