Desde o 1º ano havia um fato interessante, que até então eu tinha deixado passar despercebido, em Caio. Durante as aulas, esporadicamente, me pegava distraidamente o olhando (juro que sem qualquer segunda intenção, era algo completamente inconsciente), e por vezes era surpreendido com a retribuição do olhar. Não um olhar aleatório e perdido, onde a pessoa desvia em seguida, mas sim um olhar decidido, incisivo. Na maioria das vezes quem desviava o olhar primeiro era eu. Eu não sabia o real motivo disso, visto que Caio, apesar de com os amigos não o ser, em geral era bem introspectivo, porém, até então, não via de maneira alguma segundas intenções nisso. Pra mim aqueles olhares eram algo completamente normais e sem importância.
Enfim, nesse tempo, nossa sala tinha um grupo no Facebook, no qual todos os alunos eram membros. Ele foi criado no início do 1º ano e para se conhecerem todos haviam se adicionado na rede social. E por este motivo eu tinha Caio em minha rede de amigos, porém, até então nunca havíamos nos falados por lá, raramente ele entrava. Neste dia, um feriado de sexta-feira, ele entrou, e veio falar comigo.
- “Ei cara, tudo ok? Por que você foi embora mais cedo ontem?” ele mandou através do chat.
- “Mais ou menos. Eu estava com muita dor de cabeça, e não aguentei. Teve algo de importante?” – respondi sem muita curiosidade, na verdade só estava sendo educado.
- “Não, mas senti sua falta na aula de história. Não foi fácil aturar os nerds sozinho rs”.
Neste momento não soube o que responder, e após pensar um pouco enviei a resposta:
- “Poxa, mas eles são legais, com exceção de um ou outro”.
- “Que nada. Legal mesmo é você. Me ajudou pra caramba ontem na prova e nem pude te agradecer direito. Você é muito legal cara”.
Mais uma vez fiquei sem resposta, mas tentava ao máximo ser cordial com ele. Surpreendi-me com essa preocupação, em geral não dava tanta atenção para as pessoas da minha sala, salvo meus amigos. Ele era meu amigo?
- “Não foi nada. Sempre que precisar estamos aí. Caio, vou ter que sair agora, tenho alguns trabalhos do técnico para fazer” – menti.
- “Tudo bem cara. Mas antes me passa seu número, eu entro pouco aqui, e se precisarmos nos falar por conta do trabalho do Diego, já temos um contato”.
Passei o número, me despedi e em seguida saí. Achei estranha a minha reação ao falar com ele. Eu me sentia desconcertado, sem saber o que dizer, medindo palavras. Justamente eu, que sempre pouco me importei com as pessoas.
Neste dia não entrei mais na internet, quis evitar qualquer brecha para uma abordagem dele. Passei o dia trabalhando em um conto que eu escrevia há um tempo, mas há semanas estava parado. Escrever sempre foi minha forma de me aliviar, uma verdadeira válvula de escape.
No dia seguinte acordei assustado julgando estar atrasado pra escola. Era sábado. 6:00am. Odiei meu cérebro por ter despertado, não consegui dormir mais. Fiquei enrolando na cama vendo um canal de desenhos, e mais tarde desci para o café da manhã. Na época eu fazia curso de inglês aos sábados, e teria que pegar um ônibus para ir, pois minha mãe já havia ido trabalhar. Não me importei, estava um dia lindo (o céu estava nublado, o Sol escondido atrás de muitas nuvens e estava frio – o que, para mim, era um dia lindo).
Estava abrindo o portão, quando meu celular toca dentro da mochila. Pego, e a tela exibe um número desconhecido. Atendo.
- “Alô?”
- “E aí Miguel!” – a voz do outro lado era familiar. Grossa. Mas não a reconheci de imediato.
- “Quem é?”
- “Sou eu, Caio. Me desculpa te ligar cedo assim num sábado”. – sempre odiei falar ao telefone, mas ao saber que era ele, não fiquei tão desconfortável.
- “Oi Caio, bom dia. Não foi nada, eu já estava acordado. Na verdade estou saindo de casa agora”.
- “Ah, é mesmo? Está indo para onde?” – a voz dele ao telefone era bem mais grave que pessoalmente. Máscula, rouca. Linda.
- “Para o inglês, infelizmente”. – dei uma breve risada – “Mas então, a que devo a honra da ligação?” – falei com tom de brincadeira.
- “Ah, então, você não tá afim de sair hoje a noite?”
- “É.. ér”.. – gaguejei, que merda! – “Mas para onde?”
- “Uns amigos vão vir aqui para casa, para sei lá, conversar, beber algo, e pensei se você gostaria de vir também”.
- “Ah sim, claro, é que.. ér...”. – gaguejei de novo – “Quer dizer, eu vou sim. Que horas?”
- “Estou com o carro do meu pai, posso ir na sua casa te buscar, por volta das 18h, pode ser? Onde você mora?”.
Passei meu endereço, falamos mais algumas trivialidades, e nos despedimos. Demorei para processar tudo. Caio começara a falar comigo não havia sequer uma semana, subitamente ele tem o interesse de conversar comigo e agora me chama para ir a casa dele. Após falar com ele, fiquei alguns segundos sem reação. Se antes eu afirmava para mim mesmo de que ele só estava tentando ser legal, agora eu já não sabia mais o que pensar.