O som irritante do despertador me acorda em mais uma apagada manhã de terça. Levanto-me cambaleante da cama e rumo ao banheiro. Ligo o chuveiro e com o braço esquerdo testo a temperatura da água e entro bruscamente debaixo da gélida água para acordar totalmente. Com a bucha ensaboada percorro todo meu corpo.
Deslizo de meu pescoço até o pulso delicadamente, sentindo a aspereza da bucha em minha pele alva e macia. Pego o sabonete em minhas mãos e vago com ele entre meus seios fartos. Fecho meus olhos e passo o indicador em círculos lentos pelo bico e sinto-o ficar rijo.
Suspiro.
Continuo a procissão por toda extensão de minha barriga até chegar em minhas coxas.
Passo a mão suavemente pela parte interna delas, do joelho a virilha lisa.
Ensaboo todo o meu sexo e enxáguo-me toda.
Saio do chuveiro sem toalha e paro na frente do espelho, como todas as manhãs.
Vejo o mesmo rosto magro, os mesmos olhos verdes, a mesma pele branca, os mesmos lábios vermelhos, os mesmos cabelos negros e ondulados até a cintura e a mesma expressão indiferente e vazia.
Coloco então minha calcinha e sutiã, uma calça justa e rasgada, a camiseta branca do uniforme e um sapatênis feminino branco.
Sento em minha cama de casal, olho minha estante de livros entre a porta do banheiro e a do corredor, o quadro em cima da cabeceira de minha cama na extremidade oposta, minha escrivaninha a minha esquerda e meu guarda-roupa a minha direita. Procuro desesperadamente uma razão para abrir um sorriso e n encontro, acabo desistindo.
Desço as escadas até a cozinha onde posso ver Flávia sentada na mesa de dois lugares. Ela toma calmamente seu café enquanto corrige provas de seus alunos. Ao entrar no cômodo meu sapato faz barulho no chão, atraindo sua atenção indesejada para mim.
Flávia olhando-me com receio: Filha, sente comigo.
Ignoro-a e caminho em direção a geladeira que fica em suas costas, pego uma maça, lavo e saio de casa sem olhar para trás.
Ando 5 quadras até chegar a minha escola. Pego a carteira escolar e passo na catraca do portão para autorizar minha passagem. Ando pelos corredores lotados até chegar a sala com um enorme "BEM-VINDO AO 3 EM" que permanece em cima da porta desde a volta às aulas.
Estamos no meio de Março mas a mensagem continua lá, intocada.
Naturalmente caminho até meu lugar na frente da sala onde permanecerei sentada por 5 horas seguidas, levantando-me apenas para tomar água durante o intervalo
Ao meu redor as carteiras estão preenchidas apenas por materiais cujos donos estão fora esperando o soar do sinal. Exceto pela carteira ao meu lado que permanece vazia desde o inicio do ano letivo.
Minutos se passam enquanto observo, pela janela ao meu lado, o pátio da escola rodeado por todas as salas num enorme U.
Barulho de conversa as minhas costas me trás de volta a realidade e dou-me conta de um constante fluxo de alunos adentrando a sala.
Meninos com um olhar brincalhão e meninas soltando risinhos eufóricos enquanto olham e conversam com a ultima pessoa de toda a multidão. Continuo a olhar com indiferença quando noto cabelos ruivos mexendo-se levemente. Desço os olhos e encontro um curioso olhar castanho claro me fitando.
Me obrigo a virar o rosto e encaro o quadro branco a minha frente que logo vejo começar a ser preenchido pela professora de física.
As horas de arrastam e enfim ouço o sinal anunciando o intervalo. Levanto-me preguiçosamente e caminho sem pressa até o refeitório onde aguardo na fila para comprar uma garrafa de água. Espero pacientemente até ouvir uma voz suave ao pé do meu ouvido: Você não vai se apresentar?
Viro bruscamente e me deparo com olhos castanho claros, um nariz pequenino e arrebitado e uma boca rosada que sorri para mim. Fito novamente seus olhos e antes que pense em algo para responder ela segue falando: Sou a Anna, prazer. Hoje é meu primeiro dia, todos se apresentaram exceto você.
Olhos suas quase invisíveis sardas e digo: Julia.
Ela: Desculpe, o que disse?
Suspiro olhando novamente para sua boca: Julia. Meu nome é Julia.
Viro em direção ao balcão e noto que chegou minha vez. A senhora que atende ao perceber que é a freguesa acena afirmativamente com a cabeça e entrega-me meu pedido sem troca de palavras.
-Uau, isso é muito legal. Esse lance de ela saber o que você quer. É igual a você ir em uma lanchonete e pedir "O de sempre, por favor".
Deparo-me surpresa com a Anna ao meu lado, achei que já teria voltado para a simpatia de outras pessoas.
Retorno a sala, bebericando o líquido e mais uma vez me surpreendo com a voz suave ao meu lado: Sabe, você não é muito comunicativa.
Sem virar em sua direção respondo: Não tenho hábito de conversar.
-Devia ter, sua voz é linda.
Tal elogio pega-me de surpresa e viro a cabeça em sua direção encontrando um lindo sorriso em sua face.