Um gole de uísque e algo inesperado

Um conto erótico de HowlingWolf
Categoria: Homossexual
Contém 2865 palavras
Data: 05/02/2014 04:48:16
Assuntos: Gay, Homossexual

Eu não queria estar ali. Não naquele momento, pelo menos. Minhas costas doíam, meus olhos lacrimejavam ardentemente pelo esforço causado por um dia inteiro de leituras técnicas e entediantes, minhas mãos tremiam um pouco e a leve batida que eu sentia nas minhas têmporas sugeriam uma dor de cabeça se formando. Mas que opção eu tinha? Eu estava na festa de 50 anos do escritório de advocacia onde trabalho, um escritório grande, tradicional, famoso e muito, muito requisitado por todos aqueles nessa cidade onde moro que tinham problemas de merda grande o suficientes que não pudessem se resolver sozinhos e quantidades igualmente grandes de dinheiro para pagar nossos honorários. Eu não podia fazer nada, na verdade, além de sentar no banco do bar do hotel em que a festa explodia e pedir drinque após drinque a uma bartender muito solícita e inteligente (se as educadas, mas firmes, respostas que ela dava aos embriagados que de vez em algo apareciam por ali para lhe jogar uma ou duas cantadas pudesse ser alguma indicação de inteligência). O hotel ficava a duas quadras do escritório, e era tão grande, tradicional, famoso e requisitado quanto nós, advogados que ali estavam, e bem, se eu não posso ir para casa e dormir por pelo menos 36 horas depois de um dia exaustivo de trabalho, então pelo menos eu posso tentar empurrar a dor e o desconforto para fora do meu corpo com um copo de uísque, não?

Estava funcionado. Meio que funcionando. Por mais copos e copos de uísque que eu virasse queimando garganta abaixo, nada podia esconder o desconforto que eu estava sentindo comigo mesmo. Eu trabalhava demais, me esforçava demais, fazia horas extras demais e me esgotava demais por algo que, por mais que eu amasse, estava engolindo toda a minha vida – parecia que todos aqueles sonhos e aspirações que eu sempre tive de coisas a realizar e metas a cumprir que seriam possíveis quando eu tivesse dinheiro suficiente estavam ainda mais longe do meu alcance – porque todo o meu tempo e todo meu ser estavam naquela firma. Por um lado eu estava feliz, porque eu estava aonde eu sempre quis chegar, e sendo honesto comigo mesmo, eu nunca fui uma pessoa de fazer as coisas pela metade. Eu sempre quis ser o primeiro, o melhor, o mais inteligente, o campeão, e foi assim por quase toda a minha vida: “Você tem que ser duas vezes melhor do que eles”, dizia meu pai. E, obrigado pai, mesmo, mas algo estava faltando. Eu queria ar – puro, fresco e novo, de lugares jamais visitados – e rostos novos, de pessoas novas, com que eu pudesse aprender e talvez ensinar. Novas cores. Talvez esse seja o problema. Eu sempre amei viajar, e ficar preso em uma cidade fria e cinzenta como essa e às mesmas tarefas, obrigações e pessoas, estivessem fazendo minha pele formigar de ansiedade. Não que eu odiasse todos os meus colegas de trabalho, é claro.

Eles eram ótimos, mesmo. Tínhamos todos um bom relacionamento e talvez fosse por isso que a festa hoje estivesse indo tão bem (além de que hoje todo mundo tem uma desculpa para beber como cães e falar coisas que normalmente não falariam). Mas eu só não estava no clima para festejar. Em outro momento, outro dia, eu estaria bem no centro da diversão (sempre gostei da ideologia hedonista, você só vive uma vez e tudo mais), mas não hoje. Hoje eu queria uma cama, cortinas escuras e a inquietude do silêncio absoluto. Mas falando sério, eu teria que aguentar, afinal de contas, o que um advogado não faz para socializar, não é mesmo? O Direito é uma área de relações, afinal. Apesar de que o máximo de socialização que eu fiz até agora foi com um copo de cristal. Talvez eu falasse com meu chefe, pediria a ele uma licença remunerada (bastante merecida) comprasse uma moto e sairia viajando pela América do Sul como Gael Garcia Bernal fez em Diários de Motocicleta. Talvez ele jogasse o que quer que seja que ele estivesse bebendo em mim, ou talvez ele estivesse tão bêbado que aceitaria na hora, sem questionar. E aí eu poderia ir embora e é isso, esse é o máximo de socialização por hoje. É. Esse era um bom plano. É o que eu ia fazer. Depois de mais um copo de uísque, óbvio. Ajuda sempre é bom.

Eu levantei o copo mais uma vez, na direção da bartender, sinalizando que meu corpo ainda aguentava um pouco mais daquele demônio líquido que eu colocava para dentro de mim, e que me mantinha quente e relaxado. Ela acenou com a cabeça, indicando que me atenderia logo que ela terminasse com a mulher à sua frente, e enquanto eu esperava, levantei meus olhos para a tv erguida na parede acima do bar. Apesar de não conseguir ouvir nada, estava passando um daqueles comerciais de refrigerante que supostamente servem para alegrar sua vida, com mensagens de autoajuda e superação dignas de uma pregação dominical. O comercial terminou com uma frase, letras brancas em fundo preto: “Coisas boas acontecem quando você menos espera”. Eu dei uma risada sem graça daquilo, uma vez que a única coisa boa que eu via no meu horizonte próximo era a minha cama, e enquanto eu girava o copo em minhas mãos, dei uma olhada no meu reflexo no cristal à minha frente. Meus cabelos ondulados, escuros, estavam um pouco bagunçados, o que era totalmente apropriado para uma festa como aquela. Mas meus olhos, não. Estavam caídos e exaustos de tanto estarem abertos, sua cor normalmente azul quase cinzenta, e cada piscadela pesava; minha boca parecia murcha e seca, e minhas bochechas mais fundas do que o normal. Melhor comer algo aqui antes de ir embora, pensei, antes de, sem entender porque, respirar forte demais na direção do copo e esfumaçar meu reflexo, enquanto a bartender, finalmente, se aproximava.

- Você quer mais? Sabe, normalmente eu não sou contra beber tanto uísque assim, mas beber sozinho? E numa festa dessas? Eu tenho pena de mim mesma por estar trabalhando agora e não aí no seu lugar.

- Não tenha. E acredite, eu trocaria de lugar com você se pudesse. Acho que embriagar as pessoas poderia me dar um pouco de perspectiva. E sim, mais. Eu preciso. Daqui a pouco vou fazer algo estúpido e álcool no meu sangue é indispensável – forcei um sorriso com o canto da boca.

- Você é estranho – ela disse, sorrindo também, enquanto pegava meu copo e preparava mais uma dose pra mim. Sinto um movimento à minha esquerda e vejo pelo canto do olho um terno bem ajustado e mãos grandes em cima do balcão, o brilho fugaz de um sorriso, enquanto alguém se senta ao meu lado. Mantenho os olhos levantados, na direção da tv enquanto espero o uísque, desinteressado. E alguns segundos depois, uma voz lenta e rouca fica suspensa no ar, antes de ser levada embora pelo ruído ensurdecedor da música:

- Uísque com gelo, por favor.

Aquela voz me deixa tenso, porque é simultaneamente diferente e atraente: diferente dos gritos das pessoas que se fazem ouvir no salão, porque é baixa e firme, e atraente porque a rouquidão na voz é macia como uma pluma, enviando um arrepio pelos meus braços cobertos pelo terno. E antes que eu possa me virar para descobrir a quem ela pertence, lá está ela, suspensa no ar novamente, depois assoprada para longe por outras vozes, mas na minha cabeça, ela continua a ser ouvida.

- Você não parece estar muito no clima para festejar.

Olhos verdes, rosto simétrico, magro e maxilar bem formado e afiado como a ponta de um navio, o início de uma barba rala nascendo, e vermelho. Não, sangue. Lábios. Lábios vermelhos, finos, emoldurando uma boca grande e tão obscenamente perfeitos que eu podia ver o sangue correndo por trás deles. Cachos escorrem suavemente pelo seu rosto, decorando sua pele clara. E ali, novamente, aquele sorriso fugaz, não tão empolgado, mas empolgante o suficiente para me fazer querer vê-lo novamente, e novamente, e novamente. E a bartender está falando comigo, e eu não consigo virar o rosto, não consigo mover meus olhos, minhas pálpebras cansadas não piscam e eu não consigo respirar e meus ouvidos estão cheios de sons indecifráveis e-

- Ei! Seu drinque! – e um copo gelado é forçado em minha mão, mão que, até 10 segundos atrás, eu tinha esquecido que existia. De alguma forma, o frio do copo é o suficiente para me tirar do estupor em que eu estava desde verde e vermelho. E, não, vermelho não. Sangue. Meu Deus. De uma vez só, tento reunir o máximo de ar possível em meus pulmões, antes de me recompor e tomar um gole do copo em minha mão direita. Ainda olhando para aqueles olhos verdes, abaixo o copo até o balcão, girando-o lentamente, e finalmente respondo:

- Mais dois ou três disso aqui e talvez eu arrisque ir pra pista de dança. É um bom uísque. Ele ri, ainda baixo e ainda rouco, o suficiente para que eu, e somente eu, estando tão perto, possa ouvir. E a risada dele é ainda mais sensacional do que aquela voz que parece se arrastar por séculos.

- Eu sei, por isso que eu adoro esse lugar. Eles fazem os melhores drinks. E não faz mal que hoje eu possa beber o quanto eu quiser sem pagar nada. - Seu sorriso ainda está ali, seus lábios curvados ligeiramente para cima, discretos.

E não parecia que ele estivesse precisando de nada “de graça”. Olhando melhor, posso ver direito suas roupas, agraciando seu corpo atlético e bem torneado. Ele é alto, mais alto que eu, e seu terno possui um corte impecável, de qualidade, cinza escuro, e o relógio em seu pulso direito é como um escudo em um cavaleiro medieval. A bartender lhe entrega seu drinque, movendo-se para atender outro cliente, e ele toma um gole antes de envolver o copo com sua outra mão e abaixá-lo até seu colo. Meus olhos inevitavelmente seguem a mesma direção, e agora, Deus, eu percebo suas coxas. Grossas e apertadas na calça que ele está vestindo, sugerindo, no mínimo, que ele é um corredor ou coisa do tipo. E uma pequena parte do meu cérebro me força a olhar para cima, para seus olhos novamente, porque a conversa continua, afinal. Acho que já bebi demais, penso rapidamente.

- Melhor aproveitar, então. Só se faz 50 anos uma vez na vida. E não acho que quando o escritório completar 100 anos de atividade e houver outra festa dessas nós vamos quere beber tanto uísque assim. - Dessa vez eu sorri um pouco mais, um pouco mais confortável depois de ter me recomposto. E sou completamente retribuído por outro sorriso e outra risada, e, bom. Muito bom. Bom saber que fui eu que causei aquilo.

- Eu ouvi falar muito de você.

Opa. Logo quando eu estava quase tomando outro gole. Abaixo o copo abruptamente, pego de surpresa pela virada inesperada de rumo, dois segundos depois já virando a bebida novamente em minha garganta.

- Estranho, eu nunca vi você, seja no escritório ou em qualquer outro evento da firma. Não sabia que eu era famoso – retruquei, um pouco de sarcasmo na voz.

- É, realmente nunca nos vimos, mas eu quase sinto como se já te conhecesse a décadas. É bom conhecer o famoso Guilherme. Famoso no escritório, pelo menos.

Mas que diabos?

- Me desculpa – ele continua, rindo mais alto agora, vendo a confusão escrita em meu rosto – meu nome é Lucas. Lucas Pacheco. Eu sou sobrinho do seu chefe, Antônio Pacheco? O dono da firma? É que eu acabei de passar na OAB e finalmente vou trabalhar com meu tio. E com você. Ele vem me dizendo algum tempo atrás como você é brilhante e um exemplo de profissional e que se todos os bacharéis em Direito do Brasil fossem assim a aprovação no Exame da Ordem ia ser de 100%. O que seria um problema. Enfim, ele me diz a anos como você é bom e de como eu devia me espelhar em você e – desculpa. Tô falando demais. Meu tio me mata se souber que lhe disse essas coisas. Só é um pouco esquisito te conhecer finalmente. Colocar um rosto no nome, sabe.

E “ah” parece ser a coisa mais verossímil que eu consigo dizer no momento. Depois de alguns segundos e mais um gole, eu volto ao meu estado de “socialização”:

- Bom, já que eu sou tudo isso então acho melhor ir pedir um aumento pro seu tio, não? E mais benefícios, que tal? - Eu continuo sorrindo, dessa vez um pouco malicioso, ele sorri também, e ele sabe que eu só estou brincando, mas mesmo assim faço um movimento de pegar o copo e me levantar do banco, na direção dos corpos que confraternizam além do bar, quando ele também se movimenta, mais abruptamente e mais rápido do que eu.

E então sua mão direita está envolvendo meu braço, me segurando ali, com um toque forte, mas gentil. Fico um pouco surpreso, enquanto ele grita um “Não!”, mas volto a me sentar, e seus dedos me soltam, um por um, delicadamente. E eu começo a rir.

- Você achou mesmo que eu fosse fazer isso? – Ele pareceu um pouco envergonhado, um rubor subindo pelo seu pescoço em direção a seu rosto. Cubro minha boca com minha mão direita, abaixando um pouco a cabeça enquanto continuo olhando para ele: - Tsk tsk, esses advogados bebês, recém saídos da sala de aula...

Ele fica ainda mais ruborizado com minha provocação, mas uma nova expressão se forma em seu rosto, mais valente, séria.

- Fico feliz que vamos trabalhar juntos então. Talvez você possa me ensinar alguns truques. – E seus lábios se curvam, agora maliciosos, com propósito, e já é a segunda vez hoje que esse garoto me deixa arrepiado.

Jeito legal de me devolver minha provocação. Minha vez de ficar ruborizado.

- Eu não sei. Não acho que você vai trabalhar com os grandes tão rápido assim. Seu tio é um sargento. Eu ralei muito para chegar aonde eu estou nessa empresa. Sua vez agora. Vai ter que tomar muita mamadeira, bebezinho – digo, dando tapinhas em seu joelho condescendentemente.

E então cai a minha ficha, e eu fico horrorizado. O que eu acabei de falar? Dei a ele a desculpa perfeita para me retrucar, e é pior e vai ser agora e-

E eu já estava prevendo o que ele ia dizer.

- Bom. Eu gosto de leite. E ele falou isso com um sorriso maior, mais malicioso, mais obsceno. Se é que era possível. E se inclinou mais na minha direção, mãos nos joelhos.

Minha única reação é pegar o copo e virar todo aquele uísque de uma vez – mas não havia mais nada. Nem uma gota. Havia bebido tudo e nem percebi que meu copo estava vazio, tão completamente absorto na conversa que eu estava tendo com aquele garoto de cabelos cacheados e olhos verdes e de lábios sangrentos. Vermelhos, quero dizer. E eu não podia acreditar que minha noite tinha se transformado naquilo, em conversa fácil e flertes descarados. E eu não fazia ideia de onde iria terminar, mas eu já nem lembrava mais da minha cama, ou de cortinas escuras ou hibernação. Eu só queria continuar aquilo, porque era novo, inesperado, misterioso e eu estava sendo atraído como um um inseto é atraído pela luz. E essa luz vinha na forma de verde, olhos verdes que faiscavam com uma promessa de algo – algo vivo. E eu estava me divertindo.

- Laura, outro! – gritei, e de repente me surpreendi comigo mesmo, pois não me lembrava de ter lido o nome da bartender na etiqueta em sua camisa, mas o nome me veio num relance de clareza. – E outro pro meu amigo aqui. Não tô mais bebendo sozinho, tá vendo? – E pra ele, digo: “Você é horrível” enquanto entrego meu copo para ela, e ele se acaba em uma risada novamente.

- Bom, eu não espero realmente que meu tio me ponha para trabalhar com vocês, grandes, logo de cara, tenho certeza de que ele vai me torturar muito. Mas vamos conviver no mesmo ambiente. É alguma coisa. E pela nossa conversa, já dá pra perceber que meu tio não me disse nenhuma besteira. Prazer em te conhecer, Guilherme Almeida – disse ele, logo depois que Laura havia terminado de encher nossos copos. E levantou o seu na minha direção, sugerindo um drinque, e eu bati nossos copos, feliz, enquanto respondia “Prazer, Lucas Pacheco. Advogado bebê”. E enquanto ele ria, antes de formular resposta, eu tomei meu primeiro passo ousado daquele dia:

- Quer ir lá pra fora, pra sacada? Aqui tá muito quente, e eu não aguento mais todo esse barulho.

- Claro – ele respondeu, já se levantando, e enquanto o fazia ele retirou seu blazer, revelando braços musculosos e tonificados debaixo da clara camisa que ele usava. Ele afrouxou a gravata, enrolou as mangas da camisa (mostrando aquela pele clara, levemente dourada, firme) e com uma mão nas minhas costas, disse “Vamos?” perigosamente perto do

meu ouvido.

De repente me lembrei do comercial que vi mais cedo na tv. “Coisas boas acontecem quando você menos espera.” E, Deus, se eu bebesse refrigerante, eu compraria litros daquele

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Comentários

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UAU. Que conto animal. Muito bom descobrir essas jóias aqui! Vou ler o outro

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Obrigado pelo comentário, e sim, postei agora a continuação, depois de mais de um ano de espera haha desculpe pela demora. Espero que você goste! :)

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