Já eram quase 11 horas da manhã quando saimos, e meu pai ainda não tinha voltado, na verdade eu nem me preocupei muito com isso. A viagem foi lenta e silenciosa, cada um preso em seus pensamentos. Paramos em um posto no meio do caminho, pra almoçar. Nem se quer falei o que queria, só apontei qualquer prato do cardápio e Gisele o pediu, não toquei no prato quando este chegou, eu estava sem fome alguma, só ficava o encarando, com o olhar distante e a mente mais ainda. Lídia e Gisele comiam em silêncio, mas, mesmo que tivesse acontecendo um show ali, eu não ouviria nada além de meus próprios pensamentos.
-No que você está pensando, pai?- ouvi, mas era como se não fosse comigo- Pai? Pai??
-Deixa ele, Lídia...-Gisele respondeu, tocando meu braço.
-Tudo bem, desculpa...
-Na sua mãe...- disse com uma voz rouca- Estou pensando na sua mãe...
-Mas eu pensei que...
-Deixa seu pai, Lídia.-Gisele interrompeu Lídia antes dela terminar de falar.
Elas terminaram de comer, meu prato continuava como tinha chegado, nós pagamos e seguimos viagem, tão quietos quanto antes. Era difícil pra mim aceitar, mas eu não tirava Marie da cabeça. Ela era a mulher da minha vida, e eu queria que continuasse sendo. Não houve um momento desde que eu sai de casa, depois de nossa briga, que eu não pensasse em voltar lá, beija-la e esquecer tudo o que havia acontecido, mas, embora esse desejo fosse muito maior do que o de deixa-la, eu não fiz isso. Eu sabia que, mesmo a perdoando, eu não esqueceria, que nunca mais seria o mesmo com ela, e sabia que ela também não seria a mesma comigo, já não era mesmo antes de eu descobrir, mesmo eu não percebendo. Eu sabia que se, naquele momento, voltasse a viver com Marie, não conseguiria olhar mas pra ela como antes, mesmo a amando mais que minha vida, compartilha-la com Marie, depois de tudo, seria muito pior do que ficar separado. Se fosse outro, eu talvez conseguisse, mas me trair logo com meu melhor amigo... esse que, tenho certeza, socaria com ainda mais força se o visse novamente.
Perdido em meus devaneios, chegamos em Curitiba, fui direto a um hotel praticamente do lado da empresa onde trabalhava, que pra minha sorte, tinha quartos vagos, ou melhor, um quarto vago, uma bela suíte. Levei as malas de Lídia pro quarto, me despedi delas e fui pra empresa, mesmo sendo quase 4 horas da tarde. Cheguei e entrei diretamente na minha sala, não comprimentei ninguém, pra mim era como se só existisse ali. Poucos minutos depois o telefone tocou, minha secretária, dizendo que o presidente queria falar comigo. Eu fui até a sua sala andando como um zumbi.
-Marcos, você tá péssimo.-ele me disse quando entrei, seu nome era Paulo, tinha 40 anos, neto do fundador da empresa, ganhou o cargo quando este morreu, pois seu único filho, pai de Paulo, morreu jovem em uma tragédia quando Paulo tinha 5 anos. Apesar de ainda ser jovem quando assumiu a empresa, há 5 anos, ele foi um ótimo presidente, muito inteligente, nos últimos 5 anos a empresa cresceu o mesmo que os últimos 15 anos de gestão de seu avó. Paulo era, apesar da posição, um cara normal, alegre, e mais o imprecionante, humilde, não gostava que o chamassem de "senhor", conversava com todos os funcionários, e até ia as festas e churrascos da empresa, na verdade era mais frequente nelas do que eu.
-Eu sei...-respondi olhando pro chão.
-O que aconteceu com você? Ligamos pra sua casa e ninguém atendeu. Você precisa comprar um celular.
-Pois é...
-Onde esteve? Perdeu a reunião hoje, e... você sabe que ainda está difícil depois do escândalo...
-Me desculpe...
-Você tá péssimo mesmo. O que aconteceu?
-Eu... eu me separei...
-Minha nossa, Marcos. Desculpa, eu não sabia.
-Não precisa se desculpar assim, ninguém morreu...
-O seu casamento morreu...
-É...
-Oh, merda. Nem sei por que falei isso... Tudo bem, você vai pegar essa semana e a próxima de folga.
-Não precisa...
-Precisa sim. Eu não quero te ver assim, tem que se recuperar, e ficar aqui não vai ajudar. E nem vai ajudar a empresa.
-Tudo bem, você que manda...- disse me levantando.
-Foi... foi muito grave?
-Não consigo pensar em algo pior...
-Meu Deus, cara... Olha, eu não sei o que aconteceu, nem vou pedir pra você me contar, mas... não desista assim tão fácil... dê outra chance, ou busque se redimir, não sei o que aconteceu...
-Eu queria, queria mesmo dar outra chance... mas não sei se consigo...
Eu sai, fui pro hotel, ainda como um zumbi. Subi, entrei no quarto e me joguei na cama de casal, nem percebi se Gisele ou Lídia estavam ali, só cai na cama e dormi.
Acordei quando a fome me obrigou, Lídia e Gisele estavam sentadas no canto da cama, olhando pra mim, quietas.
-Acordou finalmente...-Lidia disse olhando pra mim.
-A fome me acordou...-tentei esboçar um sorriso, mas não consegui.
-Nos duas fomos na nossa casa...-Gisele disse segurando minha mão enquanto me sentava sobre a cama.
-Nossa EX casa...-disse olhando pro chão.
-Você tem certeza disso, pai?-Lídia perguntou.
-Sim, eu não conseguiria mas viver lá... Vocês disseram que foram lá?
-Fomos pegar algumas roupas pra você e pra mim.-Gisele respondeu.
-E... e ela tava lá?
-Não...
-Não?
-Nem ela, nem o carro dela, e o guardaroupa tava todo revirado... E o telefone tocava desesperadamente...
-Vocês atenderam?
-Não...
-Por que?
-Eu não sei, ficamos com medo de ser a Marie ou o HP e... eu não queria falar com eles...
-Pois é...
-Pai...-Lídia segurou na minha mão.
-Que foi, filha?
-Eu acho que, talvez, fosse o vovô... nós não avisamos que eu vim, ele deve tar desesperado...
-Ok, eu vou ligar pra ele...
Eu liguei pelo telefone do hotel, demorou um pouco até o telefone parar de dar ocupado.
-Pai?
-Meu Deus, Marcos. O que aconteceu? Cadê a Lídia??
-Calma, pai... ela tá comigo, a Gisele também...
-Você não tem noção do quanto eu fiquei preocupado, filho... o que aconteceu?
-Eu busquei a Lídia... trouxe devolta pra casa...
-Eu tomei um susto e tanto.
-Desculpa por não avisar...
-Ok, só não faça denovo...
-Certo, pai...
-Mas se você e a Lídia estão bem, por que a Marie estava tão desesperada?
-Como assim?
-Ela chegou chorando, desesperada, fizendo que tinha feito uma burrada, que tinha destruído o casamento, destruído a família, destruído a própria vida... eu liguei muitas vezes pra sua casa, depois pro trabalho, e depois pra casa denovo e... ninguém sabia onde você tava...
-A Marie foi até sua casa?
-Não, foi pra casa da mãe dela...
-Ok...
-Mas o que aconteceu, filho? Por que ela disse que tinha destruído tudo isso?
-Ela... nós nos separamos pai...
-O quê?? Como assim?? Por que??
-Ela... ela me traiu, pai...
-Meu Deus, filho... mas você tem certeza sobre separação?
-Sim...
-Mas ela parece muito arrependida, filho...
-Talvez arrependida de ter sido descoberta...
-Não fala assim da sua es... ex esposa. Eu sei que vocês ainda se amam muito...
-Desculpa, pai, mas eu não posso...
-Filho, você não viu como ela estava... eu tenho certeza que ela nunca mais vai fazer nada de ruim, se vocês voltarem...
-O que tinha pra fazer de ruim já foi feito...
-Você não pode jogar tudo fora por causa de uma noite de erro, filho...
-Esse é o problema, não foi só uma noite... foram meses de erros... com meu melhor amigo...
-Nossa, eu... eu não sei o que dizer...
-Não precisa dizer nada, pai...
-Na verdade, depois de tudo isso... eu tenho que te contar uma coisa...
-O que foi, pai?
-Eu e a sua... sua ex sogra... estamos namorando... ou estavamos...
-Estavam?
-Eu acho que depois disso, você não ia querer nos ver juntos...
-Não seja besta, pai... a cota de homens tristes da nossa família já estourou... você não tem que sofrer por um erro que não foi seu...
-Obrigado, filho...
-Não tem que agradecer, pai. Tudo o que eu quero é que você seja feliz, seja com quem for...
-Eu também desejo o mesmo pra você, filho...
-Obrigado, pai... mas o que eu menos quero agora é conhecer "alguém"...
-Filho, a sua irmã Gisele...
-Pai, não se preocupa com isso...
-Não, como eu disse, tudo o que eu quero é que você seja feliz, e ela também, e... se vocês forem felizes juntos... eu não vou interferir mais...
-Obrigado, pai... mas não vai acontecer nada entre ela e eu...
-Você não pode garantir isso...
-Mas eu posso tentar...
-Mas não precisa... eu vou desligar agora, filho...
-Ok, tchau, pai...
-Tchau, e seja forte...
-Eu vou ser...
Desliguei o telefone e subi pro quarto novamente. Será que Marie estava mesmo arrependida? Será que eu devia dar lhe outra chance? Depois de 15 anos de casado, eu mal conhecia minha esposa. Ou talvez conhecesse muito bem, só estava com medo do que poderia acontecer depois. Mas eu decidi que ao menos teria que me dar um tempo, pra por a cabeça no lugar. Quando entrei, Gisele e Lídia estavam conversando deitadas na cama.
-Vocês vão dormir comigo na cama?-perguntei.
-É... eu vou pedir outras duas camas de solteiro...-respondeu Gisele, um pouco cabisbaixa.
-Eu não estou reclamando, só estou perguntando.
-Oh, se você deixar...
-É claro que eu deixo.
-Você quer jantar?
-Se vocês quiserem sair, podem ir. Eu vou comer aqui mesmo...
-Não, nós vamos ficar aqui com você, pai.-Lídia disse segurando minha mão.
-Ok, eu vou pedir então...
Comemos todos juntos no quarto um pouco quietos. Depois deitamos juntos na cama Gisele na esquerda, eu no meio e Lídia na direita. Lídia estava deitada sobre meu peito, e eu abraçada a ela, mas Gisele estava um pouco distante.
-Pai, você vai mesmo se separar da mamãe?
-Sim, Lídia. Nós já conversamos, e você sabe que o que ela fez foi muito grave...
-Sim, mas... você, um dia, vai conseguir perdoa-la?
-Não... não sei... talvez... Por que você tá perguntando isso?
-Não sei, acho que não é fácil ver os pais se separando...
-Eu sei que não é. Me desculpe, filha...
-Não, pai. Não é você que tem que se desculpar... eu só quero que você seja feliz... quem quiser ser...
-Quando foi que você cresceu tanto?-brinquei.
-Quando você não estava por perto...
-Eu sei... me desculpe por isso também. Acho que não devia ter deixado você com seu avó...
-Não, pai. Tudo bem. No fim, foi o melhor. Pra mim, e pra vocês... mesmo não estando mais juntos agora.
-Eu...
-Pai, como eu falei. Eu só quero que você seja feliz, com quem quiser te fazer feliz...
-Obrigado, filha. É tudo o que eu quero pra você também...
Eu beijei sua testa, e ela adormeceu sobre meu peito. Eu achei aquela conversa um pouco estranha, com certeza não era a mesma Lídia que eu havia deixado a dois meses. Mas havia algo a mais naquela conversa, talvez ela tenha tentado me dizer alguma coisa, ou mesmo tentado dizer a Gisele. Ela sabe da minha história com ela, eu havia pedido a Marie pra contar a algum tempo, não gosto de ter segredos com minha filha. Mas nessa mesma conversa, Marie explicou que tudo fazia parte do passado e que tudo era o mais normal possível entre eu e Gisele. Talvez Gisele tenha contado sobre a noite que me beijou, mais cedo naquela semana, e Lídia tenha tentado dizer a mim que tudo bem, ou tentado dizer a Gisele. Ou talvez estivesse se referindo a si mesma, e da noite em que ela me beijou a dois meses. Ou ainda talvez tentando dizer as duas coisas ao mesmo tempo. Eu relmente não sabia o que pensar, minha cabeça já estava por demais ocupada com Marie e nossa separação.