Nova Orleans – 21 de Dezembro de 1994
A porta do quarto onde Rafael estava, foi aberta. Ele estava sentado e encostado em uma viga de madeira que havia lá dentro. Seus braços estavam pousados sobre seus joelhos dobrados. Seu olhar vazio se perdia pela imensidão do cubo.
- Será que você aprendeu a lição?
Os olhos do ruivo doíam ao ir de encontro com a mulher que o estava encarando na porta.
- Está feliz por me ver assim? – Ele foi seco.
- Você não me deu outra opção. Ultimamente a única coisa que sabe fazer é me contrariar em público. Você mereceu isso.
- Não vem com essa. Eu tenho nojo de você.
Nazaré o fitou por longos minutos, ele por sua vez, não abaixou sua crista. Seus sentimentos principalmente seu orgulho estavam feridos.
- Você vai ficar aqui por tempo indeterminado. E dessa vez sem água e sem comida.
A porta foi fechada em um estalo selando Rafael do resto do mundo.
São Paulo – 21 de Dezembro de 1994
Nico agradeceu Tomás quando eles pousaram. Como o aviador não podia ficar muito ali, tratou-se de ir embora.
- Eu nunca vou esquecer desse favor que você está me fazendo.
- Por você tudo. – Disse Tomás.
Tomás era um homem apaixonante e apaixonado, deu um leve e rápido beijo nos lábios vermelhos de Nico. Dessa vez ele não estranhou, apenas aceitou como forma de profunda gratidão.
- Acredito que você tenha muito o que fazer ainda.
- É... Quem sabe nos encontremos um dia ainda.
- Você pode contar com isso, certamente nos encontraremos de novo.
Tomás sorriu para Nico e entrou no avião.
Nico assistiu a decolagem pensando no que fazer agora que estava no Brasil. Quando decidiu vir para o país, ele apenas queria reencontrar sua mãe e tentar recuperar o vínculo que foi precocemente cortado. Não fazia questão de ver Antônio – seu pai, ou o homem que o colocou no mundo – sentiu finalmente que seu futuro lhe pertencia.
O avião sumiu do alcance de visão. Apesar deles terem pousado em um campo de terra o centro da cidade não ficava distante e Nico resolveu caminhar até a antiga casa.
A cidade estava parecendo um formigueiro de tantas pessoas. Estava com saudades disso. Ao cruzar em uma esquina a atmosfera foi dominada com um cheiro de café, imediatamente seu rosto se abriu em um sorriso ao se lembrar da sua infância. Logicamente, ele parou e tomou duas xícaras.
O calor do café atravessava sua garganta enquanto sua mente vagava no passado.
“ – Nico, vem logo tomar o café da manhã.
- Já vou, mamãe.
Na mesa tinha bolo de laranja, leite, pães, frutas, suco e café. Não era nada muito sofisticado, afinal o Brasil estava passando por uma inflação muito grande, mas era tudo feito em casa e com muito empenho.
- Come devagar, filho. – Patrícia alisava as ondas negras da cabeça de Nico.
Em resposta ele assentiu. A companhia de sua mãe era tão agradável que nem percebeu quando acabou de comer.
- O senhor comeu manga, então nada de leite por hoje, tá?
Nico sorriu. Pegou seu boneco do Superman e saiu correndo pela casa fazendo o bonequinho voar.”
Ele pagou a conta do café e andou dois quarteirões até avistar a sua antiga casa. Estava nervoso, era a coisa mais concreta que tinha durante anos.
Tocou a campainha.
Após alguns segundos, uma senhora com a idade relativamente avançada abriu a porta. Apesar da seu rosto interrogatório, foi bem gentil com o jovem à sua frente.
- Boa tarde. – Nico se adiantou.
- Boa tarde.
- Me desculpe perguntar... É que eu queria saber se a senhora mora aqui a bastante tempo?
- Já tem uns doze anos já. Eu posso te ajudar em alguma coisa?
- Pode sim. Eu estou procurando os antigos donos dessa casa.
- Me desculpa, eu realmente não sei de nada sobre.
A animação de Nico se esvaiu do jovem. Sempre soube que ia ser difícil encontrar sua mãe novamente, mas tinha esperança de que ela pudesse estar por ali.
Nico, taciturno, dá meia volta sem nem mesmo agradecer, estava triste pelo fracasso da sua primeira tentativa.
Já estava na rua quando a senhora lhe fala:
- Menino, me lembrei de algo, não sei se pode ajudar.
Nem é preciso dizer que o humor dele mudou novamente. Se não fosse os últimos acontecimentos ele seria diagnosticado com bipolaridade.
- Qualquer coisa ajuda, senhora.
- Você conhece o galpão âncora?
- Claro, me lembro perfeitamente.
O galpão âncora era um lugar onde havia várias pessoas que trabalhavam em confecção de sapatos e roupas para várias empresas.
- Já tem um tempo que escutei que a moça que morava aqui estava trabalhando lá. É uma notícia antiga e não sei se é verdadeira.
- Já é um começo, senhora. Muito obrigado.
Nico estava tão contente que deu um beijo nas bochechas da senhora. Saiu correndo para aquele galpão. Era novamente uma criança.
“My mother was a tailor.
(Minha mãe era uma costureira)”
Lembrava de seu rosto delicado, seus cabelos negros como os seus. Sentia o gosto de seu amor, a preocupação que sempre teve com ele. Ao lado dela se sentia um herói, acreditava que sua felicidade jamais pudesse acabar, sua mãe trabalhava como uma leoa e o protegia como uma.
“She sewed my new blue jeans.
(Ela costurou meus novos jeans azuis)”
Nico puxou a maioria dos traços de sua mãe, inclusive sua pele alva. Se ele não tivesse sido arrancado dos braços dela, certamente estaria trabalhando para ela lhe dando todas as mordomias que um filho pode oferecer. Sempre se sentiu imensamente grato e quando se foi não conseguiu dizer nem isso.
O galpão era azul com o portão branco. Não havia mudado nada, continuava exatamente a mesma coisa.
Nico foi até uma campainha que ficava ao lado direito do portão e apertou. Dessa vez não foi uma senhora que o atendeu, mas sim um rapaz.
- Posso lhe ajudar em alguma coisa?
- Pode sim. Eu queria saber se a Patrícia está aí?
- Estamos em horário de serviço, nenhum funcionário pode parar agora.
- Por favor. Eu vim de longe, é urgente.
O rapaz pensou por longos segundos.
- Qual Patrícia?
- Ela é conhecida como Tice.
O rapaz teve um breve lampejo e rapidamente concordou.
- Um momento, senhor.
Então era isso? Finalmente ele encontraria sua mãe? Vários minutos se passaram e nada de ninguém aparecer, então se sentou no meio-fio e esperou.
- Você está me chamando?
Nico se levantou e viu uma mulher que ele poderia dizer que era uma versão feminina sua em pé a sua frente.
Ele ficou a encarando sem saber o que falar. Ela parecia não o reconhecer. O coração de Nico estava com muita felicidade, todo estresse e forças negativas evaporaram com esse novo sentimento perdido a muito tempo. As lembranças vagantes na mente dele fizeram uma lágrima britar em seu olho. Arfante e fragilizado ele apenas chamou:
- Mãe?