Capítulo 30
Eu os deixei em casa, engoli o café como combinado e saí prá empresa LOUCO de vontade de ficar, e cheio de dúvidas.
Que saco! Não queria estar daquele jeito. Eu confiava no filho da puta, mas ENTENDIA que era um risco, uma tentação e um perigo. Mas não podia fazer nada... nada.
Ao me despedir, ele veio até a porta. Me abraçou sem censura na frente dela, me deu um beijo carinhoso e sussurrou no meu ouvido...
- Já sabe. Confia em mim. Te amo.
- Ok... Juízo.
- Vou tentar.
Dei um beliscão em sua bunda.
Fui trabalhar e tentei na medida do possível espairecer e me ocupar o máximo possível. Vez ou outra me lembrava, tentava esquecer e voltava ao início. Ele me mandou uma mensagem no meio da tarde, confirmando o convite e "intimação" para estar lá a noite. Eu iria, sim... Mas dormiria lá? Como conduzir isso? Dar um voto de confiança, mostrar que estava seguro não estando e voltar prá casa deixando-os lá ou marcar território nessa primeira noite, para deixar as coisas claras?
Isso iria ajudar ou atrapalhar?
Sondar primeiro ?
Abrir o jogo? Bater um papo franco com os dois?
Expor-nos assim?
Decidi que iria deixar a coisa rolar, e tomaria minha decisão de acordo com os acontecimentos da noite. Mais prudente assim.
Estávamos já no meio do jantar. O papo fluía tranquilo, um clima até mais agradável do que eu pensava que podia ser. Daniel estava mais relaxado, menos tenso. Ana mais transparente, me parecia. Eu, mais alerta...
Daniel, nada bobo que era, criou aquele momento que eu não sabia que queria ter. Inventou que tinha acabado a cerveja, e voaria no mercado na esquina. Tudo para nos deixar sozinhos. Saquei por sua piscadela, já na saída...
Eu e Ana sozinhos... Mais uma vez, desconforto...
Ela foi a primeira a falar...
Ela se levantou da mesa vagarosamente, me olhando de rabo de olho e se dirigiu à sacada. Encostou-se ali, olhando prá rua encostada no vidro...
- Ele é muito sedutor, né Bruno?
...
- É sim. Mais que sedutor eu diria. É um grande cara...
- Sim, é... Competente.
Eu me sentei no sofá, de frente prá ela.
- Competente? Não entendi Ana...
Ela me olhou com um sorriso estranho. Voltou-se para a rua novamente.
- A gente ia se casar Bruno. Ele te disse ?
- Hã... Não.
- Claro que não. Mas estava num empreguinho de merda. Ganhando pouco. Eu o sustentava, praticamente...
- Não sabia...
Ela sorriu.
- Ele me garantiu que em menos de um mês aqui, se eu o deixasse vir, arranjaria uma mulher rica para sustentá-lo, e que em um ano ele faria grana o suficiente para voltar e a gente se ajeitar...
Frio na barriga. Gelo, eu diria. Minha garganta ficou seca.
- Só não pensei que ele toparia se envolver com um homem... Mas, ah! Lógico que eu sabia que ele curtia homens também... Ele fazia programas em Ribeirão às vezes. Te contou...?
Minha visão estava turva.
- Não né? Ela se virou por um momento de frente prá mim. Estava séria. Triste. Amargurada...
- Bruno... Sei que não é culpa sua. É muito fácil cair na dele... Nós dois caímos.
Eu precisava falar algo...
- Ana, tem uma coisa que não se encaixa aí...
- O quê?
- Eu NÃO sou rico...
Ela riu alto. Mais uma vez voltou-se prá rua...
- Ah, Bruno... Você pode não se considerar rico, mas tem bem mais, eu diria o suficiente para uma arrancada bem legal...
Apesar de toda a confusão na minha cabeça, eu tinha que defendê-lo. Precisava de tempo prá pensar...
- Você está querendo o que com isso? Tirar ele de mim?
Ela se virou, mais séria, mais direta... Me olhou fundo nos olhos...
- Bruno... Quem foi que tirou o Daniel de quem primeiro?
Me calei...
- Fala, Bruno. Responde...
Eu me levantei e cheguei perto dela. Minhas pernas tremiam. Eu percebi que suava frio. Será possível?
E tudo aquilo que eu via no olhar dele? E toda aquela sinceridade e maturidade?
Será que tudo era atuação?
Ou era jogo dela? Uma tentativa desesperada de me colocar contra ele?
Como saber?
Que merda me sentir tão dentro de uma novela...!
- Ana, eu não tirei o Daniel de você... Não pedi nada. Ele chegou e me disse que tinha terminado contigo. Que não rolava mais...
- Hã hã... Rápido assim? Você sempre foi esse romântico ?
- O que você quer de mim ?
- De você, nada. E nem sei se eu quero o Daniel de volta, que isso fique claro. Só não quero e não acho justo que ele se passe por esse anjo que parece ser. Isso não é justo...
- Ele tá louco prá te ajudar...
- Sentimento de culpa Bruno. É o mínimo que ele podia fazer...
Eu não queria acreditar em nada daquilo. Era muito difícil acreditar.
Ela pareceu avistar algo. Virou-se e retornou à mesa.
- Ele está voltando. Bruno, escuta aqui... Só vim te alertar, e não vou ficar esse tempo todo. Se eu fosse você não comentava nada com ele.
- Porque?
- Simples. Eu vou negar tudo. Vou afirmar que não falei nada contigo. Eu prometi isso prá ele antes de vir, era condição, e ele confia em mim. Se você mencionar algo, ele se vira contra você. Bom... A não ser que...
- O que?
- Que você já não faça questão dele. Se já estiver certo de que o melhor é estar sem ele, pode falar. Ele não vai te perdoar por querer jogar a culpa em mim.
- Ana... não seja boba. COMO é que eu saberia de tudo isso se você não me contasse ?
Como é que eu inventaria ou criaria só verdades na minha acusação?
- Bruno... Não seja bobo. Quem te disse que em tudo que eu te falei só há verdades?
- Como ?
Ela sorriu e retomou uma posição fria, sóbria e tranquila enquanto ele entrava na sala.
Eu... não sabia o que fazer.