Saí com o Nylo que foi me falando como funcionava a escola, com quem iríamos estudar, como seria a rotina, me falou das dimensões do colégio, quem poderíamos e quem não poderíamos irritar, falou dos professores, me mostrou um pouco do lugar etc... Confesso que gostei muito do Nylo, ele era um típico Nerd. Mas era inteligente, esforçado, meigo, terno e doce e essas eram qualidades que eu prezava muito. Na verdade, Nylo não era feio, longe disso, era até bonito, só que usava umas roupas folgadas e uns óculos estranhos, além do mais eu não me importava com aparência. O que importava pra mim, eram os sentimentos. Uma das minhas características mais fortes era o humanismo.
Perguntei se ele não tinha amigos e ele ficou sem jeito, falou que era meio deslocado naquela escola e falou – Então, lembra que te disse que pedi a meu pai para me mudar de escola? Ele se recusou, mas pediu ao pai da minha amiga, para transferi-la de escola. E agora estudamos juntos! :D. Perguntei onde estava essa ‘amiga resgate’ e ele disse que deveria estar no dormitório feminino que ficava do outro lado do dormitório masculino. Apesar de só ter uma amiga, em compensação me disse que era a melhor amiga do mundo. Falei pra ele que nunca tive grandes amigos também e ele ficou um pouco mais a vontade comigo.
Ele perguntou como era minha vida e eu contei um pouco sobre mim e como eu consegui ganhar a bolsa de estudos. Ele me falou que o pai dele é dono de uma importante indústria farmacêutica, que a mãe dele morreu quando era criança, que o pai dele vivia trabalhando e não tinha tempo pra nada... Mas que era muito legal e eles se gostava muito e tals. Nesse momento uma garota de uns 16 anos entrou no corredor à esquerda e veio correndo até o Nylo.
- Nylinho seu nerd esquivo, por que não foi ainda me procurar? – Quando Nylo ouviu a voz dela mudou automaticamente. Aquele garoto travado e mecanizado deu lugar a um rapaz sorridente, extrovertido, brincalhão – Fiquei tão impressionado que minha boca até abriu fazendo um discreto “O”. Era óbvio que a intimidade deles era outro nível. Ela parou e ficou me olhando. Nylo tratou de fazer as apresentações – Anabel, esse aqui é Ruy, meu colega de quarto. Ruy, essa é Anabel, a amiga que eu te falei.
Dei meu sorriso ‘Oi, quero ser teu amigo’ e disse que era um prazer conhecê-la.
Ela sorriu também e vi de cara que era uma garota legal. Anabel era um palmo mais baixa que eu, cabelos lisos e caindo sobre os ombros, tinha olhos castanhos, usava uma saia azul muito bonita, era bem bonita mesmo. Fomos conversando até o pátio que era bem grande. Havia bancos feitos de marfim em todas as laterais, no canto, havia um bebedouro e do outro lado tinha duas portas que davam nos banheiros masculino e feminino. Os alunos já começavam a se aglomerar. No extremo superior havia um pequeno pódio com uma caixa de som e um microfone. Nylo, Anabel e eu sentamos perto da colega de quarto da Anabel, em um dos bancos. A garota se chamava Mirian. Tinha um cabelo moreno e longo. Usava uma saia que ia até depois do joelho e uma camisa sem decote com mangas cumpridas. Ficamos conversando até o Bernardo interromper e ficar discursando coisas como ‘o estudo é maior arma do homem’. O colégio lecionava o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio. Depois que ele terminou, ficamos lá conversando mais sobre a vida da Mirian, descobri que o pai dela era um pastor evangélico e ela também. O que justificava as roupas tão comportadas. Ficamos lá conversando um bocado sobre religião e quando dei por mim o pátio estava quase vazio.
- Precisamos ir pra cantina – Mateus falou – Daqui a pouco tem a primeira aula e precisamos almoçar – Pelo que vi do papel achei que dava pra ir sozinho – É o seguinte gente, preciso ir ao banheiro... Eu encontro vocês daqui a pouco, pode ser? – Me despedi deles e fui correndo ao banheiro. Chegando lá faço o número um e quando estava lavando as mãos, o Jean entra no banheiro também. Ele para no lado oposto ao meu e fica estático me encarando... Me medindo.
Resolvi ver o que ele queria...
- Sim?
- Olha aqui mano, só vou te dizer uma coisa... Fica bem longe do Guto. Ou isso pode acabar muito mal pra você mesmo.
Apenas o encarei – Eu não quero ter inimigos. Não sou seu inimigo, nem inimigo do Guto, nem inimigo de ninguém. – Falei calmamente.
- Difícil vai ser convencer ele disso... – Ele ponderou
Derrepente Jean baixou a cabeça e ficou olhando meio que por baixo com uma carinha super safada, deu um sorrisinho de lado e foi se aproximando... Me arrepiei involuntariamente – Vai descobrir que essa escola é um covil, talvez você precise de proteção.
- Eu fui andando para trás lentamente e encostei-me à parede do banheiro, ele ficou bem próximo a mim.
- Acho... Acho que sei me defender sozinho, Jean. – Falei me saindo do transe que ele havia me submetido. – Só espero que não seja de você que eu precise me defender... – Disse isso e saí daquele banheiro rapidinho deixando ele lá, parado. Mas o que foi aquilo? Não... Isso não pode acontecer! Se aqueles idiotas descobrem que eu sou gay não vão me deixar em paz... Ainda mais que estamos todos no mesmo quarto.
Saí atordoado em busca da cantina. Não conhecia a escola direito e nem queria ficar colado naquele mapa idiota o tempo inteiro, mas pelo que lembrava no final daquele corredor a direita tinha um sala com duas portas e uma delas daria no hall que levaria até a cantina. Entrei na saleta e num canto, perto de um enorme vaso de planta, abri uma das portas e logo cheguei ao hall onde me permiti ficar impressionado mais uma vez com o tamanho daquele lugar. Na cantina, Procurei meus novos ‘amigos’ mas não os achei. Peguei um pouco de cada coisa e enchi meu prato. Comi rápido e fui me aprontar para a minha primeiríssima aula.
Subi rápido no quarto e peguei meu material escolar, não havia ninguém lá. Tomei um banho rápido, vesti o uniforme que a escola havia me dado ‘parte da bolsa’ (O uniforme só era obrigatório durante as aulas). Peguei minha modesta mochila e meus livros e saí do quarto. Durante todo o tempo ninguém entrou no quarto. O que me fez pensar que talvez eu tivesse atrasado (Quanto tempo será que fiquei ‘admirando’ a escola?). Infelizmente (Ou felizmente) eu estava com uma louca vontade de ir ao banheiro, de novo. – Droga, - Pensei – Devia ter ido ao banheiro do apê mesmo. – Não queria chegar atrasado à minha primeira aula. Mas novamente bateu a vontade de ir ao banheiro e detesto pedir licença durante a aula. – Felizmente passava por um corredor que tinha um banheiro. Entrei almejando fazer um pipi rápidez para não me atrasar.
Ao entrar, me deparei com uma cena que me fez estagnar. Nylo estava prensado no canto da parede e Guto o segurava pelo colarinho. Num ímpeto, dei um empurrão nele e ele soltou o Nylo que caiu no chão do banheiro, perto do Box, seu óculo saiu do seu rosto e ele ficou segurando o pescoço que Guto havia apertado instantes atrás.
Guto me olhou tentando entender o porquê de eu ter feito aquilo. Sinceramente nem eu entendia direito. Brigar nunca foi meu forte e eu detesto agressões. Mas também detestava me omitir e não podia simplesmente deixar aquele imbecil espancar um garoto tão legal como o Nylo.
- Tá maluco, Guto, bater num moleque desse tamanho? Quero ver você com essa pose de macho alfa com alguém do teu tamanho pra te colocar no teu lugar...
- Guto estreitou levemente os olhos e então deu um passo – Ahh é meu irmão? Me colocar no meu lugar e qual é o meu lugar ehm faveladozinho...? É tu que vai apanhar agora para deixar de ser intrometido...
Mas a atenção de todos foi direcionada para Jean. O garoto de olhos azuis, melhor amigo do Guto se pôs entre nós dois e disse: - Qual é Guto... Deixa eles pra lá mano! A qualquer momento o diretor pode chegar vamos sair daqui vem....
Mas Guto pelo visto não estava para negociações e deu um empurrão no próprio amigo Jean que o fez quase cair.
- Qualé meu irmão, virou amigo do favelado e do nerd foi?
- Para com isso Guto, não é nada disso cara.
- Tu sabe que pra ser amigo meu não pode ficar com viadagens... Pensa bem o que tu quer da vida pra depois não se arrepender! – Guto falou isso e saiu daquele lugar. Eu direcionei minha atenção ao Nylo e o ajudei a levantar-se.
- Você está bem? – Perguntei preocupado de ele ter se machucado.
- Sim, estou, cara obrigado. – O ajudei a levantar-se e por de volta os óculos. Mas por que você fez isso? Você podia ter apanhado daquele brutamonte – Ele disse isso e olhou milimetricamente para o Jean que estava no canto do banheiro nos encarando ainda, como se preocupado de ele vir tirar satisfações por estarem insultando seu melhor amigo.
- Cara, eu jamais permitiria que agredissem quem quer que seja na minha frente, ainda mais uma pessoa tão bacana como você. – Ele apenas me encarou avaliativamente por trás daquelas grossas lentes.
- Vem, vamos sair daqui. Falei isso, peguei a mochila dele que estava largada num canto e saí dali deixando Jean sozinho, parado feito uma estátua, completamente ignorado.