Não estou acostumada a receber elogios. Vagamente constrangida viro minha cabeça para frente acelero o andar e finalmente sento-me em meu lugar. Assim que Anna passa do meu lado em direção ao fundo da sala a sigo com o olhar. Vejo o caminhar confiante, seu rebolado. A vejo atrás de sua carteira, debruçando-se para frente. Vejo parte de seus seios por entre a gola de seu uniforme. Seus movimentos param e fito seus olhos a me observar me dando então uma piscadela abrindo um largo sorriso. Sinto-me corar e volto o corpo a minha posição inicial.
Fecho os olhos, imagino Anna passar suas mãos por minhas costas enquanto mantém seu corpo colado ao meu, minhas mãos em sua coxa e cintura.
-Julia - ela me chama - a aula começou.
Concentro-me então no professor a minha frente. De pouco em pouco pego-me olhando Anna fazendo anotações. Olho seus dedos finos, sua unha bem feita, sua firmeza ao segurar a caneta.
Em determinado momento ela vira em minha direção e sorri de canto de boca.
Suspiro. O sinal bate anunciando o final do horário escolar. Arrumo minhas coisas e saio. Enquanto passo pela saída ouço ao longe: Julia! Julia! Espera!
Viro e vejo Anna correndo em minha direção. Ela para em minha frente ofegando levemente.
-Você.. Você quer ir na sorveteria hoje? Chamei todas meninas. Queria que você fosse também.
-Nunca sai assim. Tenho certeza que não sou bem-vinda. Agradeço o convite.
Começo a virar quando ela segura em meu braço: Espera. Eu estarei lá, você é bem-vinda pra mim.
-Desculpe mas a resposta continua sendo "não". Tchau.
Quando já estou a 3 passos ouço-a: Até mais
Retorno então á minha casa. Preparo o almoço para mim, filé de frango grelhado, brócolis e arroz. Como sozinha sentada junto á mesa. Limpo tudo que sujei e subo as escadas até o quarto. O fato de ficar sozinha em casa todos os dias de semana me acalma. Flávia trabalha todas as manhãs, tardes e 3 noites nos dias nos 5 dias letivos da semana. Os finais de semana tenho que esquivar-me pela casa para não encontrar com ela.
Tiro toda minha roupa ficando apenas de lingerie, pego um livro de minha estante e deito para ler. O tempo passa e quando desço para comer uma fruta noto que já passa das 17 horas.
Vou me trocar então colocando um short bem curto e batido, uma regata branca solta, chinelo e prendo o cabelo. Tenho de ir ao mercado, pego o dinheiro em cima da geladeira, anoto em minha mão uma pequena lista de coisas e saio.
É uma caminhada de 3 quadras. Logo estou no mercado, pego um carrinho pequeno e ou em direção aos imensos corredores. Estou distraída tentando decidir qual molho de tomate pegar quando sinto mãos segurando firmemente minha cintura. O toque é bom e não tenho vontade de me mover, a aquela altura eu já imagina quem seria.
-Não quis ir a sorveteria comigo mas o destino resolveu nos juntar - ela fala em meu ouvido.
Um arrepio é inevitável, viro lentamente. Sua expressão é intensa e me faz perguntar no que está pensando.
-Acho que você está me seguindo, isso sim.
Ela então solta uma gargalhada de puro divertimento: Quem sabe?
Jogo o molho de tomate que estava em minha mãos no carrinho e saiu de la.
-Sabe Julia, você deveria pelo menos tentar falar comigo. Você não vai se livrar de mim tão fácil. - Anna diz enquanto me acompanha.
-Não estou tentando me livrar de você.
-Você não precisa ser sozinha assim. Quero ser sua amiga.
-Eu não sou sozinha - minto.
Ela então me lança um olhar de descrença que ignoro. Pego então outras coisas nas prateleiras enquanto ela continua a me acompanhar.
-Julia, para. Para um pouco e olha pra mim.
Continuo andando.
-Para! - ela pula na minha frente e segura meu rosto entre suas mãos fazendo-me olhar em seus olhos - Deixa eu me aproximar..
Olho sua boca a centímetros da minha, sinto meu corpo gelar: Tudo bem..
-O que? - responde espantada.
-Eu disse "tudo bem" - reviro os olhos.
-Fácil assim?
-Preciso repetir? - pergunto já constrangida.
-Não, não! - ela então abre um enorme sorriso.
Abaixo minha cabeça levemente e continuo a pegar as coisas, com ela ao meu lado. Termino, passo a compra no caixa. No final saio com com 6 sacolas, 3 em cada mão.
-Quer ajuda Julia? Deixa que eu levo um pouco para você.
-To bem. Eu carrego tudo.
-Passa logo umas sacolas para mim.
-Anna, você vem ao mercado e não compra nada. Acho que a teoria da perseguição está correta - falo mudando de assunto.
Ela olha para mim, suas bochechas ficam rosadas. Surpresa percebo que talvez tenha realmente sido o caso.
Sem perceber já estava em casa. Abro a porta e viro para a Anna.
-Bem, você já esta em casa. Acho que devo ir embora- diz desanimadamente.
-É, creio que sim. Obrigada Anna.
-Mas eu nem te ajudei! - ela diz rindo. Quando para, me olha por alguns segundos séria e me surpreende com um abraço - Até amanhã Julia.
Vejo-a ir embora e noto que mora na quadra seguinte, atravessando a rua.