Capitulo 8
A semana passou rapidamente, na segunda pela manhã eu e Li fomos ver a irmã dele. Durante todo o tempo que Li estava dirigindo eu sentia seu nervosismo, que ficou pior quando ele parou o carro em um espaço no estacionamento do hospital. Sai do carro primeiro do que ele, Li andava com os ombros erguidos e olhava para frente, mas dava para ver que os ombros estavam muito rígidos e seu rosto era uma mascara retorcida em dor. Nem todo o luxo do hospital conseguiu com que o meu nervosismo acabasse. Meus tênis faziam um som engraçado quando tocavam no chão encerado, Li era o contrario, parecia que ele estava flutuando e não andando. Subimos de elevador e no terceiro andar as portas de metal polido se abriram com um zumbido. Todos os corredores por onde passamos tinha uma aparência esterilizada, mas esse era pior. Parecia que as paredes - cada ladrilhos, cada rachadura, cada falha - destilava dor, sofrimento e infelicidade. Só de andar por ali eu estava me sentindo ruim, olhei para Li e vi como aquele corredor afetava ele, seus ombros tinham desmoronado completamente, seu rosto não era apenas uma mascara de dor, era a própria dor. E isso era doloroso de olhar.
Ele continuou andando, não falou uma palavra comigo desde que me buscou na minha casa, "O andar do Câncer" era assim que eu me referia ao andar onde a gente nos encontrávamos, Li abriu a terceira porta do lado esquerdo e entrou sem bater. A onda de tristeza era quase palpável assim que eu entrei no quarto, cinco pessoas estavam ali. Olhei para o senhor e a senhora dos olhos puxados, que só podiam ser os pais de Li. Os rostos deles eram reflexos do filho - dor - tinha um outro cara e uma mulher negra sobre o seu braço e mais uma criancinha que não parecia ter mais de três anos. O homem e a criança tinham traços asiáticos, o garotinho era uma mistura perfeita dos dois mundos - asiático e negro - seus olhos não eram tão puxados como os dos outros, mas estava ali, bem sutil, o repuxado no canto do olho.
Mas não tinha apenas cinco pessoas, cometi um erro grave de não contar com a garota asiática toda entubada, com os olhos fechados e cabeça raspada deitada na cama. A pele da garota estava quase verde de tão branca, sua aparência não me lembrava nada a garota que eu tinha visto na pizzaria, Li foi até os pais e eles abriram os braços, cingindo-o afetuosamente, como uma criancinha. Eu fiquei parado com as mãos entrelaçadas na frente do meu corpo, olhando para a garota até sentir uma mãozinha quente tocar a minha perna, olhei para baixo e ali estava o sobrinho de Li, ele estendeu os braços, sinal de que ele queria ser pego nos braços e abriu um sorriso desdentado. Me inclinei e passei meus braços pelo pequeno corpo dele, fazia tempo que eu não carregava uma criança, então não sabia se aquele era particularmente pesado ou se eu estava fraco mesmo.
- A titia tá morrendo - Parecia que aquelas palavras saíram ainda mais carregada de dor do que se um adulto tivesse falando, mas ele era apenas uma criança que não sabia de nada, ele enrolou os bracinhos em meu pescoço e minutos depois adormeceu. Fiquei massageando a costa dele até depois que ele dormiu. Foi um arquejo quebradiço, frágil que me fez levantar a cabeça. Li estava com a cabeça enterrada na curva do pescoço do pai com a mão presa em um abraço dos dois, só sabia que Li estava chorando por que eu vi sua costa sacudir em tremores de dor. Olhei ao redor todos choravam, o irmão mais velho tentava segurar, mas lagrimas desciam ininterruptas pelo rosto. Mesmo as palavras de uma criança que não tinha conhecimento nenhum do que era dor emocional, foi o máximo que aquela família aguentou.
Me senti um intruso ali, Li disse que passaria o dia ali para que os pais fossem para casa descansar. Ele apenas me deu um beijo distraído na testa e disse que nos veríamos amanhã. Fui para os dois serviços, mas meus pensamentos eram tomados por imagem de Li em sentindo dor. Li não me procurou por três dias, eu ligava para ele, mas ele não atendia. Mandava mensagens e passava horas em frente ao celular esperando por resposta, mas ele não respondia. Resolvi dar um tempo para ele, talvez ele não queria me deixar ver ele naquele estado novamente. Enquanto isso minha mente e meu corpo foi preenchida com uma coisa bastante importante para as pessoas mais importantes para mim.
O aniversario de 16 de Caio, Pedro e Larissa.
No ano passado nenhum dos garotos quiseram fazer uma festa de 15 anos, falaram que iam chamar eles de "viados" para o resto da vida. Então com um consenso mutuo decidimos que iriamos fazer uma festa de 16 anos. Foi por essa razão que eu arrumei aquele trabalho na pizzaria, durante quase uma ano eu quadrei todo o dinheiro que eu recebia lá. 15,000,00 reais era a quantia que eu tinha juntado durante esse tempo todo, a festa deles era quarta feira, mas foi um dia totalmente ruim para se comemorar um aniversario. Adiamos para sexta, assim todos poderiam descansar sábado.
Li só foi me procurar no quarto dia, estava de folga na pizzaria, então aproveitei para fazer as atividades da faculdade. Durante esses três dias que Li não me procurou, ele também não foi na faculdade. De modo que eu estava sentado no chão com pilhas de livros ao meu redor Li apareceu na minha porta. Seus olhos ainda estavam um pouco inchados, usava calça jeans e camisa preta com estampa dizendo "BAFOMETRO LIVRE" e uma seta apontando para baixo, quase deixei o meu impulso de descer a vista e seguir a seta. Quase. Eu encarava ele e ele me encarava de volta, super envergonhado, ele foi o primeiro a falar, hesitantemente.
- eu liguei para você e você não atendeu - Falou baixinho. Como é que é? Eu não atendi? Olhei para ele com a boca aberta e meus olhos que já são grandes por natureza ficaram ainda maiores, eu que deveria esta falando aquilo. Será que eu entrei em alguma dimensão paralela onde os nossos papeis foram trocados. Mas ao invés de descarregar toda a minha frustação nele eu me vi falando:
- Não escutei meu telefone tocar - Para falar a verdade eu nem sabia onde ele estava, vasculhei aquele amontoado de papel até achar meu velho celular que estava enterrado sobre um livros sobre leis criminais e minhas anotações, tinha varias ligações de Li, olhei de novo para ele e ele estava me olhando.
Ficamos um tempo assim, num silencio constrangedor, Li suspirou e se sentou na minha frente, não demorou muito ele me puxou para o seu colo e enterrar a cabeça na curva do meu pescoço.
- Desculpa, Chris - Falou - Estava arrasado, minha irmã não vem demostrando nenhum resultado na quimioterapia. Meus pais estão quase construindo uma casa para ele dentro hospital, só queria arrumar meus pensamento. Desculpa, não pense que eu esqueci de você, Chris.
- Não, eu não pensei nisso - Minhas mãos estavam em seus cabelos - Eu tinha pensado que você queria ficar sozinho e não liguei mais.
- Você é um amigão.
- Eu sei - Falei e ele deu uma risada baixa, mas não era o meu sorriso, então foi por isso que eu disse - Depois de amanhã é o aniversario dos meus irmãos e você é mais do que bem vindo.
Ficamos sentados assim até que meus irmãos chegarem e nos pegassem conversando - eu no colo dele - sobre a realização da festa, Larissa abriu um grande sorriso, Caio levantou uma sobrancelha sugestivamente e Pedro deu um olhar significativo para Li.
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Era o grande dia. Estava no lado de fora do clube esperando Li que ainda não tinha dado o ar da sua graça. Hoje eu tinha me deixado ousar um pouquinho, estava usando uma calça sknny de cós baixo, com uma camiseta branca que marcava a minha cintura. Andava de um lado para outro na frente do clube que meus irmãos escolheram para ser realizado o aniversario, a cada momento chegava pessoas. Garotas com pedaços de panos minúsculos - que eu estava inclinado a achar que era apenas retalhos da roupa original - e garotos com roupas muito mais apertada do que a minha, depois de mais uma olhada no meu relógio velho eu vi o conhecido carro prateado virando a esquina, sorri e acenei.
- Quanto tá o programa? - Ele parou o carro e baixou a janela do carona, ele gritou essas palavras do banco do motorista e eu ri.
- Eu to com cara de garoto de programa? - Disse e depois falei onde ficava o estacionamento, Li voltou três minutos depois com três sacos de presentes distintos - um cheio de coraçõezinhos, outro com linhas verticais azuis e o ultimo com bolas de diversas cores -, vários pares de olhos se viraram quando ele passou. Mas não era para menos, Li estava absolutamente estonteante, calça saruel jeans preta apertada nas panturrilhas e coxas, camisa em gola v azul bebe e tênis de cano alto azul e preto. Estonteante. Ele chegou perto de mim e sorriu, seus olhos repuxados quase sumiram, mas eu achei lindo.
- Vamos? - A musica já estava tocando alta, ouvia risadas e conversas vindo com o vento e chegando até mim. Me virei para entrar mais Li me parou, sua mão forte prendeu meu braço em um aperto de ferro.
- Não tão rápido - Ele soltou o meu braço e colocou a mão no bolso, puxando de lá uma caixinha de veludo negro e estendeu para mim - Para você.
- Mas não sou eu o aniversariante - Respondi hesitante.
- E só ganha presente quem faz aniversario?
Olhei para a caixinha na mão dele, devagar levei a minha mão até senti o material macio, a caixinha cabia perfeitamente em minha mão, deslizei o feixe e ele se abriu com um clique. Dentro da caixa no centro de uma almofada vermelha havia uma anel, peguei e vi, o aro central era branco e tinhas duas linhas douradas que rodeavam o principal, onde as duas linhas douradas havia uma coração minúsculo, Li pegou o anel da minha mão e deslizou pelo o meu dedo quando eu não esbocei nenhuma reação, senti relevo dentro do anel e rapidamente o tirei e li os dizeres... que estavam em outra língua.
"ANATA GA DAISUK DESU"
- O que isso significa?
- É "amigo do peito" em japonês - Ele respondeu, mas notei um breve tremor em sua voz.
- Mas por que não é aqueles símbolos?
- Assim é melhor, apenas a pronuncia. Não a escrita.
Sorri e abracei ele. Sai puxando ele até entramos naquele recinto, luzes brilhantes e multi coloridas bombardeavam os meus olhos e a musica alto os meus ouvidos. Li deixou os presentes dentro do um grande cesto que já estava transbordando de cheio. Li pegou na minha mão e me puxou até a pista de dança, por onde passávamos - ele passava - rostos se viravam. Entramos no meio dos corpos se contorcendo no ritmo da musica. Li começou a se movimentar mexendo seus braços, quadris e pernas. Eu fiquei apenas me balançando para frente e para trás, Li notou e parou a sua dança.
- Chris, até um macaco dança melhor do que você - Ele gritou acima do volume da musica.
- Então dance com o macaco, não comigo - Gritei de volta.
Ele colou seu corpo no meu e começou a se mexer, fiquei parado no começo, mas depois deixei a musica e uma japonês gostoso me guiar. Não sei por quanto tempo nós dançamos, só sei que quando paramos eu estava suado e com um sorriso enorme no rosto. Meus irmãos estavam em cima de um palco que ficava na extremidade sul do salão. O bolo que eu tinha encomendado com meses de antecedência foi posto na frente deles. Cada um cortou um pedaço, colocaram em pratos de plásticos e sorriram para a plateia que tinha se formado nos pés do palco e disseram, um de cada vez:
- E o... - Larissa começou.
- Primeiro pedaço... - Caio continuou.
- Vai para... -Pedro terminou.
Ao longe escutei os tambores rufarem e a multidão - inclusive eu - gritar em expectativa.
- Nós - Ele três gritaram e comeram o pedaço de bolo.
A plateia explodiu em "ahhhs" e "uhhhs" enquanto meus irmãos terminavam de comer os pedaços de bolo nos pratos, eu estava rindo e Li também. Depois do festival de vaias as pessoas começaram a gritar "discurso, discurso, discurso" sem parar, cada um estava com um microfone e começaram a falar.
- Queremos agradecer as pessoas que são mais importantes para nós - Larissa estava toda empolgada, ela olhou para um bando de garotas perto delas e soltaram gritinhos simultâneos.
- E dizer que sem elas essa festa não existiria - Foi a vez de Pedro falar, sua voz grossa ecoando pelo salão, varias meninas que deram os gritinhos, gritaram o nome dele.
- Então subam ao palco - Caio gritou no microfone dele - Mariana, João Pedro e Raissa. Pessoal uma salva de palmas de palmas para as pessoas mais importantes para nós.
Parei, um estatua perfeita de descrença, choque, dor e decepção. Mas eu deveria ter visto os sinais antes de eu ter andando alguns metros pensando que eu ia ser chamado no palco. Eles falaram pessoas, no plural e chamaram três pessoas, mas nenhuma era eu.