G:NÃO PAI POR FAVOOR...
A:Doutora faz alguma coisa.
R:Silencio.
R:Gaell eu quero que você escute apenas a minha voz, você vai voltar ate a porta que saiu e passar por ela, ignore tudo que estiver a sua volta, ao passar por essa porta você vai voltar para o seu quarto.
R:Agora você respire fundo, ninguém pode te machucar, você vai ouvir apenas a minha voz quando eu contar ate três você vai acordarG:Doutora...
R:Olá Gaell, como se sente.
G:Um pouco confuso.
V:Gaell meu filho esta tudo bem?
G:Ta sim... André?
A:Oi Ga fica tranquilo.
R:Acredito que é o suficiente por hoje.
G:Não doutora eu quero continua.
V:Meu filho, acho que já foi demais.
G:Eu estou bem de verdade.
Eu queria continuar por mais que aquela dor que por alguma razão eu havia esquecido tenha sido forte eu precisava continuar se eu quisesse voltar a ver novamente, mesmo sobre protestos do meu pai e do André e com muita insistência voltamos a tentar mais uma sessão dessa vez por causa da minha ansiedade demorei mais a relaxar.
R:Gaell agora você esta diante de uma porta no final do corredor. Consegue vela?
G:Sim
R:Pode abri-la?
G:Não...
R:Porque?
G:Esta trancada.
R:Ela não esta trancada, só basta você querer entrar que ela vai abrir, você quer entrar?
G:Não...
R:Esta com medo?
G:Sim
R:Ninguém vai te machucar, você entende isso?
G:Sim.
R:Acha que pode tentar abrir?
G: Acho que sim.
R:Se puder quero que abra
G:Eu entrei
R:O que vê?
G:Eu acabei de voltar da escola.
R:Esta em casa?
G:Sim
R:Em que lugar da casa?
G:Entrei na sala
R:Sabe me dizer se tem mais alguém na casa.
G:Minha mãe esta na cozinha.
R:O que ela esta fazendo?
G:O jantar.
R:Tem mais alguém na casa?
G:Não...minha mãe esta me chamando.
R:Vá ate ela.
G:Ela triste... acho que ela estava chorando...
R:Oque ela esta fazendo?
G:Servindo o jantar... estamos sentados na mesa em silencio, perguntei o que foi.
R:O que ela disse?
G:Nada... meu pai chegou.
R:O que ele esta fazendo?
G:Eu não quero ver ele... ele me machuca...
R:Sua mãe sabe que ele te machuca?
G:Não... ele disse que se eu contar para alguém ele me mata.
R:Você disse que ele chegou, o que esta fazendo agora?
G:Esta brigando com a minha mãe, ele esta bêbado.
R:Você continua na cozinha?
G:Sim... ele esta me puxando para a sala
R:E sua mãe?
G:Ela esta pedindo para ele não me bater.
R:Ele esta te batendo?
G:Não ele esta me puxando para a sala... esta me batendo com o cinto... MÃEEE.
R:Gaell preciso que concentre-se na minha voz, quero que ignore a dor que esta sentindo e apenas relate os acontecimentos.
G:Minha mãe tentou me ajudar, mas... ELE TA BATENDO NELA... MÃEEEE... NÃO BATE NA MINHA MÃEEE, SOLTA ELAA.
G:Ele tomou a faca dela.
R:Seu pai esta com uma faca?
G:ELA VAI MATAR A MINHA MÃE... ELE VAI MATAR A MINHA MÃEEE...
R:Gaell respire fundo e quero que volte para aquela porta.
G:MÃE MÃE... ELE MATOU A MINHA MÃE... ELE VAI ME MATA...
R:Gaell eu preciso que você ignore o que você esta vendo e volte para a porta que entrou.
G:NÃO POSSO ELE ESTA ATRAS DE MIM... A FACA... EU NÃO QUERIA... EU NÃO QUERIA... FOI UM ACIDENTE... NÃO TIVE CULPA... FOI UM ACIDENTE... ELE ME DERRUBO A FACA ENTRO...EU NÃO QUERIA... ELE ME DERRUBO A FACA ENTRO... A FACA...
R:GAELL, esta tudo bem, respire fundo...você esta seguro dentro do meu consultório, estamos aqui com você eu o Vagner seu pai e o seu amigo André...
G:EU NÃO QUERIA... ELE IA ME MATA... EU MATEI ELE... A FACA... ELE ME DERRUBO A FACA ENTRO
R:Gaell pode ouvir a minha voz?
G:SIM, MAS EU NÃO QUERIA...
R:Esta tudo bem Gaell, ninguém vai te machucar, Gaell você não teve culpa, ele tentou te agredir, e caiu e consequentemente ele se feriu com a faca, você não teve culpa pela morte dele e nem da sua mãe, ninguém mais pode te machucar, hoje você esta entre amigos com a sua nova família, você não podia fazer nada quando isso aconteceu, pois só tinha nove anos de idade, ele estava bêbado e deve por acidente se feriu com a faca, então você não teve nenhuma culpa do que aconteceu, ninguém mais ira te molestar por que agora você já é um homem forte e capaz de se defender, você entende o que eu estou te falando?
G:Sim, eu não podia fazer nada. Eu não tenho culpa.
R:Isso mesmo, você é inocente, não havia como ser diferente, agora esta mais tranquilo.
G:Acho que sim.
R:Otimo, eu vou contar até três e você vai voltar para a porta e despertarG:PAI... André??
V:Estamos aqui meu filho...
R:Fica tranquilo, pode ficar deitado se quiser.
G:Obrigado.
R:Senhores vamos deixar o Gaell descansando e vamos ao meu escritório?
V:Tudo bem.
A: Gaell eu só vou ali falar com a doutora e já venho tudo bem?
G:Sim pode ir.
Acho que não tenho como dizer como é passar por um momento assim, era como se tudo aquilo estivesse acontecendo ali naquele momento, coisas que eu nem me lembrava e nem sabia que aconteceu, o Chok de rever aquele dia negro me deixava paralisado e aproveitei aquele momento sozinho para pensar enquanto a doutora falava com eles, por mais que eu queira ouvir o que ela tenha a dizer eu precisava daquele silencio e descansar.
Dentro do escritório
R:Bom senhores, ate o momento eu nunca atendi um paciente com um trauma em um grau tão elevado como o Gaell. Só por seu abusado sexualmente pela pessoa que ele ate então acreditava como sendo o pai que deveria protegê-lo, e sendo mal tratado pelo mesmo e pelo que eu conversei com ele a mãe era um pouco ausente e sendo aterrorizado pelo pai e por fim ver sua mãe morrer e por um acidente acreditar que havia assassinado o seu pai.
V:Eu não consigo falar... Tem um nó enorme na minha garganta... Doutora mesmo tendo pouco tempo de convivência com ele eu já o amo assim como meus outros filhos e ouvir tudo que ouvi... eu não tenho palavras para mostrar a revolta, o ódio que eu to sentindo por nem imaginar que meu filho tão novo já sofreu tanto nas mãos de um monstro.
A: E agora doutora...
R:O caso do Gael é um trauma muito forte, a vários casos pelo mundo que devido ao trauma as pessoas perder a voz ou como no caso do Gaell perderam a visão, mas acredito que o Gaell vai sim voltar a ver assim como era antes desse trauma, acho que quando ele realmente se sentir seguro acredito que ele vai voltar a ver. Em alguns casos a pessoa após a regressão já não apresenta nenhuma sequela do trauma, é claro que eu não esperava que após acordar o Gaell já estivesse vendo, mas poderia ter acontecido ou ainda pode acontecer a qualquer momento, desde que sua mente esteja convencida que não há mais nenhum perigo para ele.
A:Será mesmo doutora, eu pensava que se a visão dele voltasse pelo menos um pouco...
R:Não André não é assim... deixa eu explicar de um jeito mais fácil, o Gaell não é cego, ele não tem nenhuma doença ou lesão em suas córneas, região cerebral, os olhos dele capta imagem normalmente e as envia ao cérebro assim como funciona em todo o ser humano, a questão é que a mente dele construiu uma barreira que impede que o cérebro processe as imagens que ele vê, ate posso copiar a analogia que o doutor Franco usou, a parte do cérebro responsável pela visão esta desligada, as imagens chegam, mas o cérebro não as processa, quando a mente dele entender que não há perigo, ele vai voltar a enxergar assim como todos nós. Os exames dele estão ótimos.
Depois de um tempo que eles foram lá conversar com a doutora eu já estava melhor, me sentei e logo eles apareceram.
R:Bom Gaell, acho que você entende o que aconteceu?
G:Sim doutora.
R:Esta certo que é inocente?
G:Acho que sim.
R:Tudo bem, por hoje encerramos e te aguardo na próxima semana no mesmo horário, acredito que ainda vai ser necessário mais algumas sessões.
G:Vai ser necessário mesmo?
R:Vai sim Gaell, mas fica tranquilo, o que acontece nessa sala fica aqui, você não precisa falar nada para ninguém se não quiser, você é apenas uma vitima de pessoas que não te entende.
G:Obrigado doutora.
Quando saímos fomos direto para a casa o André ia trabalhar mais um pouco e mais tarde prometeu que me ligava, precisávamos disfarçar um pouco ate que eu e ele estejamos prontos para contar a todos, ao contrario do que pensava após aquela sessão alguma coisa realmente mudou aqui dentro, me sinto mais leve, antes sentia que carregava um grande peso nas costas e não entendia o que era, de alguma forma aquela regressão mudou muita coisa aqui dentro, foi ai que eu pensei em como seria o rosto das pessoas que eu amava, por mais estranho que fosse eu mesmo não sabia como era o meu rosto, e imaginava como seria o André, fiquei ate a noite pensando em coisas bobas como essa, mas eu mal podia esperar para me curar desse trauma e ter uma vida normal como todos os outros.
Mal eu sabia que um acontecimento no futuro iria iluminar a minha vida de um jeito novo...