Assim que acordei no outro dia, antes mesmo que Pedro levantasse, dei um jeito de ir embora. Não iria conseguir encará-lo. Dei uma desculpa para a minha tia, disse que tinha que resolver um trabalho de escola do qual eu havia esquecido. E saí correndo para casa.
A verdade é que eu passei semanas até ter coragem de aparecer na casa de Pedro de novo, de encará-lo novamente, depois do que havia acontecido. Estranho que ele nunca mais mencionou nada, fingiu que aquilo nunca havia acontecido. Não sei se isso era um alívio ou um tormento, pois o silêncio dele fazia aumentar a minha dúvida.
Essa perturbação foi sentida na escola. Meu rendimento caiu, tornei-me mais distante dos meus colegas e devo ter brigado mais uma vez com algum professor. Minha mãe foi chamada para conversar com alguma pedagoga novamente. E eu não sabia explicar o meu comportamento.
Acontece que o meu colega, o Tiago, continuava se importando comigo. Na verdade, ele parecia ser o único daquela escola toda que realmente se importava. Não sei o que eu tinha que chamava a atenção dele, mas ele sempre tentava ser agradável e se mostrava interessado comigo.
Para ele, a solução para todos os meus problemas era ser mais popular, ser mais sociável, facilitar as coisas para as pessoas, ser simpático e agradável. Talvez ele realmente tivesse razão, mas aquilo era exigir demais de mim naquela época. Muitas vezes eu ficava ao seu lado como um adendo invisível no intervalo das aulas, sendo ignorado ao lado do cara mais legal da turma.
Mas ele nunca desistiu de mim, sabe-se lá porque. Talvez eu devesse saber desde o começo, mas estava focado demais em meu próprio drama pessoal para notar qualquer coisa que acontecesse a um palmo do meu nariz.
Certo dia, enquanto eu ainda estava evitando o meu amigo Pedro, Tiago resolveu me acompanhar uma grande parte do caminho depois das aulas. Eu morava no centro da cidade, mas caminhava uns 20 minutos para chegar a escola, que ficava em um bairro de alto padrão próximo.
Tiago não estava fazendo o caminho habitual dele, sua casa era perto da escola e ficava do outro lado. Como o bairro era de casas grandes e muradas, condomínios fechados e prédios residenciais, havia pouco movimento naquele horário nas ruas vazias e cobertas por árvores frondosas.
O Tiago vinha tentando desenterrar algo sobre mim, tentando me fazer rir com seus casos engraçados, tentando fazer com que eu me abrisse pra ele, sem sucesso.
- Para Renan, qual que é o seu problema, tô do seu lado há um maior tempão, sou seu amigo porra! - esbravejou Tiago, me empurrando um pouco.
- Tiago, foi mal, mas ninguém te pediu pra ser a minha babá! To de boa assim, dá pra entender? Eu não preciso ser que nem você pra ser feliz - respondi com raiva.
- Você não se cansa de sempre andar na contramão? - nunca me esqueci dessa pergunta, nunca. Ela me desarmou por completo. Eu não conseguia entendê-la completamente, nem o olhar confuso que ele me lançava.
Olhei bem para Tiago. Estávamos parados um de frente pro outro. Ele era uns dez centímetros mais alto do que eu (1,60m mais ou menos naquela época, só fui crescer mesmo mais tarde, mas mesmo assim ainda não sou alto), era magro, tinha o corpo esguio, os braços longos e finos. O cabelo bem preto, bem fino, espetado. O olhar bem escuro, profundo. Uma leve penugem acima dos lábios que lhe davam um tom engraçado.
Era particularmente bonito, não lindo, mas de uma simpatia atraente. Resolvi ser o mais sincero que eu podia:
- Não posso ser livre com o que está preso dentro de mim.
Tiago se aproximou de mim, como que adivinhando tudo que se passava dentro de mim. Não passava nem um carro naquela rua, somente os pássaros cantavam alegremente na árvore acima de nossas cabeças. Ele pegou as minhas mãos nas dele, como se fôssemos dois irmãos.
- Se existe uma chave, ela está em suas mãos - ele me disse.
Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo, eu não conseguia acreditar que ele podia ser tão profundo e sensível. Enquanto eu estava perdido nos meus devaneios, Tiago tentou me beijar. Em um reflexo, eu me afastei bruscamente, tirei minhas mãos das dele, o olhei assustado, sem dizer nada.
- Não há errado e certo - ele falou ansiosamente, como algo ensaiado, repetido muitas vezes, talvez para ele mesmo. Talvez ele estivesse justificando a si mesmo.
Mas as questões ainda persistiam em minha mente. Um silêncio constrangedor se passou entre nós. Eu não conseguia dizer nada, fazer nada. Mas também não conseguia ir embora.
- Gostaria de abraçar você se eu pudesse - Tiago finalmente quebrou o silêncio.
Eu senti como se estivesse com uma corda no pescoço. Eu não conseguia ver o que estava por vir. Dois garotos solitários um de frente ao outro. De cabeça baixa eu vou contando os meus passos, hesitante em direção a Tiago, enquanto um carro passava acelerado por nós. Todos os sinais que nós ignoramos por toda nossas vidas.
Eu fui em direção a Tiago, como se estivesse percorrendo milhas de distância, agora não havia como voltar. Eu paro diante dele. Sorrio. A quem eu estou enganando? (A mim ou a ele?)
Ele me envolveu com seu abraço fraternal, seus braços longos me tomando por inteiro. Pude sentir o seu cheiro, seu corpo quente contra o meu, sua respiração ofegante. Estava com a cabeça inclinada em seu peito, como que me escondendo, ele levantou meu rosto, puxando-me mais para ele, e debaixo daquela árvore, alheios ao resto do mundo, demos nosso primeiro beijo. Meu primeiro beijo com um homem.
Foi molhado, foi ardente, foi bom, sua língua invadindo ansiosa a minha boca. Ele me apertou bem forte, me empurrou contra o tronco da árvore, suas mãos agarrando minha cintura. Nos beijamos por um longo tempo, como se nunca houvéssemos feito isso antes. Embora nunca antes um beijo tenha significado tanto para nós.
Minhas mãos estavam em seus ombros, em suas costas, tímidas. Era uma situação impossível, e eu começava a acreditar que essa impossível situação era o que eu vinha tentando conseguir há um bom tempo. Ele me beijou a face, de forma casta.
Nos afastamos rapidamente com o barulho de um carro vindo. Seguro fortemente a mochila em minhas costas, trêmulo. Quero fugir, mas não iria sem a sua permissão. Ele sorri encabulado:
- Amanhã nos falamos mais - disse ele, acenando em despedida.
Eu simplesmente me virei, dei as costas e parti. Tentando fugir de novo. Era tudo ou nada. Tudo ou nada.
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Quem tiver curtindo, comenta ok? ;D