Marie, de repente, ficou como eu fiquei após receber o beijo de Lídia, eu peguei as chaves do carro e sai.
Entrei no carro, coloquei a chave na ignição, mas não consegui liga-lo, cai com a cabeça no volante, tremendo, tentando entender tudo o que aconteceu. Mas, meu pai precisava de mim, minha irmã precisava de mim, e talvez, eu precisa-se de mim mesmo também.
Liguei o carro e parti, em direção a nossa pequena cidade. Pouco mais de 3 horas de viagem e lá cheguei. Fui na casa de meu pai e, como esperado, não havia ninguém. Fui ao hospital, recebi a notícia que haviam acabado de sair, foram a capela mortuária, para o velório.
Quando lá cheguei, não havia muitas pessoas, pois já era tarde, mas isso não diminuiu o clima pesado que havia, pelo contrário. A sogra de Gisele estava em prantos, quase não conseguia respirar, sendo amparada por familiares. Procurei por Gisele e não a encontrei, mas encontrei meu pai, e fui falar com ele, nos abraçamos.
-Pai...
-Filho...
-Como está?
-Péssimo, pra falar a verdade...
-Eu imagino... que tragédia... como isso aconteceu?
-Ninguém sabe ao certo, mas aparentemente, ele... ele perdeu o controle do carro depois de atropelar algum animal...
-E a Gisele? Ela não se lembra?
-Pelo contrário, ela ficou acordada durante tudo, ela o viu... bem você sabe...
-E ela não disse o que aconteceu?
-Como eu disse, ela viu tudo... está em estado de choque, desde que aconteceu, não falou um palavra, não chorou... Deus, ela se quer expressa algum sentimento...
-Eu tenho certeza que ela é a que mais está sofrendo aqui, e talvez por isso esteja dessa forma...
-Sim, talvez...
-Onde ela está?
-Ela está lá nos fundos, sentada sozinha, olhando pro nada...
-Eu vou até lá...
Eu fui até o lugar que meu pai indicou, e lá estava ela, da forma como ele disse que estava. Eu me aproximei, mas ela estava alheia ao mundo. Beijei a sua testa e me sentei ao seu lado. Poucos segundos depois chegou nosso pai.
-Filho, eu acho melhor um de nós ir descançar enquanto o outro faz companhia à Gisele...
-Então pode ir, pai.
-Não, você acabou de chegar de uma longa viagem, é melhor descançar.
-Tudo bem, não se preocupa comigo, você merece descançar. Além do mais eu tenho muito em que pensar...
-Tudo bem, até mais então...
Nosso pai saiu e ficamos sozinhos, eu não dirigi a palavra à Gisele, respeitei a sua dor, e a forma com que ela estava lidando com isso. Fiquei pensando em meus próprios problemas, e, pela primeira vez, via Lídia como um deles. Ficou um pouco frio, então cobri Gisele com meu casaco, ela se quer se mexeu a madrugada toda.
Passei a madrugada toda pensando sobre o que Lídia havia feito, mas nem mesmo essas horas me fizeram ter um pensamento claro, ou me ajudaram a tomar qualquer decisão. Todas os motivos que encontrava pra ela ter feito o que fez eram loucura, e todas as formas que eu pensava para lhe dar com ele também. Quando o dia raiou essa foi a única que tive certeza, que tudo isso era uma loucura. Perto das 8 meu pai voltou, e eu fui durmir em sua casa, em meu antigo quarto, caí na cama e apaguei.
Acordei com Marie olhando pra mim, acariciando meu cabelo, já passava das 11.
-Veio com seu carro?-perguntei esfregando os olhos.
-Sim...
-Troxe Lídia?
-Sim, ela está no velório...
-E então? Conversou com ela?
-Conversei...
-E como foi?
-"Depois que você me contou e saiu, eu fiquei paralisada, não sabia o que fazer, e nem imagino como foi a sua reação. Após alguns minutos, eu voltei a mim e bati no quarto em que ela se trancou.
-Quem é?-Lídia perguntou.
-Sou eu...
-Ah...-ela destrancou a porta. Eu entrei e ela estava deitada na cama, sorrindo.
-Filha, nós precisamos conversar.
-Sobre o quê?
-Sobre o que aconteceu agora pouco, ora!
-E o que aconteceu?
-Não se faça de besta, Lídia! Seu pai já me contou!
-Ah, o beijo...-ela disse abrindo um sorriso de orelha a orelha.
-Como você pode sorrir nessa situação??
-E por que não sorriria, se estou me sentindo a pessoa mais feliz do mundo?
-Você não entende...-me sentei ao seu lado.
-Entendo sim, e agora sou a pessoa mais feliz do mundo!
-Mas não deveria.
-Por que?
-Por que?? Meu Deus, Lídia, pense no que você fez!
-Só fiz o que queria ter feito a muito tempo.
-Você está sendo muito egoísta! Não pensa no seu pai??
-A todo momento...
-E nos sentimentos dele? Você, pelo menos, considerou como ele se sentiria? Você olhou nos olhos dele depois do que fez??
-Sim... e ele, parecia aterrorizado...
-E não era pra menos!
-Mas por que? Ele sempre cuidou de mim, me deu carinho, afeto, e ele mesmo me disse que me amava mais do que tudo.
-Isso é obvio! Ele é seu pai! Seu pai!! Meu Deus...seu pai, como você pode pensar assim até do seu próprio pai?
-Não é 'até'... é SÓ!
-E o que te fez pensar assim? Não pode ter surgido do nada...
-Eu não sei mãe, o que fez você amar ele?
-Ok, eu vou reformular a pergunta...QUEM fez com que você se sentisse assim?
-Eh... ninguém...
-Não minta pra mim!
-Eu já tinha esse sentimemto, mãe, mas alguém me deu uma força...
-Quem?
-A Samantha...
-A Samantha? A Samantha, filha dos nosso melhores amigos??
-Sim, mãe. Ela.
-O quê?? Mas como assim?
-Olha, mãe. Ela é minha melhor amiga, e eu contei o que sentia pra ela, e ela me apoiou, me disse pra apostar e tentar...
-E por que ela faria algo assim??
-Porque... porque ela também tem "relações" com o pai dela...
-O pai dela já morreu... espera, ela... com o HP... Meu Deus...
-Sim...
-Eu... eu...
-Mãe, eu tenho que confessar uma coisa...
-O quê?
-Eu sei o quanto você ama o papai, e quanto ele te ama, mas... não precisa se preocupar.
-Como assim?
-Não é só do papai que eu penso assim...
Lídia fechou os olhos e começou a se aproximar, da mesma forma que fez com você, mas o meu instinto me fez pular da cama e correr pra porta. Ela se assustou com o barulho, e eu fiquei imóvel denovo.
-Mãe? Você tá bem?
-Eu realmente espero que você não fosse fazer o que achei que fosse. Acorde cedo amanhã, nós temos um enterro pra ir.
Eu sai de lá e entrei no nosso quarto, tremendo, suando frio, eu não tinha idéia do que fazer, e então chorei, não consegui durmir desde então."
-O quê está passando na cabeça da nossa filha, Marie?
-Eu não sei...
-O que tá passando na cabeça da Samantha e do HP? Deus!
-E o que vamos fazer a respeito?
-Eu... eu acho que deviamos deixar ela aqui, com meu pai, por uns meses.
-Deixa-la? Não é assim que resolvemos as coisas...
-Eu sei mas... Marie, o que ela fez comigo, e tentou fazer com você... eu não vejo outro jeito... vamos esperar, talvez seja uma fase, talvez seja os hormônios, não sei, mas vamos esperar...
-Esperar o quê?
-A cabeça dela esfriar, a nossa cabeça esfriar. Se daqui há alguns meses, ela não mudar de idéia, pelo menos vamos ter tempo de pensar o fazer com ela...
-E o que vamos fazer agora?
-Apoiar Gisele. E quando chegamos em casa, eu vou ter que conversar com HP...
Almoçamos algumas besteiras e depois fomos durmir juntos. Era 4 horas da tarde quando acordamos. Nos arrumamos e voltamos ao velório. No centro do lugar, a caixão, fechado, em volta dele, os parentes e amigos, destruídos, e Marie continuava no fundo, sem espreçar nada, meu pai ao seu lado e Lídia ao lado dele. Quando chegamos Lídia nos abraçou, não abraçamos devolta, ela fechou a cara e saiu de perto.
-O que foi isso?-perguntou meu pai.
-Longa história, pai...
-Como assim?
-Pai, antes de tudo, posso te pedir um favor?
-Claro...
-A Lídia podia morar com você? Por alguns meses.
-O quê? Como assim?
-Eu prometo que eu vou te explicar, mas esse não é o momento. Por favor, ela pode morar aqui?
-Eu creio que sim... a minha casa é grande e... ela não seria nenhum problema pra mim...
-Nós realmente te agradeçemos muito.
-E Lídia? Já sabe o que vocês decediram fazer?
-Nós vamos contar pela manhã, vai ser mais fácil se for quando estivermos de saída...
-Como quiser...
-E pai, eu prometo que vou te contar o motivo, depois.
-Leve o tempo que precisar, filho...
Nos sentamos ao lado de Gisele, ficamos calados por um longo tempo, e Marie adormeceu em meus braços, algum tempo depois eu também adormeci.
Só acordamos quando o sol o nos fez acordar, passava das 8. Meu pai ofereceu um café, e eu logo aceitei.
-Filho, o enterro vai ser em breve, e... e eles me pediram pra ser um dos que vão carregar o caixão...
-Bom, acho que isso deve significar muito...
-Significa, mas... eu acho que não consigo...
-É claro que consegue, pai. Você é o mais forte aqui.
-E estou velho... destruído emocionalmente... meu genro morreu, minha filha não consegue falar e... bom, você pode carregar pra mim?
-Mas, pai, eu mal o conhecia, eu não acho que devo...
-Olha, você só vai estar me representando, eu vou estar do seu lado...
-Então por mim tudo bem...
Logo a hora do enterro chegou, eles chamaram meu pai, que logo apontou pra mim, não houve qualquer objeção. Eu me posicionei, e eu, o pai do falecido, e alguns amigos, levamos o caixão até o carro funerário. Meu pai como disse estava sempre ao meu lado, e Gisele estava sendo acompanhada por Marie e Lídia. Começamos a procissão, o cemitério ficava duas quadras abaixo, então o caminho foi rápido, e muito triste. Chegamos ao cemitério, lá alguns funcionários aguardavam, abriram os portões e o carro entrou, parou a alguns metros de uma bela sepultura, de família pelo que entendi. Carregamos o caixão até lá, os parentes, amigos, conhecidos, quem estava lá, começaram a colocar rosas em cima do caixão, e Gisele se despertou um pouco do transe, e também o fez. O caixão entrou na sepultura e o caveiro começou a selá-la, e quando ele terminou, Gisele soltou um grito, começou a chorar desesperadamente, e correu pra fora de lá, eu fiz menção de ir atrás mas meu pai me segurou.
-Deixa... ela só está chorando agora o que não conseguiu chorar antes...
Demoramos um pouco pra deixar o lugar, mas aos poucos as pessoas foram saindo, e nós também. Por um momento, esqueci os meus próprios problemas. Fomos todos juntos pra casa do meu pai, quando chegamos, ouvimos o choro e os soluços vindos do quarto de Gisele. E fui até lá, estava trancado, eu ia bater, mas, novamente, meu pai me empediu.
-Filho, de um tempo pra ela...
Eu concordei. Almoçamos quietos, só um som era audível, o choro de Gisele. Pela tarde recebemos a visita dos sogros dela. Estavam abatidos, realmente muito mal, mas vieram ver como Gisele estava, e logo descobriram. Eles, mais do que ninguém, entendiam o que ela estava sentindo, não a incomodaram. Conversamos com eles durante a tardr toda, só foram embora quando sol começou a abaixar.
Já pela noite, jantamos, da mesma forma que almoçamos, quietos. Mas eu estava começando a ficar preocupado com Gisele.
-Ela tem que comer pai.
-Filho, eu ja te disse...
-Pai! Ela não come a maos de dois dias! Você quer outra tragédia??
-Faça o que você quiser então...
Ele disse saindo, eu não entendia como ele podia estar tão alheio. Fiz um prato de comida e peguei um copo de suco e levei até quarto de Gisele, bati na porta.
-Gisele, abre a porta, por favor...-só ouvi choro como resposta.
-Você tem que comer, Gisele. Olha eu sei que está passando por um momento difícil, mas... eu me preocupo com você, e quero que você fique bem...-ela não respondia.
-Eu vou ficar aqui até quando quiser comer... ou conversar...-ouvi o barulho da porta se destrancando.
Eu entrei com a comida em mãos, ela estava sentada na cama, com as mãos no rosto, chorando baixo. Deixei a comida no criado mudo, e sentei ao seu lado, ela me abraçou forte e a abraçei de volta, a confortando. Após alguns minutos ela parou de chorar e deitou na cama, levando as mãos a cabeça.
-Foi tudo minha culpa...-ela disse quase sem voz.
-Não se culpe, Gisele. Não foi culpa dd ninguém...-eu disse lhe oferecendo o suco, ela tomou um pouco.
-Não, eu estou falando sério, foi minha culpa...
-E eu também, não precisa ficar se culpando...
-Foi minha culpa! Eu, eu... eu...
-Tudo bem, não precisa dizer nada...-eu a abraçei.
-Foi tudo minha culpa...-ela sussurrou no meu ouvido- culpa dessa minha vontade de ser amada...
-Gisele, você não tem culpa alguma...
-Sim, eu tenho... depois de você, Marcos, depois daquela noite, eu não conseguia te esquecer, e 2 anos depois, quando eu voltei e você estava com Marie... eu senti ciúme, eu queria você pra mim, e isso me levou a fazer o que eu fiz e então o pai nos viu e... e te afastou de mim...
-Isso não tem haver com o que aconteceu...
-Tem sim... quando você foi embora, quando eu soube que Marie estava grávida de você e que estavam vivendo juntos. Eu soube que não te teria mais... e fiquei muito mal...
-Me desculpe...
-Não tem que se desculpar, você fez o que era certo, mas eu demorei um tempo pra entender isso... eu achava que nunca mais encontraria alguém pra amar denovo... mas então ele surgiu, e desde o momento que o vi eu soube que era ele... eu fiquei muito nervosa quando começamos, mas ele me compreendeu e eu passei a ama-lo de verdade... fazia tudo por ele, e por isso o acidente aconteceu...
-Nenhum acidente acontece por amar alguém...
-Esse sim... eu tentava agrada-lo de todas as formas. E naquela noite eu estava muito feliz, e quis surpriende-lo, e, então, eu o toquei... e ele se destraiu e... e aconteceu... eu perdi o amor da minha vida, pela segunda vez...
-Olhe pra mim, Gisele - eu a virei pra mim e ela olhou fundo nos meus olhos- Não foi sua culpa. Acidentes acontecem, e você não pode achar que foi culpada, só por que amava alguém que perdeu. Você ainda é jovem, tem muito o que viver. Não pode simplesmente abandonar tudo, não pode nos abandonar. Você tem que seguir em frente.
-E como você quer que eu faça isso?
-Vem morar comigo. Vamos recomeçar a sua vida, eu te ajudo. Coritiba é uma grande cidade, cheia de grandes oportunidades, vem morar comigo, e eu te ajudo a superar isso e seguir em frente.
-Eu... eu não sei...
-Vem, Gisele. Eu posso te ajudar, mas só se você deixar ser ajudada.
-Ok, tudo bem... eu vou com você...
-Ótimo! Amanhã nos arrumamos suas coisas e vamos!
-Não, eu não quero levar nada daqui. Quero recomeçar de verdade, se for recomeçar...
-Tudo bem, eu te entendo. Então amanhã partimos, e você começa sua nova vida...
-Obrigada... por tudo... - ela disse me abraçando- maninho...
-E isso que eu faço, protejo as pessoas que amo. - eu disse lhe beijando a testa- Agora, come, por favor.
-Tudo bem... - e pela primeira vez desde a minha chegada eu vejo um sorriso na sua face.
Eu sai do quarto e a deixei sozinha, meu pai entrou. Eu fui pra cozinha, beber alguma coisa. Alguns minutos depois meu pai voltou.
-Obrigado, filho. Eu tenho certeza que lá ela vai voltar a ser feliz.
Ele me abraçou e eu fui para meu quarto, Marie estava lá e eu co tei as novidades, e ela ficou muito feliz também. Dormi alegre, e acordei cedo, queria ir logo. Me levantei, fiz a minha higiene e fui pra cozinha, e lá me lembrei dos problemas denovo, Lídia estava sentada a mesa.
-Pai, é verdade que a tia Gisele vai morar conosco agora?
-Sim, filha...
-Vai ser muito bom ter ela lá! Eu e ela vamos ser ótimas amigas!
-Sobre isso, eu tenho que co tar uma coisa...
-O que foi pai?
-Você não vai voltar, vai ficar aqui com seu avô.
-O quê?!?
-É só por alguns meses, até descobrirmos o que fazer...
-Não, pai, por favor! Não faz isso comigo!
-Filha, não tá sendo fácil pra mim também, mas eu não vejo outra opção...
-Me perdoa, pai! - ela corre e abraça chorando- Me desculpa pelo que eu fiz! Eu faço tudo o que senhor quiser, só não me deixa longe de você, longe da mamãe, por favor!
-Nem eu e sua mãe queremos ficar longe de você, mas é preciso. Eu só peço que fique aqui alguns meses, pra nós descobrirmos o que fazer...
-Quantos? Quantos meses??
-Eu não sei... que tal dois?
-Dois meses longe de vocês... de quem eu mais amo...-ela sai correndo, eu só acompanho com os olhos.
Assim que Marie e Gisele ficaram prontas, eu me despidi do meu pai. Lídia estava trancada no quarto, não queria falar conosco. Eu prometi que ligaria todas as noites, e então entramos dentro do carro e partimos.