Fiquei em êxtase. Será que ele sentia o mesmo que eu?
Iludido eu. Estava começando a acreditar que podia ter algo com esse cara. Nas semanas que se seguiram, conversávamos todos os dias e por vezes ele me buscou na faculdade. Sempre nos beijos e pegação dentro do carro.
Por um final de semana nos encontramos em seu apartamento e ficamos juntos lá.
O que eu sabia da sua família é que seu pai, grande empresário, obrigava o filho a seguir um relacionamento de aparências.
Numa dessas, quando senti que devia, perguntei:
- Guto, até quando você vai ficar nessa? A gente se encontrando e você namorando aquela menina.
- Não sei. Eu preciso de coragem pra enfrentar meu pai.
- Eu posso ajudar?
- Não sei. Vou pensar em algo.
E assim ficamos durante um tempo. Desde o dia na sorveteria, fomos nos envolvendo cada vez mais e até o apresentei como meu namorado pra minha mãe e pro meu irmão. Comecei a frequentar sua casa como amigo e a cada dia que passava, estávamos nos confiando mais. Eu podia dizer que estava completamente apaixonado por ele. Sentia vontade de estar com meu Guto o tempo todo, mas ele não podia. A relação com o pai era complicada, apesar da mãe ser mais conciliadora.
Depois de quatro meses da nossa história, Gustavo teve uma ideia:
- Nuno, tive uma grande ideia.
- Me fala.
- Você quer ficar mais próximo de mim, certo?
- Claro, muito, você sabe.
- Então, a minha ideia é simples. Você vai trabalhar comigo. Assim eu mato dois coelhos porque eu vou te aproximando do meu pai.
- E isso é bom?
- Claro que é. Ele vai entender porque eu gosto tanto de ti.
- Gosta tanto assim?
- Gosto. Topa?
Eu não tinha outra opção. Está certo quem pensa que ele demonstra pouco seus sentimentos. Desde o começo ele nunca foi muito carinhoso. Não posso dizer que ele é grosso ou mal educado, mas carinhoso nunca foi.
Ia ser difícil pra mim, mas eu topei. Fiz um bom currículo pra não levantar suspeitas e enviei para o e-mail da empresa. Mesmo sendo jovem, Guto era um dos diretores, claro que por ser o herdeiro do dono. Recebi um e-mail agendando uma entrevista e foi simples. Com a “ajuda” do Gustavo, eu era seu novo secretário.
Comecei no dia seguinte e passei a entender o dia a dia da empresa. Numa reunião, conheci o seu pai, Antônio. Um homem alto, bonito até, mas grosseiro com os funcionários e com o filho. Na frente de todos, desmereceu a ideia do Gustavo em prol de maior lucro da empresa. Isso me deu nojo. Constrangido, ainda tive que ver Antônio obrigando o filho a ligar pra a “namorada”.
Por vários momentos entendi a relação dos dois e tentei relativizar a falta de carinho de Guto.
Ao mesmo tempo, minha mãe piorava. O câncer já a consumia e a cada dia ela sofria mais. Alternando sessões de quimioterapia e ficar em casa, ela já sabia que lhe restava pouco tempo de vida. Talvez por isso se mostrava mais emocionada e por vezes deixava escapar coisas sobre meu pai. Entendi que ela tentava mostrar o quanto ele foi bom para ela, ainda que tenha desaparecido depois do nascimento do Daniel. Mesmo assim, ela não conseguia me amolecer.
Num sábado a noite, me arrumando pra sair com o Gustavo, minha mãe passou muito mal. Sem alternativa, liguei pro Gustavo para que ele a levasse pro hospital.
- Guto, me ajuda.
- Por que você tá chorando? Ia te ligar agora mesmo.
- Minha mãe, Gustavo. Ela tá morrendo, me ajuda.
- Não vai dar, Nuno. Meu pai me obrigou a sair e eu tô com ela.
- Que se dane, Gustavo. Você não escutou? Minha mãe tá morrendo em casa. Eu preciso de você.
- Não posso te ajuda. Chama o SAMU.
E desligou.
Chamei o SAMU, que não demorou a chegar. Além de sofrer, ainda tinha que me manter firme para ajudar o meu irmão, que estava inconsolável. Depois de quatro angustiantes horas, a notícia da morte da minha mãe me assolou.
Agora éramos só eu e meu irmão. Mais do que nunca, eu era o homem da casa, com todo o peso que essa expressão pode ter.
Durante os dois dias de velório e enterro, quase não vi Gustavo, mas uma coisa me assustou. Em meio a todo o sofrimento do enterro, vi de longe a presença de Antônio, que chorava. Porém, estava ocupado demais pra pensar nisso. Daniel, grudado a mim, não parava de chorar e eu era o porto seguro dele.
Voltando pra casa após essa mudança na nossa vida, juntei as roupas dela e coloquei numa mala. As lembranças da minha mãe agora estariam nas nossas mentes, minha e do Daniel. O que era físico, não fazia mais sentido.
Depois de guardarmos tudo, doamos algumas coisas e outras foram jogadas fora. Pronto!
Daniel e eu voltamos pra vida normal, ainda destruídos pelo óbito da nossa mãe, mas precisando nos reestabelecer.
Num momento de grande trabalho na empresa, escuto a discussão de pai e filho:
- Mas eu cansei dessa história, pai.
- Você não tem direito de cansar. Você sabe que a gente tá quebrado, não dá pra brincar.
- Eu não vou fazer isso.
- Você vai se casar com ela sim!
CONTINUA...