Capitulo 19
Continuei a ir para a academia todos os dias. Socava, socava e socava até ficar com as mãos doloridas, mas em compensação chegava em casa com apenas um pensamento na cabeça: Dormir. Tinha dias que eu chegava tão esgotado fisicamente que só me jogava na cama e apagava. Heitor, o homem que eu conheci no primeiro dia, não me deixada desmotivar. Sempre que eu tentava dar para trás e ele segurava minhas mãos, olhava em meus olhos e falava " Nunca desista de seus objetivos". Minha frustação tinha diminuído bastante, já conseguia ficar em casa sem ficar olhando no celular a cada dois segundos, Li disse que ia me procurar quando eu quisesse ser procurado. Mas como eu iria saber se ele estava aqui se ele não me ligasse? Mas sempre que eu pensava nisso tratava logo de ocupar minha mente com outras coisas, estudos, comidas, musicas, tudo menos no fato de Li ter me abandonado.
Meus irmãos estavam agindo muito mais como irmãos do que foram durante aqueles quatro anos seguidos. Eu estava começando a agir como irmão e não como pai deles. Brigávamos e depois fazíamos as pazes, como irmão deveria agir com o irmão. E isso estava começando a ser normal para gente, um bando de crianças quebradas em corpos de adultos tentando serem felizes. Pena que a minha felicidade estava do outro lado do mundo.
Estávamos na academia, Caio e Pedro estavam levantando peso, rodeados de mulheres que paqueravam eles a todo instante. Larissa corria na esteira, homens inclinavam as cabeças para ver os movimentos das penas e bunda dela. Eu estava no meu lugar de sempre, socando um saco de areia. Heitor estava sentado no chão acolchoado conversando comigo.
- Chris? - Eu não virei o rosto. Nas vezes que eu tinha feito isso Heitor me deu uma rasteira, dez vezes ele me chamou, dez vezes eu virei, dez vezes eu cai. Agora estava esperto, escutei a risada baixa dele - Você pode me olhar, não vou fazer nada.
Mentiroso! Mentiras, mentiras e mais mentiras. Era nisso que meu mundo estava imerso nela. Quem mentiu para mim sobre confiança? Meu pai, morreu. Quem mentiu sobre os meus esforços para com eles? Meus irmãos, falsos. Quem mentiu sobre me amar e nem se importar comigo? Li, meu ex amigo. E a maior mentira de todas, eu teimava mentir para mim sobre ser feliz por mim mesmo, eu era um poço de mentira. Quando ia socar o saco de areia senti a mão grande e quente de Heitor, ele abaixou meu braço lentamente e me puxou até o canto mais afastado. Estava respirando pesadamente e meus braços estavam doloridos.
- Eu disse que não ia fazer nada, Chris - Abracei meus joelhos e coloquei meu queixo sobre eles, não respondi nada, não queria, não podia, não conseguiria.
- Heitor - Disse depois de alguns minutos de silencio - Faz apenas 15 minutos que eu cheguei aqui e você já deu por encerado o meu treino?
- Era isso que eu queria falar com você - Ele levantou meu queixo me fazendo olhar para ele, dei um sorriso de canto de boca quando olhei o seu sorriso cheio de dentes - O que acha de mudarmos seu treino hoje?
- O que você sugere? - Me levantei e depois ele.
Heitor veio como um touro para cima de mim, consegui desviar no ultimo segundo, ia gritar com ele, perguntar se ele estava louco? Mas ele já estava vindo de novo para perto de mim, dessa vez não deu para eu desviar. Heitor me acertou no peito e me esmagou contra a parede, meu ar foi arrancado do pulmão e fiquei tonto. Nem deu tempo de gritar.
- Bater em uma coisa inanimada é muito fácil - Ele disse, sua boca estava a centímetros da minha, sentia sua respiração quente no meu rosto - Exige mais esforços com um objeto em movimento.
Ele me soltou e eu cai de joelhos no chão acolchoado, arfando em busca de ar. Mas que loucura era essa? Levantei a minha cabeça e Heitor estava parado a alguns metros de mim, com as mãos cruzadas na altura do peito, como se não tivesse acabado de quase me quebrar em dois, a postura sugeria que ele estava relaxado, me esperando levantar. Trinquei meus dentes e me levantei, arquejei de dor quando senti o lugar onde se chocou contra a parede latejar. Mas permaneci em pé.
- Você tem razão – Falei – É muito fácil com o saco. Pode vim, Heitor.
Ele abriu ainda mais o sorriso que tinha no rosto e veio na minha direção, o braço esquerdo em riste com um punho perfeitamente na ponta, esperei até o ultimo segundo, desviei. Dois de seus dedos pegaram em meu ombros, não doeu, mas incomodou bastante. Me virei tentando pegar ele de surpresa, mas eu que fui. Heitor bateu com a palma da mão aberta bem no meu do meu peito, pela segunda vez naquele dia, fiquei sem ar. E não foi por emoção ou admiração.
- Muito lento, Christian - Já tinha reparado que Heitor nunca me chamava pelo meu apelido, apenas o meu nome completo. Estranhei no primeiro momento, depois meio que se tornou normal, era o jeito dele me chamar - Estar tão carregado de problemas que não consegue se mover rapidamente.
- Isso é mentira - Não tinha como negar que ele não era daqui, pelo jeito que sua língua se enrolava em meu nome era diferente. Ele pronuncia Christy-ann, quase como se meu nome tivesse duas silabas - Problemas não deixa uma pessoa pesada.
- Não - Respondeu, todo esse tempo nós estávamos rodeando a área de treino, como dois felinos. No meu caso um gato maltrapilho contra um tigre siberiano altivo - No seu casso problemas escorrem pelos seus poros, você respira e inspira problema. E um poço de tristeza, isso tudo deixa a pessoa " pesada".
- Então eu sou um poço de problemas e tristeza ambulante? - Fiz aspas igual ele fez quando falou pesado. Ele parou e eu também, ficou me encarando e eu encarava de volta. Foi rápido, em um segundo suas duas pernas estavam no chão, no outro sua perna direita estava no ar, ele estava muito longe para me chutar, pensei que ele só queria se mostrar, me fazer ver que ele era melhor do que eu. Mas me enganei, e me enganei feio, a perna dele não podia me atingir naquela distancia, isso era impossível. Mas o alvo não era eu, mas sim o saco de areia.
O peito do seu pé fez contato com o material duro do saco de areia, o som se alastrou, mas não foi muito longe. A musica não deixou o som de propagar. O saco de areia se moveu, continuei olhando para ele. Exibido, abri um sorriso para ele e disse essa palavra para ele, queria se mostrar que podia chutar o troço que podia muito bem ter o triplo do meu peso. Que quebrasse o pé, ele não falou nada, apenas apontou para o lado. Olhei para onde ele estava apontando bem na hora que o saco de milhões de quilos se chocou contra mim.
Cai de costa no chão, e olhei estupefato para o teto. Ele não tinha feito aquilo para se exibir, ele tinha me acertado sem nem me tocar, três vezes em menos de cinco minutos. Ele tinha razão estava tão pesado que se me jogassem na agua afundaria e ficaria lá a eternidade. Heitor apareceu no meu campo de visão com um largo sorriso no rosto, meu ombro direito estava queimando, mordi o lábio inferior para não gritar de dor quando tentei me levantar, ele estendeu a mão e eu aceitei.
- Você estava tão focado em mim que nem notou no que eu estava fazendo - Falou assim que fiquei de pé, massageie meu ombro e franzi a testa em dor, Heitor estreitou os olhos quando viu a minha expressão, mas não falou nada - Até seu cérebro estar sendo afetado por toda essa tristeza e problemas.
- Isso é uma maneira gentil de disser que eu sou um retardado mental? - Estava tentando soar ameaçador, mas saiu muito mais ofendido, magoado e com dor. Heitor deu um passo para frente e eu dei um para trás.
Já estava muito dolorido para apanhar ainda mais, ele parou e levantou as mãos até estarem acima da sua cabeça. Andei até minha costa bater na parede, ele preencheu o espaço que tinha entre nós em apenas três longas passadas.
- Deixa eu ver - Ele Tirou a minha mão que estava sobre o meu ombro e franziu o hematoma que tinha se formado ali. Apareceu pequenos vincos em seu nariz, consegui ver a cor de seus olhos, castanhos claros, seus dedos longos e macios começaram a massagear aquela área - Foi apenas uma contusão muscular fraca, não é nada grave.
- Imagina a grave - Como já estava encostado na parede, apenas deixei as minhas pernas - já fracas - me levarem para baixo, no segundo que eu sentei no acolchoado explodi em choro. Toda vez era assim, treinava a parte física, ficava esgotado e depois chorava. Agora com mais frequência na frente de Heitor - Sou uma tragédia, um rascunho de ser humano.
- Se todo rascunho fosse como você Christy-ann - Falou, ele estava sentado do meu lado, ainda massageando o meu ombro - Então todas as outras pessoas seriam Best Seller mundial.
Dei uma risada chorosa, Heitor tinha quase o mesmo senso de humor de Li, e me arrependi depois que pensei no meu namorado, chorei com mais força. Já ia fazer três semanas e nada de Li voltar, tinha parado de mandar mensagens para ele. Já tinha ido até na casa dele, com esperança que ele já estivesse voltado e estava esperando - frustado - que eu ligasse para ele. Mas dei viagem perdida, a casa estava com aspecto limpo e inabitável. Dava a sensação de solidão de que aparentava.
- Alguns nascem para serem Best Seller - Falei e recostei minha cabeça na parede - Outros nascem para limpa bunda na falta de papel higiênico. E eu estou encaixado na segunda parte.
Heitor não falou nada, mas eu vi quando seu corpo chacoalhou quando ele riu.
Ele continuou a massagem.
****
Batucava com a caneta na madeira da cadeira da faculdade, estava no terceiro horário e eu já estava quase saindo correndo dali. Para mim o professor estava falando japonês.
Japonês, Li, Viagem, Aeroporto, Meia hora.
Essas palavras não estavam em minha cabeça e sim na minha sala. O burburinho de gente falando era grande, e o assunto era Li. Rapidamente toda aquele tedio se esvaiu do meu corpo, não queria admitir mais estava feliz por alguém ter noticias dele. Esperei a garota que estava sentada do meu lado terminasse de cochichar com a amiga para poder cutucar ela e falar:
- Eu ouvi direito? - Sussurrei - Vocês estavam falando alguma coisa sobre Li.
- Estávamos - Respondeu - Ele ligou para Leisha e disse que estava voltando para o Brasil. Quer disser, ele ligava para Leisha todo dia - Ela franziu a testa e me olhou engraçado - Ele não ligava para você? Pensava que eram unha e carne?
- Claro que sim - Respondi, virei para a frente. A mentira veio com um gosto tão forte na minha boca. Leisha? Leisha, a garota que todos falavam que era namorada de Li, eu cheguei a acreditar por um tempo que eles realmente estavam juntos. Traição se apoderou do meu corpo, ele ligou para Leisha, mas não ligou para o seu suposto namorado? Não sei como consegui, mas fiz. Me virei novamente e perguntei com a maior calma possível - Qual é a hora do voo dele? Me esqueci completamente.
- Só vamos terminar de assistir essa aula - Respondeu ela - Depois vamos todos para o aeroporto. Se quiser pode vir com a gente.
- Eu adoraria.
*****
Quando chegamos no aeroporto encontramos com centenas de adolescentes conversando alto e gritando em expectativa, consegui olhar em um cartaz que uma menina tinha na mão as palavras " Amo vcs!", outra segurava um dissendo "RiDeMoHi, vcs são tudo para mim". Aquele nome mexeu com uma parte de mim, algo que teimava em minha mente. Continuei andando com o nosso pequeno grupo que estava indo recepcionar Li.
Os adolescentes continuavam gritando. Um garoto da nossa turma foi perguntar para uma moça no balcão onde ficava o portão de desembarque do voo que vinha do Japão com conexão em São Paulo. Ela apontou para o portão que ficava ao lado do que estava repleto de adolescentes.
Mal nós chegamos perto da faixa que separava os que estavam esperando do que os que estavam chegando de viagem, o portão de desembarque se abriu e varias pessoas saíram. Minha esperança retornou quando vi Marvin, o sobrinho de Li estava nos braços da avó, ele apontava animadamente para os adolescentes e provavelmente fazendo mil pergunta para a avó.
Depois saiu o pai de Li, Shaou e a esposa. E para a minha surpresa Leah também, pensava que ela era o motivo da demora deles no Japão, estava até disposto a perdoar eles por causa dela. Mas ali estava ela, mas saudável do que eu me lembrava. Ela estava rindo, com as bochechas coradas e os cabelos brilhosos já estavam bem grandinhos. E finalmente ele, o cara que eu tanto gostava. Li apareceu e todos da minha turma gritaram, e os adolescentes também gritaram, pessoas estavam saindo pelo portão que eles estavam aguardando.
Li abriu um sorriso que eu tanto gostava e eu gritei junto com os outros. Parei de gritar quando vi que Li não estava rindo para mim, nem para as pessoas gritando. Ele estava sorrindo para um garoto - japonês - que deveria ter a minha idade. O japonesinho, ficava vermelho e olhava para o chão. Meus olhos que já eram grandes, ficaram maiores. Leisha começou a gritar "Beija, beija, beija" e depois vários outros seguiram com o coro.
E para o meu pavor ele inclinou a cabeça e arrebatou o mais baixo com um beijo. Arquejei, mas não fui escutado por ninguém. Sai cambaleando dali, lagrimas descendo pelo rosto. Trinquei os dentes até doer, não queria chorar. Dei alguns passos até sentir uma mão em meu ombro. Pensei que fosse Li, me virei pronto para gritar com ele. Mas não era ele.
- Demorou, mas finalmente de encontramos Tiam.
Com um estalo me lembrei: RiDeMohi, a banda dos meus antigos amigos.
E na minha frente estava parado um deles.