Capitulo 22
Não deixei Li me tocar uma vez sequer. Ele gesticulava enquanto falava, cuspindo palavras em fúria explosiva. Ele nem deixou eu apresentar o meu trabalho, chegou gritando em cima de mim sobre eu ter sumido e não ter dado nenhuma noticia para ele ou para meus irmãos. Com o canto do olho eu vi o outro japonês - Chin - se contorcer quase imperceptivelmente, com outro estalo percebi que isso era exatamente o que eu teria feito caso eu visse uma pessoa gritando em fúria. Todos os outros alunos estavam de olhos grudados em Li e eu, Heitor chegou depois de Li e se posicionou do meu lado, o meu ex namorado parou de falar por um instante e fitou o meu mais novo amigo com os olhos queimando de fúria. Depois ele começou a gritar comigo de novo, retomando a historia de sumir e não avisar eles. Eu ri quando ele falou isso, não um riso forçado, mas um riso de completo deleite. Li parou de falar novamente e me fitou incrédulo, o professor também, os meus companheiros de turma seguiram mais atrás no choque e até a minha copia japonesa arfou incrédulo. Então estava tão na cara que eu não vivia pra mim mesmo? Pela reação de todos, sim.
Apenas Heitor ficou como estava, e como para me certificar que ele não ia arfar de choque também, ele colocou sua grande mão em meu ombro e deu um pequeno aperto. Li acompanhou todo esse movimento, depois de seu choque ele voltou novamente a fúria desvairada. Deu um passo pra frente com o braço esquerdo esticado, dei um passo para trás quando sua pele estava a centímetros da minha. Bati no peito de ferro de Heitor, agora ninguém estava em choque. Estavam todos em estado catatônicos. Durante todo esse tempo que eu conheço Li eu nunca tinha me afastado dele. E todos sabiam disso, confirmando mais uma vez assim que eu não tinha mente própria.
Li deu outro passo para frente e em sincronia, Heitor e eu demos vários para trás. Li congelou no lugar, uma estatua perfeita, sabia que ele só estava em choque porque ele tinha acabado de perder um de seus brinquedos. Eu não estava mudado, isso não. Estava fortalecido, protegido, mas mudado não. Trancado dentro dessa carapaça que toda a dor, tristeza, magoa, arrependimento tinha formado, estava o Chris. Pré e Pós morte, tinha que amadurecer, mas nunca fiz. Já tinha tantos calos que a vida colocou em mim que qualquer um poderia me chamar de calo ambulante. Por fora uma aparência novinha, por dentro a podridão de sempre. Eu era igual a um melão, sempre amarelo do lado de fora, mas quase nunca estar bom para comer.
Apontei para a porta e sai andando, não queria que ninguém visse ou ouvisse o que eu tinha pra falar para Li. Não olhei para trás sabia que ele e o outro estavam seguindo Heitor e eu. No corredor não tinha ninguém, iria ser ali onde eu ia despejar tudo que eu estava guardando durante esse mês que passei com Heitor. Ouvi a porta fechar e me virei, Li e o outro estavam parados próximos a porta, Heitor e eu um pouco mais afastado.
- Li! Quanto tempo - Fiz questão de destilar todo aquele sentimento amargo que era a traição em minha voz. A coloração do rosto dele que antes era branca, passou para um verde doentio. Li parecia que ia vomitar - E quem é o seu amigo ai?
Apontei com o queixo para a figura patética do lado dele, o outro nem merecia o meu levantar de mão. Nessa hora eu estava me lixando para ética e boas maneiras, ninguém se preocupou comigo quando quebraram, pisaram e destruíram meu coração milhares de vezes. Mestre da tristeza, o titulo de uma musica que eu adorava ouvir quando participava da banda surgiu em minha mente, naquele tempo eu achava a musica muito brega, apenas um cara chorando por causa de uma mulher. Agora com 21 anos a musica não podia se encaixar tão bem para mim.
- Chris? - A voz que saiu da boca de Li não era a voz que eu me lembrava. Era apenas um eco de tristeza, não tinha um vestígio sequer da alegria que era marca registrada dele, ele cambaleou até ficar escorado na porta, prontamente o Chris ocidental foi a seu socorro, Li respirou fundo e tremulamente e disse - Onde você estava? O que aconteceu com você? Quem é esse dai? E por que você esta me tratando assim?
- Muitas perguntas, Li - Levantei o meu dedo indicador e balancei da direita para a esquerda, estalei a minha língua em sinal de desaprovação - Sua mãe nunca lhe disse que é falta de educação bombardear estranhos com perguntas, Li-Yang?
Foi como se eu tivesse dado um tapa, um soco, um pontapé e um tiro em Li, tudo junto. vi os cantos de seus olhos brilharem, mas não me comoveu. Poderiam me chamar de monstro sem coração, eu não estava dando a mínima, meu coração estava reduzida a cinza e destroços. Dessa vez o outro japonês ficou parado me olhando, desviei meu foco de Li para a coisinha minúscula que seria meu irmão gêmeo se ele estivesse chegado um mês antes. Fitei ele quase como um predador fita a sua presa. Tive o prazer de ver ele engolir em seco.
- Quem é você coisinha? - Dei alguns passos até parar na frente, estendi a minha mão e hesitantemente ele estendeu a sua. A mão dele era do mesmo tamanho da minha, mas eu tinha o aperto forte, eu quase não sentia o aperto do japonesinho - Meu nome é Christian.
- Chin - Até a voz dele era passiva, mas não tinha a minha rouquidão. Era uma voz suave e baixa, dei um sorrisinho, afinal ele não era completamente igual a mim - Chin Shi-Wou.
- Seu nome é parecido com o meu antigo apelido - Tirei a minha mão da dele, ele esfregou as mãos, devo ter apertado com força demais - Chin e Chris.
- Como você conheceu o Li, Chin? - Perguntei e o garoto se trocar o peso de um pé para o outro, ele segurou as mãos com mais força, mas o seu nervosismo era perceptível. Os olhos do outro foram rapidamente para Li, mas o cara que foi tanto a minha redenção quanto a minha perdição não estava olhando para ele, seus olhos estavam vazios e sem vida, fitando o espaço onde eu estava segundos antes, o japonesinho continuava a olhar para o outro cara de olhos puxados que estava em estado catatônico, cutuquei o garoto que estava na minha frente e disse - E então, Chin? Como vocês se conheceram?
- Err, foi na viagem que Li fez para o Japão.
- Isso eu sei, Chin - Falei entre dentes trincados, fechei os punhos em bolas apertadas. Não estava com um pingo de paciência para esse tipo de conversa. Chin deve ter visto a minha reação raivosa pois deu alguns passos para trás até bater com a costa na parede, afrouxei o aperto sobre os meus punhos e destrinquei os dentes. Lidar com esse garoto era mesmo que lidar com um animal ferido e com medo, tudo tinha que ser calculado - Como foi?
- Foi... tipo, a irmã... Leah - Ele falava uma palavra atrás da outra, depois que ele falou com essa rapidez eu notei que ele tinha sotaque, um sotaque que se aprofundava quando ele falava rápido, depois de um tempo eu só conseguia entender palavras soltas e desconexas, não que o começo da frase tivesse sido esclarecedor - Amiga... doente... pais... melhorando... comprometido.
- O que diabos esse dai fala? - Heitor se inclinou e falou em meu ouvido, seu sotaque era melhor do que o do japonesinho que tentava falar alguma coisa - Pode ser que ele esteja pedindo ajuda, Christy-Ann.
- Acho que não - Respondi e apoiei a minha cabeça no peito grande e musculoso de Heitor, segundos depois seus braços gigantes estavam ao meu redor. Com Heitor eu nunca me sentia me desconfortável, ele me abraçava, me beijava e eu retribuía, mas.... Com um estalo quase audível eu me lembrei que foi assim que as coisas entre mim e Li aconteceram, primeiro a amizade, depois aquela paixão avassaladora que durou apenas duas semanas, me contorci e Heitor me livrou de seu aperto - Eu acho que ele esta falando, mas como eu não falo japonês, eu to aqui boiando.
- Fala devagar, Chin. Devagar.
Mas ao invés de falar devagar o garoto parou de falar de vez, Li estava do lado dele. Se eu não tivesse visto pensaria que Li tinha se materializado aqui e agora, mas não. Li apenas saiu de seu transe e deu alguns passos largos até estar do lado de Chin.
- Eu posso responder sua pergunta, Christian - Li disse meu nome quase como se ele fosse ofensivo, um palavrão para ele - Eu conheci Chin através de Leah...
- Falsa essa sua irmã, Li - Coloquei bastante sarcasmo nessas palavras e tive o prazer de ver o maxilar de Li travar de fúria e Chin se retorcer, sem sair do lugar, de medo - Dizia ser minha amiga, mas na primeira chance apresentou seu irmão de ouro para outro.
- Não fala isso de Leah - A voz saiu espremida pela sua boca, seu queixo não se mexeu e o som que saiu foi parecido com um rugido - Você conheceu ela por apenas algumas visitas. Ela apenas me apresentou para Chin, não me jogou para cima dele.
- Então a atitude de me trair foi ideia sua? - Fingi surpresa, mas minha expressão facial estava demonstrando desinteresse. Dentro de mim, na parte podre e irrecuperável eu senti pontadas de dor, saber que foi ele fez isso ciente que eu sofreria, me fez quebrar um pouco mais por dentro - Você quer um premio, Li? De Moço da Verdade? Símbolo de Bom Homem? Ou Sou Muito Panaca Para Não Pensar No Meu Namorado Que Eu Deixei Do Outro Lado Do Mundo?
- Cala a Boca, Chris - Ele rosnou.
- Meu nome é Christian, seu panaca - Gritei, dei um passo para frente ao mesmo tempo que ele deu um passo também - Você perdeu o direito de me mandar calar a boca e me chamar de Chris quando me traiu.
- Não te trai.
- Não mente - Gritei em fúria, nossos rostos estavam a centímetros de distancia, nós dois fumegando de fúria, apontei para o outro garoto de olhos puxados que estava a alguns passos de distancia de nós - Então quem é aquele ali? Um fantasma? Um robô super realista do Japão? Seu gêmeo siamês morto? Não me faça de besta, Li.
- Onde você estava, Chris?
- É, Christian! - Bati com as palmas de minhas mãos espalmadas em seu peito, foi mais barulho do que pancada. Mas mesmo assim ele cambaleou para longe, com as mãos no peito, me olhando em choque - Christian para você Li-Yang.
- Quem é você? - Ele sussurrou.
- Eu sou eu - Respondi, peguei a mão de Heitor, que estava do meu lado (como sempre) e sai andando - Eu sou o eu de antes, de agora e de depois.
Havia apenas dois sons que se propagavam por aquele corredor enorme enquanto em me afastava.
Meus passos e os soluços baixos de Li.
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Gente, muito obrigado pelo carrinho de todos. Amo ler os comentários de vocês. Amo postar e receber a aprovação de vocês, isso faz com que eu fique nas nuvens. Valeu gente.
Nina M, eu acho que seu destino é mesmo me agenciar, kkkkk, moça estou pensando seriamente em seguir esse careira. Não mora longe de mim? Epa moça, você é nordestina?
E obrigado aos tantos outros que comentam e aos que não.