- Você vai se casar com ela sim!
- Pai, eu não gosto dessa mulher, não adianta.
- E quem disse que você tem que gostar?
- É a minha vida que tá e jogo.
- Não. O que tá em jogo não é só a merda da sua vida. Tá a reputação da família, a manutenção do status. Não adianta discutir, Gustavo.
Guto saiu da sala revoltado com o pai e me encontrou no corredor. Pegou no meu braço e me levou pra outra sala:
- Tava espionando a conversa, Nuno?
- Eu não pude deixar de ouvir.
Ele me beijou. Nesse momento me senti nas nuvens. Eu amava esse cara, independente do caráter e da situação que ele se encontrava. Era difícil pra mim admitir isso, mas hoje consigo entender que seria assim, até pela situação atual.
E ficamos nisso por meses. Várias vezes era obrigado a vê-lo trocando carinhos com a menina na minha frente. O namoro dos dois era absurdamente comentado, inclusive nos meios de comunicação e meu irmão não conseguia entender porque eu me submetia a um relacionamento como esse.
Marcela passou a frequentar a empresa, sendo que seus pais se tornariam sócios de Antônio. Ela, com seu jeito esnobe, foi conseguindo a antipatia de todos, menos de Antônio, que parecia amar a menina, logicamente pelo que ela representava.
Daniel, meu irmão, estudava muito e a cada dia eu estava mais encantando por ele. Sabia que era recíproco, porque ele deixava bem claro o quanto me admirava. A única mancha da minha vida era meu relacionamento com Gustavo, um homem lindo, mas comprometido.
Continuamos nos encontrando as escondidas, inclusive aproveitando as viagens da família dele para ficarmos juntos e transar no apartamento dele. Marcela parecia estranhar a nossa proximidade, mas em nenhum momento me perguntou a respeito.
Em casa, Daniel encontrou um envelope e me esperou sentado no sofá da sala, chorando.
- Nuno, nossa mãe.
- Nossa mãe o quê, Dani?
- Ela deixou um recado pra nós dois. Estava na gaveta do seu quarto, você já viu e escondeu de mim?
- Claro que não. Eu nunca tinha visto. Você já leu?
- Sim, Nuno. Eu não consegui me segurar de saudade e a li. Tem problema?
- Não. Me deixa ver.
Abri aquele envelope e pude ler uma mensagem. Sim, era da minha mãe. Meus olhos se encheram de lágrimas ao perceber a letra dela, já debilitada pelo câncer, que deve ter se esforçado para escrever.
“Filhos, eu sei que logo não estarei mais com vocês. Sei também que fui uma mãe grossa durante muito tempo, mas quero que entendam que foi difícil criar dois filhos sem um marido, sem ajuda da família.
Nunca fui boa em assumir meus sentimentos, mas eu quero dizer que amo vocês. Mais do que isso, preciso contar algo que tem me atormentado nesses momentos de tanta dor. O pai de vocês, que eu sempre fiz questão de apagar da memória, está mais perto do que vocês imaginam. Apesar de ter registrado vocês, descobri que ele não usa mais esse nome. João Antônio não é o nome que ele usa, apesar de ser parecido.
Conto pra vocês, não porque acho que precisam dele, mas porque sei que não aguentarei por muito tempo e vocês precisam saber a verdade. Ele não aguentou viver uma situação de pobreza e se aproveitou da minha inocência para me deixar sozinha com dois filhos. Dois filhos maravilhosos, que só me dão alegria.
Meus filhos, amo demais vocês e espero que me perdoem por ter omitido de vocês essa história. Só que me doeria muito, mais do que um câncer, se eu descobrisse que se encantaram com o pai de vocês, simplesmente pelo fato de ele estar vivendo de uma outra forma, talvez mais atraente que a nossa.
Amo vocês, me perdoem.”
Ao terminar essa leitura, não consegui mais pensar. Me deitei no sofá e só voltei pra realidade quando senti o abraço do meu irmão. Nossa missão, desde esse dia, passou a ser buscar pelo meu pai. Não porque ele mereça nossa companhia, mas pra mostrar pra ele quem somos e que ele deveria se arrepender por ter perdido o amor de dois filhos que sempre se esforçaram para mudar a condição de vida.
Enfim, essa vontade nos martelava, mas outras coisas me preocupavam. Desde que conheci Guto, vivia pra ele, evitando me envolver com outras pessoas. Até surgiam algumas oportunidades, mas eu tratava logo de dispensar. Um colega de faculdade, Raul, acabou se tornando um grande amigo depois que dei um fora nele.
- Mas por quê não? Você é solteiro, eu também. Você mesmo disse que me acha legal e bonito. Fica comigo?
- Raul, eu não sou solteiro.
- Não? Poxa, você nunca disse nada. Quem ele é?
- Depois a gente conversa sobre isso.
Saí em disparada pra fugir do assunto. Ninguém poderia saber que eu namorava Gustavo Lamberi. Aliás, eu namorava?
Cheguei na empresa mais cedo do que de costume e sentei na minha sala, com vontade de enfiar a cara no trabalho e
esquecer a situação. Minha paz não durou muito.
- Garoto, aqui estão os convites. Ia pedir pra minha secretária fazer isso, mas te ver atoa mudou minha ideia.
- Convites?
- Sim, garoto. Acorda! Convites do casamento do meu filho. Dá um jeito nisso chegar nos convidados em dois dias. Quero a igreja cheia.
- Senhor Antônio, mas eu não tenho o endereço de todos.
- Você quer que eu te explique seu trabalho? Incompetente!
Ele saiu gritando e eu tive que abrir pra ver. Sim, era o convite de casamento. Meu amor se casaria com outra.
CONTINUA...