Os dias se passaram e nada de novo aconteceu. Me dedicava aos estudos e Guto seguia uma política rigorosa de fingir que nós dois (Nylo e eu) não existíamos (O que eu silenciosamente agradecia a Deus), Guto e Jean também já não estavam tão próximos. Em contrapartida minha relação com o Nylo vinha ficando cada dia mais íntima. Nos tornamos amigos oficiais. Eu também vinha tentando me manter afastado do Jean, mas era impossível. Por mais que custasse admitir tínhamos uma ligação... Uma afinidade. Desde o dia que Nylo foi a festinha proibida com Anabel parece ter descoberto um outro lado da vida. Aquele nerd que eu tanto gostava tinha dado lugar a um menino mais travesso, descontraído e solto (que eu gostava mais ainda).
Na sexta ao meio dia, desci para almoçar e enquanto comia Priscilla entrava ‘fechando’ no refeitório. Veio andando em minha direção e percebi, tarde demais, que trazia na mão um copo de suco. Ela ensaiou um tropeço muito mal feito naquele salto altíssimo dela e derramou um suco de uva na minha camisa. Encharcado fiquei olhando para ela que levantou com um riso de canto e falou com a voz mais falsa que um ser humano pode ter. - ‘Óhhr, me desculpe, eu escorreguei’. Cerrei os olhos e a olhei enojado. Algumas pessoas ficaram séris, outras riram. Ela se aproximou do meu ouvido e sussurrou... – Quites.
Saí sem dizer uma palavra e fui em direção ao meu dormitório trocar de roupa. Logo mais, as 14:00 horas eu finalmente poderia sair daquele cárcere e ir pro meu martírio. Na verdade, eu adorava a escola. Reunia em um único lugar tudo o que eu sempre quis. Mas na minha casa, estava minha mãe e meu irmão.... Então. : /
Tomei um banho e saí enrolado numa toalha branca. Quando sai do banheiro tomei um baita susto. Jean estava sentado na cama do Nylo. Quando me viu, ele me olhou de alto a baixo e involuntariamente mordeu o lábio inferior.
- O que você tá fazendo aqui?
- Eu só vim olhar se você tá bem...
- Eu to bem cara.. Obrigado por se preocupar. Mas suco na roupa não mata não... :D
- Por que você me trata assim – Ele se levantou e veio caminhando em minha direção com uma cara emburrada. – Sabe, eu faço de tudo pra te agradar, pra ficar perto de você, mas você só despreza minha amizade.
- Não imagino por que você iria querer uma amizade de alguém como eu... Não passo de um favelado sem ter onde cair morto. – Fui me afastando até encostar na parede.
- Você é muito mais do que um favelado e pobre... Você é incrível. Não deixe as pessoas pisarem em você... Valorize suas qualidades que dinheiro não é tudo na vida não.... – Eu sentia o perfume inebriante dele... Que censurava meus pensamentos lógicos. Embriagava minha alma e meus sentidos.
Ele se aproximava e aqueles olhos azuis brilhavam como se estivessem encarando um fogo prata. Ele colocou suas mãos na parede, uma de cada lado do meu corpo. Me cercando... Me detendo. Seu corpo foi se aproximando sorrateiramente. E eu conseguia visualizar aquela camisa apertada por músculos tão bem formados. Sua pele tão branquinha não me permitia raciocinar. Lentamente seu rosto foi se aproximando do meu e embora em alguma minúscula parte do meu cérebro eu soubesse que não deveria deixar aquilo acontecer.... Não consegui impedir. Sua boca foi ao encontro da minha. E quando estávamos roçando os nossos lábios um no outro (Quase beijando, já) a porta do quarto se abriu e um par de olhos negros ficou espantado por trás de um grosso par de lentes.
Jean deu dois passos largos pra trás e eu fiquei sem ação. Qualquer um que entrasse naquele momento iria pensar que estava acontecendo o que de fato, quase aconteceu.
- Eu, éhhhr, vim ver se estava tudo bem com você... – Nylo parecia estar tão sem reação quanto eu ou quanto o Jean. Jean saiu embalado do quarto sem dizer uma palavra. E eu decidi agir normalmente, apesar do nervosismo, como se nada tivesse acontecido. Peguei uma roupa limpa e fui ao banheiro vestir, pois ainda estava só de toalha.
Apesar de não ter terminado o almoço não voltei à cantina. Não estava mais com fome... Coloquei algumas mudas de roupa numa mochila e saí em direção ao portão de entrada. Não encontrei mais o Jean. Já ia saindo quando um carro parou em frente a mim. – Vem, entra... Te levo na sua casa!
- Não, obrigado Nylo... Mas eu vou de ônibus mesmo... Sem problemas. – Ele já tinha aberto a porta – Entra logo e deixa de coisa. Resolvi aceitar e quando olhei pro lado um outro carro que acho que se chama BMW (Não entendo N-A-D-A de carros) ia passando e a janela baixou. Foi à última vez que vi aqueles olhos azuis me encarando daquele jeito que mais parecia radiografar minha alma, naquela semana. :D
Graças a Deus, Nylo não fez nenhum comentário sobre o que ele viu. Um ponto de ônibus antes do ponto de ônibus mais próximo a minha casa pedi ao motorista que foi buscar o Nylo para parar, numa praçinha. Morava em um lugar barra pesada e não queria um carro daqueles entrando ali. Fui para casa e quando cheguei, encontrei o Vitinho brincando na rua. Quando me viu ele veio correndo em minha direção... Eu como sempre me ajoelhei e ele me abraçou forte.
- Eu estava com tantas saudades – Ele disse.
- Eu também fiquei, Vitinho... Eu também.
Entramos em casa e meu irmão mais velho ainda estava no trabalho. Minha cunhada, Rejane, estava lavando a louça, acho. Quando me viu ela me deu aquela cara de você-não-é-bem-vindo-aqui. Nem liguei e fui pro quarto, chegando lá encontrei minha mãe na cama. Ela havia feito uma série de exames um dia antes. Vitinho entrou no quarto.
- Mãe, como a senhora está?
- Estou levando meu filho... – Eu a abracei – Nunca fui de ter esse tipo de contato com minha mãe e ultimamente vínhamos nos aproximando mais, o que me deixava mais feliz.
- Como foram os exames – Falei a soltando.
- Horríveis! – Ela falou com uma voz super rouca e falha – O problema da voz dela claramente estava pior. – Em breve poderemos ver o diagnóstico dos exames e poderei finalmente saber o que eu tenho.
- Não a de ser nada. – Sorri, dando força.
- Isso não parece com ‘nada’ – Ela disse e ficou meio tristonha – Eu estou me sentindo tão fraca, mal posso levantar para ir ao banheiro... Mas e você como vai à escola?... – Ficamos ali conversando a tarde quase toda.
À tarde, estava mexendo no note do meu irmão, Rejane estava na cozinha ainda com sua cara estilo dragão pro meu lado e Vitinho tava jogando bola com uns moleques na rua, em frente a minha casa. Derrepente, Wanderlândia chegou com um papel na mão e olhou pra Rejane, vi desta um olhar de É-agora-ou-nunca.
Rejane se aproximou de mim e falou:
- Escuta aqui viadinho, você tem alguns dias pra sair da minha casa e de preferência levar sua mãe e esse pivete juntos. – Não acreditei no que ouvia.
- Você sabe muito bem que não posso sair daqui, não tenho pra onde ir. E quanto a minha mãe e meu irmão, fala isso pro Beto (Meu irmão) quando ele chegar. Aposto que ele vai ficar encantado em ver quem você é de verdade. – Ela riu... Só faltou colocar a língua pra fora, cheirando o ar.
- Viado, você não entendeu... EU-QUERO-VOCÊS-FORA-DA-MINHA-CASA. Tudo tava ótimo na minha vida antes de vocês chegarem. Agora vocês incomodam demais. Quero vocês fora da minha casa imediatamente. – Suspirei.
- Desculpe, não posso fazer nada, acredite... Eu também não gosto de viver aqui. Não quando você claramente odeia a minha família e a mim.
- Ela pegou o papel da mão da Wanderlândia e jogou em cima da escrivaninha. – Quero você fora da minha casa ou conto pra seu irmão e sua mãe quem você realmente é. – Peguei o papel e, se a morte for dolorosa, devo ter sofrido a dor de mil mortes naquele momento, o papel era uma foto minha beijando o Guilherme. – Comecei a ficar com as mãos molhadas e com o coração palpitante. Olhei pra ela, chocado.
- Exatamente! – Ela disse triunfante – Você tem alguns dias. – Desesperado, rasguei a foto em mil pedaços, ela apenas ria e balançava a cabeça. - Acha mesmo que eu sou inocente de te mostrar uma foto sem cópia? Tenho diversas delas. Até pro meu e-mail eu mandei uma, por segurança. :-D.
- Como você conseguiu isto? – Eu falei chocado.
- Bicha idiota. E-U pedi ao Guilherme pra te seduzir.... Percebi desde o momento que você pôs os pés aqui quem você era (Ela fez um gesto com a mão, quebrando-a ‘Sinal-do-gay’).
- Não... O Guilherme não faria isso. Ele é um bom rapaz.
- KKKKKKKKKKKKKKKKKKKK Deve ser bom mesmo né, viado? Quero você fora ouviu... Está avisado!
- Saí desembalado, e naquele estado só pensava em ir a um único lugar. A casa do Guilherme. Ele morava no bairro, perto da casa do Beto. Fui em direção a ela e no caminho, encontrei o Vitinho. Ele viu meu estado e veio correndo perguntar o que tava acontecendo... Mas eu disfarcei e tratei de dispensá-lo rapidinho... Chegando a casa do Guilherme chamei na porta e a Tia dele saiu:
- Oi, o Guilherme tá ai?
- Olha ele viajou pra casa do pai dele, em Campinas.
- Ahh, obrigado então.
Não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo. Fui andando sem rumo até que cheguei à praça, que Nylo havia me deixado mais cedo. Fiquei lá, num banco chorando quieto por um tempo... Tudo o que eu menos queria era encarar Rejane ou minha prima.
Meu telefone estava a tocar . Atendi e a voz que fazia meus pelinhos arrepiarem falou:
- Ruy?? Oi.. Você tá bem??? – Era o Jean
Silêncio da minha parte.
- Ruy??? Ruy???? O que aconteceu – A voz dele já estava se alterando... Se alarmando.
- Oi.. – Falei sem conseguir disfarçar minha voz chorosa.
- O que aconteceu??? – A voz dele estava urgente.
Eu apenas consegui soluçar baixinho.
- Onde você tá?
Silêncio...
- Droga, Ruy.. Onde você tá????
- Murmurei onde tava e dei o endereço...
- Eu to perto de onde você tá... Não saia daí que eu já estou chegando.
Passado uns 20 minutos... E a BMW que eu vi na escola parou em frente ao lugar que eu tava. Jean saiu do carro, veio correndo e me abraçou.
Fiquei lá, chorando no ombro dele por um bom tempo. E ele apenas ficava calado me dando segurança.... E eu me sentia tão protegido nos braços dele. Como se não houvesse nada no mundo que pudesse me atingir.
- Você é menor de idade... Menores de idade não podem dirigir. – Falei quando estava mais controlado, Jean riu.
- Um dia, vai descobrir que a lei só é igual pra todos no papel. Mas me conta, o que aconteceu com você?
Eu ia contar tudo... Mas lembrei que ele estudava na minha escola e eu já carregava muito preconceito sob as costas por ser um ‘favelado’. Se soubessem que eu era gay talvez até perdesse a bolsa... E eu lembrei do Guilherme. Como ele pode fazer isso comigo? Eu achei que ele era tão legal... E era tudo teatro. Involuntariamente eu afastei um pouco o braço do Jean após esse pensamento.
- Eu... Eu não posso contar. Por favor, não insista. – Ele apenas ficou me encarando...
- Tudo bem... Eu vou ganhar sua confiança. Você vai ver!
Ficamos lá conversando mais um pouco, eu ria bastante das palhaçadas do Jean e até esqueci-me de tudo que tinha acontecido.
Depois de um tempo, falei pro Jean que ele precisava ir, pois o carro dele chamava muita atenção, e ali ainda era um pouquinho perigoso também!
Quando ia saindo ele falou:
- Eih, não sei o que te aconteceu contigo... Mas a maior defesa é o ataque rapaz. Eu vou estar sempre por perto se precisar de mim, ele deu uma piscadela super sexy e foi embora...
Então era isso..... Rumei para casa decidido. Jean havia me dado uma ideia. Claro que o que eu iria fazer era errado, mas e foi certo pagar alguém pra me conquistar e tirar uma foto pra depois me chantagear por algum acaso??? Certas coisas deviam ser devolvidas na mesma moeda e situações urgentes exigiam medidas desesperadas.... Afinal, como dissera Jean, a melhor defesa é o ataque....