Sentia a forte chuva em meu rosto, as lagrimas se confundiam com a quantidade de água que escorria por ele, eu estava descalço, havia jogado meus sapatos não sei aonde e me encontrava encolhido defronte a um luxuoso edifício no centro da cidade, minhas roupas estavam imundas, meu cabelo sem brilho algum e bastante grande. Já eram mais de onze da noite quando enfim resolvi me levantar, não sabia pra onde ir. Caminhei por alguns minutos e encontrei um um caixa eletrônico, tirei minha carteira encharcada do bolso e tentei verificar o quanto tinha de dinheiro na conta, a única coisa que ainda me restava, pouco mais de quinze mil reais, foi o que gastei comprando uma pequena casa num bairro bastante afastado da cidade, após isso tentei conseguir um bom emprego, mas infelizmente não consegui nada.
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Uma pizza fumegaste estava na bandeja em minha mão, na outra havia outra bandeja na qual eu equilibrava seis taças de chop, na mesma na qual eu servia haviam quatro ricos universitários da faculdade pública na qual eu estudava. Como sempre eu ouviria as chacotas calados e no fim do expediente choraria pensando o quão inútil sou, já fazem três anos que tudo aquilo aconteceu, mas uma ferida ainda se encontra aberta, eu ainda sinto tudo na pele, a cada dia. Eu estava trabalhando durante a noite e cursava a faculdade durante o dia, em período integral, não havia amigos desde que tinha me fechado ao mundo, há três anos!
A pizzaria se manteve aberta até as três da manhã, cheguei e casa e tomei um banho antes de dormir, o que ganhava mal dava pra pagar as contas, então guardava o pouco que sobrava e em certo período conseguia dinheiro suficiente pra comprar algo pra mim, ou pra casa, além do básico é claro. Me deitei, o sonho foi conturbado como acontece há três anos, me lembrei da queda no asfalto quente naquela tarde quente, e a chuva que me banhou a noite toda junto as lágrimas, lembrei dos meus gritos de desculpa e das portas se fechando a minha frente, talvez eu tenha desistido de um futuro, de trabalhar em uma grande empresa, mas meus sonhos se baseavam na vontade de aprender e não na de trabalhar na área, então consegui uma faculdade pública de engenharia.
No outro dia acordei cedo, ás seis e meia, tomei banho e me troquei, caminhei por meia hora pois não podia pagar por dois ônibus por dia, cheguei atrasado na faculdade pois o primeiro ônibus estava lotado a ponto de não dar pra entrar e o outro demorou a passar. Entrei na sala de cabeça abaixada e caminhei até meu lugar, eu via a cara de deboche e inclusive nojo dos ricos, e os outros que não debochavam apenas me ignoravam. A minha frente hoje estava um garoto que de costume se sentava no fundo, os olhos verde claro o cabelo preto, era bem forte e ás vezes eu me encartava com os sorrisos que ele fazia enquanto conversava com os alunos estranhei a atitude pois ele parecia bem rico e geralmente ninguém se sentava perto de mim, saí do meu transe quando tropecei no pé de um aluno, que havia o colocado propositadamente a minha frente, ouvi também um “acorda bichinha”, e risos de todos os cantos, ninguém disfarçava, então voltei a abaixar cabeça e me dirigi ao meu lugar de costume. A faculdade era triste também, eu sempre tirava boas notas, mas era mais difícil pois eu precisava recorrer a trabalhos mais humildes pois não tinha condição de utilizar recursos muito avançados, e pra conseguir nota eu precisava falar bem e ter um assunto bastante bom. Meu curso exigia o desenvolvimento de muitos produtos de eletrônica, muitos alunos haviam várias placas, de diversas arquiteturas, enquanto isso eu trabalhava com apenas uma que eu tentava fazer tomar várias formas e funcionalidades pra tentar criar meus próprios produtos, acho que esse esforço em tornar algo humilde em brilhante me ajudava.
— Oi, pode me emprestar seu compasso?
Meu pensamento foi cortado por uma voz, era máscula, talvez um pouco rouca, mas uma rouquidão sexy , olhei pra frente na hora, não deu tempo de conter uma lágrima, mas depois que ela caiu me assegurei de secar todas as outras que vieram após. — Ah, é.. ele está aqui.. Pega! - Eu disse entregando a ele o compasso que estava em cima de minha mesa, era um pouco velho, eu o usava há alguns anos. Mas acho que eera funcional, ele o pegou, usou e logo agradeceu devolvendo e se preocupou em perguntar o porque eu chorava. — Por nada, foi só.. só um cisco no meu olho! - Eu não consegui pensar em algo mais original.
— Não acho que tenha sido um cisco, mas se é por causa do pessoal daqui, apenas ignore, eles são idiotas demais pra merecerem atenção. — Ele disse sorrindo e se voltando pra frente.
— Obrigado. — Eu disse tomando atenção ao que era pra fazer.
No final da manhã descia a pé pra minha casa, não poderia pagar dois ônibus como sempre e então preferia pegar sempre o do segundo ponto, um carro se estacionou ao meu lado e eu me assustei, imaginei um assalto ou algo do tipo.
— Desculpa assustar, sou eu, o cara do compasso, lembra?
— Ah sim
— Eu me chamo Luís Otávio. Posso te dar uma carona? — Ele disse sorrindo
— Ah, eu sou o Rafael e não precisa, já está bem perto. — Eu disse sem expressar emoção.
— Eu insisto — Ele disse saindo do carro.
— Não, eu não vou, você não precisa ir até a minha casa.
Então continuei caminhando, enquanto atravessava a rua, com um sinal fechado uma moto praticamente avançou sobre mim propositadamente e eu pude ver o aluno de minha sala rindo enquanto continuava correndo. Eu havia caído, com o tombo minha calsa rasgou e meu joelho estava ralado, levantei e saí mancando, Luís Otávio que ainda estava parado no mesmo lugar que antes corre e me agarra antes de eu ter atravessado.
— Deixa eu te ajudar, precisa ir num hospital. O Tiago é um idiota mesmo. — Ele disse.
— Me larga, preciso ir embora.
Tentei me debater, no entanto ele me agarra com mais força e me carrega até seu carro, abre a porta do passageiro, me coloca sentado e corre pro outro lado não em dando tempo de descer, então ele dá partida e sai em direção a um hospital.
— Só ralei o joelho, não preciso de um hospital, só me deixe ir pra casa.
— É só dizer o caminho.
Não queria que ele me levasse, ele iria sentir pena de mim, ou talvez iria rir da minha situação. Afinal eu era uma criatura deplorável, muito magra com cabelos sem brilho algum, olheiras por dormir muito pouco e que insistia em fazer uma faculdade de engenharia sem ter condições financeiras de bancar ao menos o trajeto. Mas ele estava impassível, então o jeito foi ditar o caminho e em menos de vinte minutos estávamos no distante bairro de frente a uma casinha amarela que havia sido pintada por mim mesmo.
— Obrigado. — Agradeci sem olhar nos seus olhos, torci pra que não entrasse. No entanto ouvi a porta batendo e ele já havia descido do carro e me acompanhava até o portão de casa. Abri o portão e Thor, um labrador que eu havia ganhado quando pequeno, e meu único amigo nestes três anos estava correndo pra cima de mim, eu ri e Luís Otávio continuava na porta.
— Não vai me convidar pra entrar? — Ele disse sorrindo.
— Fique a vontade .
Eu destranquei a porta da sala dando visão ao pequeno cômodo onde havia um sofá de dois lugares e uma rack e TV pequena. Haviam fotos de Thor, apenas de Thor espalhadas por toda Rack, e num quadro na parede apenas a foto de uma mulher, minha mãe faleceu quando eu tinha três anos.
— Não repara na bagunça tá?
— Isso está minuciosamente organizado! Não há bagunça. — Ele disse sorrindo e colocando a mão em meu ombro. — A gente precisa ver esse ralado no seu joelho.
— Acho que está tudo bem, vou apenas tomar um banho. E, depois vejo o que faço.
— Ou você toma o banho e eu te espero pra fazermos um curativo! Decidido! É isso.
Em meio a ordem entrei no banheiro, eu estava abismado pois nunca alguém havia entrado em minha casa e eu sentia medo de que tivessem pena de mim, não acho que deviam sentir, no entanto Luís Otávio foi diferente, ele não sentiu pena pois estava simplesmente preocupado em fazer um curativo.