Pessoal, uma dica. Prestem um pouco a mais de atenção nesse capítulo porque ele muda de foco nos personagens rápido. Boa leitura.
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Nico acordou naquela manhã com o corpo completamente relaxado. Tinha dormido muito bem e estava se sentindo completamente feliz. Ergueu seus braços, se espreguiçando, ao mesmo tempo dava um sorriso iluminado. Retirou seu cobertor e olhou para o lado, imediatamente sentiu falta de Rafael.
- Rafael? – chamou.
Levantou da cama e olhou pelo quarto. Ninguém respondeu pelo seu chamado.
Pingos de goteira caem sobre a cabeça de Rafael o fazendo acordar. Sua cabeça doía e seu corpo estava dormente. Tropegamente ele levanta se apoiando em seus joelhos. O quarto estava um breu. Não havia nem um fiapo de luz.
- SOCORRO! – Rafael gritava.
Não houve respostas.
Nico atravessou o corredor. A Casa parecia estar vazia. Não tinha avistado Rafael nesse tempo e começou então a ficar preocupado.
Resolveu procurar por todos os quinze quartos, pela cozinha, pelo centro da casa e até pelos banheiros. Fez a mesma coisa no andar de cima. Nada. Já estava desistindo de achar alguém quando ele se sentou em uma cadeira e apoiou sua cabeça na parede, seu corpo foi relaxando até ele adormecer.
O desespero tomou conta de Rafael. Ele andava com os braços erguidos para poder apalpar o que pudesse estar na sua frente. Ele andava cautelosamente, pois o chão estava cheio de entulho e ele já havia caído duas vezes. O cheiro de enxofre estava nos quatro cantos daquele lugar. O cheiro do diabo.
Gritou mais algumas vezes por ajuda, só que parecia que ele estava isolado do resto do mundo porque nenhuma alma respondeu.
Nova Orleans – 20 de Dezembro dedias se passaram, Rafael estava deitado no chão faminto. Seu estômago parecia que já estava comendo seus outros órgãos. Sua boca estava aberta deixando a água da goteira molhar sua garganta seca. Nem se importava com o frio. Se apegou a única coisa concreta que tinha naquele lugar, os ratos.
A porta do quarto se abriu e a luz queimou os olhos de Rafael por um estante, alguém entrou ali – tentou ver quem era, mas não conseguiu – e jogou o resto de uma comida no chão. Sua fome era tamanha que mesmo se arrastando ao chão ele foi de encontro com o monte. Comeu com as mãos mesmo, tentou afastar os roedores de sua refeição, mas os ratos insistiam em comer ali. Desistiu e começou a comer dividindo com os bichos.
Nico tinha acabado de se levantar e foi ao banheiro. Ao sair da porta viu Pezão. A primeira pessoa que tinha visto em dois dias inteiros.
- Onde está todo mundo? – Nico perguntou afobado.
- Semana de limpeza. – Pezão não fez questão de olhar para ele.
A barriga de Nico gelou. A semana de limpeza acontecia de tempos em tempos, mas era sempre a mesma coisa. Nazaré trazia “mercadoria” nova para a Casa, geralmente um grupo de crianças e outro de adolescentes. Como esse grupo novo precisava de algum lugar para ficar, os antigos eram eliminados. Dentre os 15 prostitutos antigos 14 eram mortos e tinham suas partes extraídas para o outro ramo lucrativo - o tráfico de órgãos.
Por ironia Nico nunca foi escolhido, talvez por ainda conseguir lucrar e ter preferência de vários clientes ou então para Nazaré ter alguma testemunha de seu poder. Nico pensou em Rafael.
- Onde está o Rafael? – Falou aquilo em um suspiro, será que ele tinha sido levado?
- Ele viajou para buscar mais mercadoria com a mãe dele. Ele ficou repetindo que tinha feito uma burrada na noite anterior da sua viagem e que estava com nojo dele mesmo.
Nico engoliu em seco. Sabia que a burrada em questão era a noite em que passaram juntos. Nunca imaginou que ele teria coragem de fazer isso. Agora estava explicado o porquê dele ter saído da cama sem nem mesmo se despedir.
Pezão saiu. Nico assistiu ao homem se virar e suas lágrimas começaram a escorrer. Sua vida foi em base de decepções atrás de decepções. Ninguém se importava com ele, era só um objeto. Não queria mais saber de ninguém, não queria ver novamente crianças e adolescentes serem abusados naquele lugar, só queria que tudo isso acabasse.
Ele correu para o quarto 13, vestiu uma roupa e pegou um pacotinho com dinheiro que ele escondia embaixo do colchão. Dinheiro que ele extraviava esperando por esse momento. Nico aproveitou que a casa estava vazia e esperou calmamente Pezão usar o banheiro externo. Na primeira oportunidade passou pela porta da saída e correu com toda a força que sua perna tinha. Ele sabia exatamente com quem se encontrar.
- Oi – Nico disse a um rapaz negro que estava virado de costas.
- Olha só quem está aqui. Meu pequeno anjo. – Ele, sorrindo, passou a mão direita nos cabelos de Nico o dando um selinho. A contragosto ele retribuiu.
- Preciso de um favor seu. – O rapaz se chamava Tomás, era um ex-soldado do exército americano que em uma noite visitou a Casa e se encantou com o charme de Nico.
- Claro, meu anjo. Tudo que eu puder fazer.
- Preciso que você me leve em São Paulo no Brasil com seu avião.
Tomás arregalou os olhos e foi logo negando com as mãos.
- Não. Não posso mais pilotar você sabe disso. – Nico olhou no fundo de seus olhos e implorou.
- Por favor.
- Me desculpa. – O ar gelado chicoteou sua pele juntamente com aquelas palavras.
Nico se sentou no chão e abaixou a cabeça. Estava perdido.
- Ela vai me matar, ninguém pode sair de lá com vida. – Os olhos já estavam avermelhados.
- Isso realmente é importante para você? – Tomás perguntou baixo.
- Muito.
- Vamos.
O homem colocou Nico em seu carro e eles foram até uma garagem que ficava por entre um campo de milho. Um avião de pequeno porte tinha escrito a palavra AILES em um contorno azul marinho. Asas em francês. Estava estacionado dentro da garagem. Era limpo e bem cuidado. Nico subiu e se sentou ao lado de Tomás.
- Eu posso ser preso por isso, mas quer saber? Que se dane! – Ele começou a rir e deu a partida. Em poucos minutos o avião estava cortando o céu.
Finalmente, livre. Pensou Nico.
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Bom foi aí mais um capítulo para vocês e tenho uma notícia ruim, pelo menos para mim. O conto está acabando :( Eu o fechei com dez capítulos para não ficar muito maçante. O lado bom é que já está vindo o próximo conto chamado ESPELHOS. Uma pergunta: Vocês preferem narração em primeira pessoa (personagem narrando) ou em terceira pessoa (narrador onipresente e onisciente como esse)? Conto com vocês!
Obrigado pelos comentários, até a próxima