Capitulo quatro.
Na manhã seguinte meu sonho ainda me perturbava. Os olhos do demônio em cima de mim assombrava minha mente me fazendo sentir mais culpado do que nunca. Fui criado em uma familia evangélica e por isso sempre ouvi que gays iriam para o inferno assim como incestuosos. Meu sonha nada mais era do que um lembrete disso.
Minha familia tomou café junta como todos os dias. E como todos os dias nó oramos antes de comer. Me senti um intruso naquela mesa cheia de pessoas santas sendo eu um pecador merecedor do inferno. Em uma prece silenciosa pedi para Deus me livrar todos os meus sentimento pecaminosos.
Na escola algo me incomodava. Gabriel não parava de me lançar olhares discretos para que ninguém visse, mas eu vi. Por que ele estava me olhando dormir? Tudo bem que eu fazia isso quando ainda dormiamos no mesmo quarto, mas nunca fui ao quarto dele para observa-lo.
— Você acha que eu vou para o inferno? — indaguei para Miguel enquanto voltavamos para casa.
Pelo seu olhar percebi que ele achou minha pergunta estranha.
— Sabe que não acredito nisso — Miguel respondeu — Mas por que pergunta isso? Fez algo errado?
— Não é o que eu fiz e sim o que eu sinto.
— E o que é? — perguntou preocupado.
— Não é nada. Esquece.
Miguel tentou de todas as formas me fazer dizer o que eu quis dizer com aquilo, mas eu nunca disse.
Chegamos em sua casa e fomos direto para seu quarto. Miguel ligou o notebook e se jogou na cama box. Larguei minha mochila no cão e me sentei ao seu lado o vendo usar o facebook.
— Você não respondeu a minha pergunta — resmunguei.
Miguel desviou os olhos do notebook para mim.
— Você também não respondeu a minha — argumentou.
Apesar de Miguel nunca ter demonstrado ser preconceituoso eu tinha medo de sua reação. Mas precisava contar o que eu era para alguém e confiava inteiramente em Miguel.
— Se você me responder primeiro eu respondo a sua pergunta.
— Promete? — Miguel indagou.
— Alguma vez eu já menti pra você? — indaguei.
Miguel sorriu e em seguida respondeu.
— Sabe que não acredito nisso Enzo, mas digamos que o inferno e o céu existam. Você não merece ir para o inferno. É a pessoa mais generosa, prestativa e amiga que eu conheço. Acho que de todas as pessoas que conheço, você é a que menos merece ir para o inferno.
— Acha mesmo? — indaguei querendo chorar, mas me contiver.
— É claro que sim, Enzo. Você é uma ótima pessoa e eu gosto muito de te ter como melhor amigo. Agora responde a minha pergunta.
Ele me olhou inquisidor me fazendo respirar fundo.
— Eu... — tentei, mas as palavras não saiam — Eu... Eu... — respirei fundo mais uma fez tentando relaxar — Eu sou gay.
Silencio.
Senti algo estranho dentro de mim. Sentia medo de ser rejeitado por meu amigo. Sentia medo de que aquele momento marcasse o fim de nossa amizade. Sentia medo de que minha vida desmoronasse naquele momento. Mas também me sentia bem. Sentia que um enorme peso tivesse sido tirado de meus ombros. Senti em meu corpo algo que não sentia a muito tempo. Um sentimento estranho de felicidade que a muito eu avia esquecido.
— Eu sou gay — repeti mais alto para ter certeza de que ele tinha ouvido.
O olhar de Miguel era atônito como se tivesse levado um soco inesperado no estomago. Sua boca estava entreaberta de surpresa.
— Eu ouvi. Só... Preciso de um tempo para digerir isso.
— E como se sente?
— Chocado, confuso e frustrado — ele foi categórico em dizer — Você é gay? Desde quando?
Pensei a respeito.
— Sei lá! Desde que nasci? — não sabia ao certo como responder, pois não conseguia me lembrar de um momento da minha vida onde decidi ser gay. Eu era assim desde minhas primeiras memórias de criança.
— Então você nasceu assim? — o modo como ele perguntou aquilo me fez lembrar o modo como alguém pergunta a outra pessoa se ela já havia nascido deficiente.
— Creio que sim, pois se fosse uma escolha eu seria hétero. Du não me aceito gay e não quero ser. Mas eu sou.
— E você já... — ele não conseguiu terminar a pergunta, mas nem precisava.
— Não. Nunca fiquei com outro garoto. Nunca tive coragem para isso e além disso, a pessoa que eu gosto é terreno proibido.
Ele engoliu em seco.
— E essa pessoa sou eu? — indagou com medo.
— Claro que não! Você é meu amigo. Nunca pensaria em você dessa forma.
Ele não conseguiu reprimir o suspiro de alivio.
— Eu preciso pensar um pouco — Miguel declarou fechando o notebook e se levantando da cama — Acho melhor você ir para casa.
Eu me levantei da cama e fiquei de frente para Miguel. Ele desviou o olhar de mim para o chão sem conseguir me olhar nos olhos.
— Está tudo bem entre nós? — indaguei preocupado.
— Está — ele murmurou.
Eu o abracei amigavelmente e ele não retribuiu.
— Não conta pra ninguém — pedi o soltando — Não estou pronto para isso.
— Jamais contaria a ninguém — ele respondeu ainda sem me olhar — Mais tarde eu te ligo pra conversarmos.
— Eu vou esperar — disse sorrindo.
Fui para casa me sentindo muito melhor do que antes. Um sorriso estava estampado em meu rosto me deixando com cara de bobo. Hoje eu tinha tirado um enorme peso em minha consciência. Mesmo que não tivesse admitido estar apaixonado por meu irmão, eu me sentia mais leve.
Ao entrar em casa a primeira coisa que ouvi foi o som do violão de Gabriel. Entrei em casa e pude ouvir sua voz vinda do seu quarto. Uma voz ligeiramente grave e muito afinada. Era como ouvir um anjo cantar.
Encontrei minha mãe tirando poeira da estante da sala cantando a música So easy da Marjorie Estiano junto de meu irmão. Ela não gostava da música, mas de tanto ouvir meu irmão tocando ela acabou aprendendo a letra.
— Oi mãe — a comprimentei dando-lhe um beijo no rosto.
— Está feliz hoje — ele sorriu — Viu o passarinho verde?
— Não — eu disse sorrindo — Só estou feliz.
— Isso é bom — ela sorriu.
Gabriel começou a tocar a música e a cantar ainda mais alto do que antes.
— Acho que ele está apaixonado — minha mãe sorriu — Não parou de tocar música romântica desde que chegou da escola!
Aquilo foi como uma facada em minha alegria. Por mais que eu negasse meus sentimentos pecaminosos por Gabriel, não podia deixar de sentir ciúmes e raiva. Raiva por ele não estar apaixonado por mim.
— Você acha? — indaguei tentando manter o sorriso, mas ele pareceu um tanto falso.
— Pode ser. Sabe que ele não me conta nada — minha mãe admitiu — Mas ele chegou em casa com um sorriso no rosto, me abraçou e me beijou e depois foi para o quarto e ta tocando desde então.
— Vou lá falar com ele e ver se descubro quem é a sortuda — Quem é a puta! Disse para mim mesmo.
Fui até o quarto de Gabriel e parei na porta aberta. Ele sorriu ao me ver, mas não deixou de cantar. Logo eu o acompanhava. Assim como Gabriel, eu também sabia cantar e tocar violão embora quase não o fizesse. Ficamos ali cantando a música inteira enquanto eu olhava para meu irmão sorridente. Eram raros os momentos em que Gabriel não estava feliz, mas mesmo assim eu achava lindo e único cada um de seus sorrisos.
— Tá feliz hoje! — Gabriel exclamou assim que a música acabou.
Dei uma ligeira gargalhada e me aproximei de meu irmão sentando em sua cama. Ele tirou o violão do colo e eu pude ver seu peito desnudo.
— Você também — disse passando a mão por seus cabelos.
— Dá pra ver? — ele sorria de uma forma tão pura que me causava mini ataques cardíacos.
— Do outro lado da cidade — brinquei e Gabriel sorriu — O que aconteceu?
— Promete que não conta pra ninguém? — ele me pediu com aquele lindo olhar que só ele sabia lançar.
— Prometo.
— Eu estava ficando com uma mina a algum tempo e hoje combinamos de nos encontrar na casa dela de manhã já que os pais dela não estariam. Faltei a escola e fui para a casa dela e rolou. Minha primeira vez mano!
Sei que deveria ficar feliz por ele, mas não. Senti um ódio tão profundo por essa garota que nem conhecia que comecei a sentir ódio de mim. Afinal eu não deveria ter esse tipo de ciumes por Gabriel.
— Vocês transaram — Não consegui esconder minha raiva.
— Qual é o problema Enzo? — ele perguntou confuso — Não está feliz por mim?
— Claro que estou! Estou muito feliz por você irmão! — não conseguia me controlar ou controlar o sarcasmo em minha voz
— Por que esta agindo assim?— ele falava alto — Você deveria ficar feliz por mim Enzo! Você é meu irmão droga!
— Você não acha que eu sei disso?! — gritei — Acha que precisa ficar me lembrando que sou seu irmão como se isso não me perseguisse todos os dias da minha vida!
— O que? — Gabriel perguntou confuso — Você está estanho já a algum tempo Enzo. Deixa eu te ajudar.
Ele veio até mim e eu me levantei da cama para me afastar dele.
— O que é que está havendo aqui? — minha mãe apareceu na porta do quarto.
— Não é nada — respondi passando por minha mãe.
— Volte aqui Enzo!— eu a ignorei e entrei no meu quarto fechando a porta.
Minha mãe me deixou em paz depois disso. Fiquei no quarto um bom tempo. O resto do dia se passou de forma estranha, pois a tenção entre mim e Gabriel estava no ar e todos podiam sentir. No inicio da noite meus pais saíram com um casal de amigos como faziam pelo menos uma vez por mês deixando eu e Gabriel sozinhos.
— Me desculpe — pedi para Gabriel enquanto estávamos na sala assistindo televisão — Não sei o que deu em mim.
— Nem eu — Gabriel foi ríspido — Qual é o seu problema hem Enzo? Você me odiava quando criança depois passou a me amar e agora esta estranho comigo. Qual é a sua?
— Você é o meu problema — não pude segurar, pois as palavras saíram sem que eu pudesse controla-las.
— Eu? Você tem ciumes de mim é isso? — pude sentir a raiva emanar por seu corpo. Gabriel se levantou do outro sofá e se sentou ao meu lado — Não precisa ter ciumes de mim. Você sabe que é o preferido da mãe e do pai.
Eu dei uma gargalhada com aquilo.
— Não tenho ciumes de você com nossos pais! O problema é você! Eu te amo demais Gabriel!
— Eu também te amo Enzo e por isso quero te ajudar. Você não esta...
Não sei quando, como e nem o que estava pensando. A única coisa que sei é que eu senti seus lábios pressionados contra os meus oferecendo certa resistência. Uma resistência que logo se desfez e meu irmão correspondeu ao meu beijo. Seu beijo era melhor e mais caloroso do que o do demônio en meu sonho. Seus lábios eram mais ferozes e urgentes.
Meus dedos se emaranharam em seus cabelos lisos o puxando para mais perto de mim me fazendo sentir o calor de seu corpo mais próximo do meu como se fôssemos um só.
Gabriel se afastou de mim e seus olhos cor de mel ae fixaram nos meus. Seu olhar demonstrava medo, culpa e dor.
— Você tem problemas — ele se levantou e correu para o quarto se trancando lá.
Me levantei e caminhei pesadamente em direção ao meu quarto sem conseguir acreditar bo que eu fiz. Eu havia beijado meu próprio irmão. Aquele era um pecado tão horrível que eu não dormi a noite inteira pensando nissoEspero que tenham gostado de mais esse capitulo.
Sei que muitos de vocês acharam estranho e assustador o sonho que Enzo teve no capitulo anterior assim como eu também achei. Na verdade eu tive aquele sonho por volta dis quatorze anos quando comecei a gostar do meu melhor amigo. Essa pode até ser uma história fictícia, mas alguns poucos fatos e sentimentos que o protagonista sente são coisas que passei e senti. Assim como Enzo fui criado em uma familia extremamente religiosa e preconceituosa. Varias coisas me foram ditas sobre a homossexualidade durante minha infância e adolescência sempre fazendo eu me sentir pior. Até hoje não me aceitei completamente.
Bom, até o próximo capitulo.