- Sim. Eu vim falar com o Gustavo mas não o encontrei.
- Achei que você soubesse.
- Do quê? O que aconteceu?
- Ele viajou. Ontem a noite mesmo foi com sua esposa pra Nova York.
- Como assim viajou? Essa viagem não estava nos planos dele.
- Não conhecia os planos dele, senhor Nuno. Só sei que ele viajou ontem com a dona Marcela.
Saí desnorteado e nem consegui agradecer as informações do porteiro. Entrei no carro e demorei mais de dez minutos para conseguir liga-lo. Minhas mãos tremiam, meus olhos se enchiam de lágrimas e eu não sabia a quem recorrer. Sei que fiz escolhas, talvez erradas, a favor de Gustavo. Por isso ele se tornou meu único amigo, meu amante, tudo! E agora, por pior que fosse, eu estava sem nada.
A pergunta que ficava na minha cabeça: Por que você foi embora?
Essa atitude covarde só me fazia me perguntar mais. Onde eu tinha errado? Por que eu não merecia ser feliz ao lado dele?
Enfim consegui ligar o carro e só queria voltar pra casa. Estava difícil dirigir, mas eu não iria conseguir parar.
Fui guiando em linha reta, sorte a minha. Até que cheguei no engarrafamento que peguei na ida. Agora mais complicado. O trânsito péssimo e eu chorando ao volante. Ele não devia fazer isso comigo, não mesmo. Abri mão de tudo por ele e o que ganhei em troca: uma fuga. Típica de um adolescente. Ou de alguém que só quis me usar durante anos.
A ficha havia caído de vez. Eu era um passatempo enquanto ele mantinha a esposa como fachada. Em meio a essas questões que não saíam da minha cabeça, ouvi uma voz grave do motoqueiro ao lado:
- Passa o relógio, chorão.
Demorei pra entender que estava sendo assaltado no trânsito, coisa comum em São Paulo mediante o transito caótico e a impossibilidade de fugir. A partir da minha lentidão, quando pensei em tirar o relógio, senti um canivete rasgando meu braço e o relógio saindo do meu pulso.
- Perdeu, playboy.
O sangue escorria e eu me apavorei. Não exatamente pelo sangue, mas por possíveis infecções que eu poderia pegar com aquele canivete. E o trânsito não andava. Depois de alguns minutos, consegui encostar o carro num estacionamento e parei pra tentar fazer os primeiros socorros. Porém, eu ainda chorava muito e tremia bastante. Em meio ao choro e ao sangramento, senti sua mão me tocando.
- Nuno, você tá bem?
Não consegui responder. Primeiro pela falta de palavras pra descrever a história e segundo pela vergonha que eu estava sentindo de mim mesmo. Raul era a pessoa que menos merecia meu olhar triste e culpado.
- O que fizeram com você? Você tá sangrando.
- Fui assaltado no trânsito.
- Deixa eu te ajudar.
Não hesitei. Ainda que não conseguisse olhar pros seus olhos, não poderia negar que não estava conseguindo resolver sozinho. Ele estacionou a moto em que estava e entrou pela porta do passageiro no meu carro.
- Para de chorar, Nuno. Não aconteceu nada. Foi só um corte superficial.
Mal sabia ele. Continuei chorando e quando tentava levantar minha cabeça e te olhar, percebia que ele estava me olhando. Ele tinha razão, desde o início. Mas eu não o ouvi. Aliás, todos tinham razão.
- O curativo tá pronto. Vai pra casa?
- Sim. Tô indo.
E fui eu com a minha tentativa demorada de ligar o carro. Raul não conseguiu me ver naquele sofrimento pra colocar a chave na ignição.
- Você tá muito nervoso pra dirigir.
- Eu preciso ir pra casa.
- Vamos comigo. Eu te levo pra casa.
- Não, eu vou dirigindo.
- Nuno, eu não vou te deixar dirigir desse jeito. Você tá muito nervoso, cara. Sobe na moto.
Não discuti mais. Deixei o carro no estacionamento, peguei o capacete das mãos de Raul, com direito a um encontro de mãos e uma troca de olhares interrompida por minha vergonha, e subi na moto.
- Qualquer coisa você segura em mim.
- Tá.
- Tá doendo o ferimento?
- Não. Você colocou o anestésico, né?
- Coloquei. Vamos então.
No caminho em silêncio, não conseguia conter minha raiva de mim mesmo. Alguma coisa eu tinha feito de errado. Algo tinha magoado ele e eu era o culpado.
Chegamos à minha casa e ele, gentil, se negou a ir embora até que eu tomasse um remédio pra dor e me acalmasse.
- Cadê o Daniel?
- Num sei. Ele deve estar no curso de inglês.
- Menos mal. Seria ruim ele te ver nesse estado.
- Obrigado, Raul. Obrigado por tudo. Você foi incrível hoje. Eu tô muito...
Não aguentei continuar e chorei. Mais uma crise de choro e eu batia recorde. Mas não era pra menos. Um ciclo da minha vida estava terminando. Minha história com Gustavo tinha acabado. Tudo isso era muito maior do que uma simples viagem. Era o fim. Eu tinha certeza.
Estava me sentindo um lixo e só percebi quando Raul me puxou pro seu colo. Nunca na minha vida havia me sentido tão acolhido.
- Você tá mal por conta do assalto. Fica calmo, já passou.
- Não é só por isso.
- O que houve além disso, Nuno?
- O Gustavo.
Ele se afastou um pouco seu rosto do meu, mas me manteve em seu colo. Seu desconforto era notório:
- Eu não quero participar desse lance. Ainda não esqueci que você está com ele e...
- Ele foi embora. Ele fugiu. Acabou!
CONTINUA...