Capitulo 9
Olhei horrorizado quando duas garotas e um garoto subiam no palco, meus irmãos correram até eles e protagonizaram um beijo de cinema, eu ainda estava no mesmo lugar, meu corpo todo sofria com a dor que eu estava desesperadamente guardar apenas para mim, quase não ouvi os aplausos, nos meus ouvidos eu apenas escutada um zunido enlouquecedor, parecia que meu coração estava batendo lentamente, mas a cada batida uma onda enorme de tristeza me varia. O sorriso que eu tinha no rosto momento antes deles anunciarem que eu não era a pessoa mais importante para eles, se quebrou. Os aplausos ainda continuavam, fortes e altos, mais eu só queria ir para casa e me esconder no escuro e chorar até não poder mais, por que eles fizeram isso comigo? Essa pergunta estava na minha mente, incessante, como um ninho e abelhas raivosas, ferroando meu cérebro, eu não sabia a resposta para essa pergunta.
- Eles não fizeram isso! - Mesmo através do fluxo de sangue que corria alucinadamente pelos meus ouvidos e a musica alta, a voz de Li chegou até mim como um estalar de um chicote.
As pessoas que estavam perto de mim me olharam, realmente me olharam, e pararam de bater palmas para me encarar boquiabertos, e assim foi as pessoas que estavam nessas primeiras também pararam e eu via o reconhecimento em seus rostos quando me viam. Eu era o ponto onde os aplausos acabavam. Quando o ultimo aplauso foi ouvido foi que meus irmãos olharam para mim e eu vi o choque passar pelos rostos deles. Depois do silencio total - até a musica tinha parado - ouvi o som de milhares de pessoas cochichando ao mesmo tempo, vários pares de olhos se moviam de mim para os meus irmãos parados no palco.
Meu corpo de estatua foi cingindo por músculos de mármore, mas o meu era frio enquanto o de Li estava quente e agradável, senti os seus músculos se tencionarem e fazerem força para me arrastar dali, mas não conseguiu, eu me sentia como uma estatua e meu corpo ganhou consistência de pedra, nem Li com todos aqueles músculos podiam me retirar, meus olhos estavam cravados nos três adolescentes que eu vi crescer. Agora eu nem sei quem são eles agora.
- Vamos, Chris - Ouvi a voz novamente de Li, mas não me movi. Vi Caio, Pedro e Larissa saírem de cima do palco e correrem até mim, as pessoas abriam caminho para eles como se eles fossem astros do rock. Olhei bem nos rostos das pessoas que eu mais amava nesse mundo e algo dentro de mim trincou e rachou, senti a mudança. Vindo lento e calmamente comendo as bordas da minha tristeza paralisante, a raiva estava me mudando. Senti meus músculos formigarem e dei um passo para trás e isso foi mesmo que dar um tapa nas caras deles. Os olhos dos três se arregalaram de pavor e descrença.
Eu também fiquei surpreso, mas não dei um passo para frente. Durante esses quarto anos que eu vinho cuidando deles eu nunca tinha ficado com raiva deles e muito menos me afastado. Quando tudo que eu fazia era abrir os braços e esperar por eles. Deixei meus pés acompanharem Li para fora, sentindo três outros pares de olhos na minha costa e escutando eles também. A festa tinha acabado para mim e consequentemente para eles também.
O vento frio da noite bateu em minha pele e eu estremeci, mas não sei se era pelo frio ou se era por causa de eu não estar mais sentindo aquela raiva que deixou eu me mexer, agora eu estava completamente anestesiado, indo onde Li estava me levando, minha cabeça vagava solta se lembrando de um tempo feliz, me lembrei quando comprei um computador para cada - depois de muito tempo de esforço -, cheguei em casa todo contente e entreguei para eles. Mas eles não me agradeceram nem nada, apenas pegaram da minha mão e saíram, no dia eu pensei que era só euforia de pré-adolescentes, mas agora olhando de outro ângulo me lembrei das caretas que diziam "até que enfim esse babacão comprou nossos computadores". Como se um punhal tivesse se cravado no meu peito o pensamento inundou minha mente tão claro e forte que eu me perguntei como eu nunca tinha chegado aquela conclusão antes. Eles nunca gostaram de mim.
- Chris, desculpa Chris - Era a voz fina e melodiosa de Larissa chegou até mim, eu ainda me sentia anestesiado, mas senti o aperto na minha mão. Li ainda estava me guiando.
- Nós íamos chamar você, mas prometemos para eles que eles seriam os primeiros a subir no palco - A voz de Caio era forte e grossa, mas dava para senti onde a mentira que ele tinha inventado estava, a mentira era quase visível quanto audível e isso torceu o punhal que tinha no meu coração.
- Nós achamos que você já sabia que é a pessoa mais especial para nós - A voz de Caio e Pedro eram quase idêntica, mas eu conseguia identificar com perfeição e distinguir separadamente os dois.
- Serio? E vocês acreditariam se eu dissesse que era um ninja? - A voz de Li estava carregada de sarcasmo, sua mão não soltava a minha. Estávamos caminhando até o carro de Li, ao longe vi uma mancha prateada e nos encaminhamos para lá.
- Não, por que não existe ninja idiota - Larissa devolveu na mesma dose de sarcasmo. Li não respondeu nada, apenas se limitou a dar uma risada sem humor, Li tirou as chaves de dentro do bolso e apontou para o carro, o som da trava se propagou por todo o estacionamento vazio como fantasmas gemendo de dor. E esse era o jeito que eu me sentia.
- Por que vocês não voltam para as pessoas mais importantes para vocês? - Li tinha soltado a minha mão, eu mais do que depressa entrei dentro do carro e fechei a porta. Mas a voz de Li cheia de escarnio chegou até mim. Li estava com os braços cruzados na altura do peito e encarava meus irmãos com fúria. E eles não ficavam para trás.
- A festa já era seu babaca - Escutei a voz de Caio, coloquei o cinto de segurança e me encolhi no banco do passageiro, quanto menor eu ficasse, menor seria a minha dor. Engano meu, a dor apenas se intensificou.
- Eu só não quebro a cara de vocês dois por que eu respeito Chris - Li estava furioso e dava para perceber apenas pelo tom de sua voz.
- Me poupe, até um cego saberia que você só que comer ele - Pedro disse. Escutei um grunhido, depois uma pancada abafada, um gemido e depois gritos. Não precisava olhar, me cérebro elaborou a imagem da briga.
- Repeti isso! - A voz de Li era um rosnado - Se você quiser ficar sem nenhum dente, repeti.
- Você me paga por isso seu babaca - A voz de Pedro era meio gemido, meio palavras - Não sei o que você fez para Chris ficar desse jeito, antigamente nós éramos o mundo para ele.
- Antigamente - Repetiu Li - Eu estou abrindo os olhos dele, vocês não são o que parecem.
- Você nem nos conhece - Larissa gritou.
- Sei mais do que vocês pensam - Essa foi a resposta de Li - Por que vocês não falaram apenas para Chris que não estavam nem ai para o esforço que ele estava fazendo por vocês? Por que humilhar o irmão na frente de um monte de gente? Vocês não sabem o tanto que isso magoa ele.
- Não tínhamos como colocar Chris lá em cima - A voz de Caio era gélida, encolhi mais meu corpo - Nenhum dos nossos amigos gostam dele, não poderíamos ficar queimados apenas para acalentar os sentimentos dele. Temos uma vida para viver e Chris não é para fazer parte dela.
- É assim que vocês tratam a pessoa que sacrificou a própria vida para deixar vocês viverem? - A voz de Li não era mais brava, a tristeza dominava cada palavra que saia da boca dele - Deixa eu só perguntar uma coisa? Como vocês se sairiam se com 16 anos tivessem que cuidar de três crianças de 12? Vocês sacrificariam tudo para não ficarem separados ou deixaria que se virassem? Vocês trabalhariam como um cavalo para colocar comida na mesa dos irmãos? Então? Me diga, vocês fariam tudo isso? Uma coisa é julgar sem conhecer, isso é até permitido. Mas outra coisa é julgar conhecendo, se ponham no lugar dele e vejam por tudo que ele passou.
Eu já estava chorando a muito tempo, soluços que faziam meu peito doer e lagrimas que pareciam intermináveis. A porta do caro abriu e Li entrou, fechou a porta e deu partida no carro. Levantei e vi meus irmãos olhando para o carro com olhos arregalados e em choque, do nariz de Pedro descia sangue. Depois uma nuvem de poeira cobriu eles e eu voltei a ficar como uma bola.
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Li estava sentado na cama com cobertas negras enquanto eu estava sentado no chão perto da porta. Ainda estava chorando, não sei como foi que nós chegamos aqui. Li estava dirigindo muito mal e eu não prestei atenção em nada no caminho todo. Escutei os passos de Li e levantei minha cabeça e vi ele parado na minha frente pelos olhos cheios de lagrimas.
- Levanta dai Chris - A voz dele era gentil e calorosa, ele estendeu a mão para mim e eu aceitei. Ele me puxou delicadamente, quase com medo de que eu fosse quebrar, e me abraçou. Enterrei o meu rosto no peito largo dele e chorei um pouco mais - Eu não gosto de te ver assim.
- Você não devia ter falado aquilo para eles - As palavras saíram pela minha boca antes mesmo que eu pudesse pensar, senti os músculos de Li ficarem todos tensos e sua voz estava seria quando ele falou novamente.
- Eles precisavam ouvi aquilo.
- Eu arruinei a festa de aniversario deles - Aquela pontada de raiva que eu senti na festa tinha se tornado culpa, uma culpa avassaladora que quase afogava a tristeza. Quase.
- Não! Você não fez nada, eles foram que fizeram - A tom de voz de Li era definitivo.
- Eu fiz com que eles sentissem vergonha.
- Não fez.
- Fiz sim - Gritei - Eu arruinei a festa que eles tinham planejado durante um ano, eu arruinei com a minha presença. Eu. Mas eu posso consertar, é, eu posso. Vou fazer outra festa uma maior, melhor, convidar todos e não vou. Vou ficar em casa que é onde eu mereço ficar.
- Você estar escutando o que estar falando? - Li sacudiu meus ombros.
- É claro que eu estou - Sai do abraço dele e começei a andar pelo quarto. Quando isso não ajudou a me acalmar eu me sentei no chão e disse com a voz cheia de humor negro - Feliz aniversario para mim.
Assim que as palavras saíram pela a minha boca eu tive vontade de coloca-las de volta. Li me pegou e me puxou para cima, seus olhos estavam repletos de fúria e seu queixo estava travado de raiva.
- O que você disse?
- Nada.
- Não brinca comigo Chris - Ele praticamente rosnou - Repete o que você falou.
- Eu falei "feliz aniversario para mim" - Disse.
- Por que?
- Por que hoje é o meu aniversario - Falei e Li rosnou - literalmente - depois me soltou e colocou as mãos na cabeça, puxando os fios de cabelos pretos e brilhantes.
- E você não me contou nada?
- Não é importante - Disse - Eles mereciam o aniversario mais do que eu. Eu jurei que eles nunca sentiriam dor outra vez.
- Do que você esta falando?
- Nada.
- Eu estou cansado disso porra! - Ele explodiu e eu cambaleei para trás, atônito demais para falar alguma coisa. Durante quase esses dois anos e meio que Li me conhece ele nunca disse um palavrão e ele resolveu hoje para xingar e o alvo fui eu, depois ele falou entre dentes trincados - Olha o que você me fez fazer.
- Você é um babaca, seu... seu.... seu.... seu comedor de peixe cru - Mesmo antes da morte dos meus pais eu não gostava de chamar palavrão. Agora eles não fazem mais parte do meu vocabulário. Li explodiu em uma gargalhada e eu franzi o cenho em confusão.
- Era disso que eu precisava, uma boa gargalhada - Falou - Mas tem uma coisa que eu não entendo, você nasceu no mesmo dia do que os trigêmeos?
- Não - Respondi - O aniversario deles foi em uma quarta feira, 27 e o meu caiu sábado 29. Mas eles queriam a festa e eu fiz a festa deles.
- E deixou a sua de mão?
- E deixei a minha de mão.
- Você vai me contar o que estar escondendo de mim? - Eu vi os olhos repuxados brilharem.
- Não estou escondendo nada de você.
- Esta sim.
- Não estou, não.
- Por favor, Chris - Foi isso que me desarmou, eu vi aquele Li triste e em sofrimento do hospital, não aguentava ver ele naquele estado, por isso caminhei até ele e me abracei em seu peito forte. Li me abraçou também e andou de costa até a cama e se sentou, fui para o colo dele e ele enterrou a cabeça no vão do meu pescoço.
- Meus pais - Começei a falar, minha garganta estava inchada e dolorida, mas não era dor física - Foi no meu aniversario que meus pais morreram. Eles comemoram o aniversario dos meus irmãos e o meu foi celebrado em um cemitério nojento. Meus irmãos mereciam e merecem comemorar seus aniversários. Eu não, o que eu ganhei de aniversario era e é pesado para qualquer adolescente. Meus irmãos sempre ligaram essa data como um dia triste, mas esse ano eles resolveram pular isso. O dia do meu aniversario de 16 anos eu ganhei de presente a morte dos meus pais e a reponsabilidade com os meus irmãos. É por isso que eu não falei nada, 21 anos não é nada importante.
- Fez bem eu ter de dado aquele presente.
- Que eu adorei, por falar nisso.
- Seus irmãos não sabem a data do seu aniversario?
- Talvez sim, talvez não - Falei - Eu acho que eles associam essa data apenas como a morte de nossos pais.
- Para mim é apenas seu aniversario - Ele deu um beijo no meu ombro - Feliz 21 anos, Chris.
Sorri e me deixei imaginar como seria se eu tivesse sido um adolescente normal - sem dor, sem reponsabilidade e sem magoas - será que eu teria conhecido Li? Essa ideia foi rapidamente expulsa da minha mente por causa de um simples fato.
Os lábios de Li estavam nos meus.