Demorou para que o Manoel dissesse alguma coisa. Mas isso não estava me incomodando. Eu fui lá por que quis, e agora tenho que arcar com as consequências.
_Vou te levar para um hospital.
Ótimo, porque eu estava tonto. Nunca tinha levado um tapa na vida, quanto mais um soco daquela potência.
No hospital só confirmaram o que eu já sabia, um dos meus dentes estava quebrado. Ainda bem que não foi nenhum dos da frente, mas ainda assim teria que perder tempo e dinheiro com dentista nos próximos dias. Ele não falava nada, só me olhava ou ajudava. Eu é que não iria dizer nada, afinal minha boca estava dolorida.
Quando estávamos chegando em casa comecei a me desesperar. O que o Murilo iria pensar? Como contar pra ele? Quando o carro estacionou, ele estava me esperando na calçada, e ao nos ver chegando foi me tirando do carro.
_Onde você estava, eu.... o que houve? Quem fez isso com você?
Logo ele olhou para o Manoel, que estava de cabeça baixa apenas ouvindo.
_Seu filho da puta, que merda você fez com ele?
Nisso ele foi avançando, tive que me mexer e entrar no meio. Tudo doía, mas ainda conseguia falar com um pouco de esforço.
_Não foi ele. Depois eu explico, agora só quero entrar e tomar um banho e ir pra cama.
Ele me ajudou a entrar no prédio e a entrar no elevador. O Manoel estava conosco, e quando chegamos no nosso apartamento, fui logo pro banheiro tomar um banho. Enquanto tomava banho escutei o Murilo gritando, mas não consegui identificar o que ele dizia. Deixei pra lá, eu não podia defender ninguém nas minhas condições.
Quando sai, o Manoel estava sentado no sofá com as mãos na cabeça e o Murilo veio ver como eu estava.
_Eu já sei de tudo. Você ficou maluco? Achou que iria resolver tudo sozinho? Você não está mais sozinho, você tem a mim pro que der e vier.
_Eu sei, só tomei uma decisão errada. Manoel, o que vai acontecer agora?
Mais silêncio, e isso já estava começando a me irritar.
_O que vai acontecer?
_Provavelmente com você nada. Mas comigo, eu não sei. Podem me dar uma surra, pedir dinheiro, me ferrar de algum outro jeito, ou ainda simplesmente me matar.
Isso não poderia ser verdade. Logo quando eu estava feliz por estar curtindo uma pessoa acontece uma coisa dessa. Eu estava começando a ficar com medo daqueles caras.
_Desde quando você é usuário?
_Alguns meses. Mas eu uso muito pouco, eu consigo me controlar.
_E você espera que eu acredite? O que deu em você pra entrar nessa? Quem te levou pra lá?
_Eu simplesmente entrei, tá? Fui em uma festa e um amigo meu estava fumando um cigarro, ele perguntou se eu queria experimentar e depois acabou acontecendo. De vez em quando eu os procurava para comprar mais.
_Olha, eu não estou legal pra discutir agora. Vou pra casa, amanhã na facul conversamos. Nem pense em faltar, você me deve explicações.
_Olha, eu não queria que isso tivesse acontecido. Você não devia estar lá, você não tem motivos pra se preocupar. Rafa, eu agradeço sua preocupação, mas isso é assunto meu. E Murilo, da próxima vez que tú gritar comigo daquele jeito, eu não vou ficar calado.
Isso realmente me pegou de surpresa. Que papo é esse?
_Manoel, vai se fuder! Se esconde nos seus problemas seu bosta, mas da próxima vez, acho melhor eu não ter motivos pra gritar com você. E mais, se alguma coisa acontecer com o Rafael, eu vou atrás de você até no inferno se for preciso.
_Por que tanta proteção? Fala sério, cuida da sua vida!
_Você é um palhaço mesmo cara, vai se lascar!
_Você realmente não aprende. Com esse mesmo discurso de salvador da pátria. É por isso que você não serve pra mim...
Depois de dizer isso ele olhou pra mim, lembrando-se que eu também estava na sala.
_Eu não sirvo pra você mesmo. Sou muito homem para você!
_Idiota, eu não quis dizer nesse sentido.... eu quis... ah, quer saber, vai se fudê!
_Fala, tenha coragem, assuma que você é um gay no armário! Fala covarde, tá com medo? Qual o problema? Vai fugir daqui e não falar comigo que nem você fez naquela noite que a gente transou?
Mais uma vez ele olhou pra mim. Era um olhar de raiva e vergonha, mas também de culpa.
_Se eu fugi de você é porquê não quero viver nessa vida.
_Fale isso para os outro caras que você pegou depois, então!
O Manoel estava ficando cada vez mais irritado, essa discussão dos dois era algo que já deveria ter acontecido a muito tempo, mas como diz o ditado, “antes tarde do que nunca”.
_Não precisamos discutir isso na frente dele. Rafa, vai dormir, amanhã a gente se fala.
_Ele não precisa sair daqui Manoel, ele já sabe sobre nós.
_Ele o que? Você contou?! Você é um burro sabia, vai tomar no cú seu filho de uma puta! Saiu pra todo mundo contando? Você é um idiota, quer o que? Que todos apontem pra você e te chamem de viado?
_Você é o idiota da história. Vai se fuder você!
_Rafael, você não tem nojo de morar com um cara como o Murilo? Admita, ninguém quer viver com alguém assim. Por isso eu nunca disse isso pra ninguém.
Respirei fundo, busquei coragem e lancei um olha firme pra ele.
_Eu não tenho nojo, eu não tenho nada contra ele. Sabe por que? Porque nós dois estamos juntos.
A expressão dele era de quem não acreditava no que estava ouvindo. Ele ficou de boca aberta por um tempo, tentando dizer alguma coisa sem conseguir falar nada concreto. O Murilo chegou perto de mim e colocou a mão no meu ombro.
_Manoel, o Rafael também descobriu que era bi, aconteceu que nós nos beijamos e depois de alguns dias transamos. Mas sabe qual a diferença dele para você? Ele aceitou quem ele era, diferentemente de você que quis se esconder na sua aparência de machão. Cresça e aprenda, gostar de homem não é vergonha, não!
_Eu simplesmente não acredito. Rafael.... eu não sei o que dizer. Você? Você nunca deu pinta!
_Pois é, eu descobri. Foi difícil, mas ainda assim não estou pensando nas coisas negativas. Era isso que você deveria ter feito.
_Chega, eu não quero mais saber de vocês por hoje. Amanhã eu quero falar com você Rafael. Agora sou eu que quero conversar.
_Beleza, vai embora. Amanhã nos falamos.
Depois que ele se foi o Murilo parecia não acredita no que eu havia feito.
_Por que?
_Porque sim. E não me arrependo, já foi.
_Bom, estou feliz que você fez isso. Mas agora vamos esquecer essa situação toda por um momento, vamos dormir. Dorme comigo no meu quarto.
Dormi mal naquela noite. Eu sempre ficava pensando no que eu tinha me metido. O medo estava me matando. Medo de aqueles caras irem atrás de mim novamente ou de o Manoel espalhar pra todo mundo que eu e o Murilo estávamos tendo um lance.
Parecia que o Murilo também estava tendo problemas para dormir. Rolava o tempo todo na cama, estava inquieto. Foi assim até que ele levantou-se e foi até o banheiro. Levantei também e vi que eram 3 da manhã. Fui até o espelho, vi que meu rosto estava inchado e levemente roxo. Ótimo, aparência de zumbi na universidade! Revigorante!
Quando o Murilo saiu do banheiro, me chamou para ir até a varanda. Ficamos lá, eu sentado no colo dele. Falávamos algumas coisas de vez em quando. Isso ajudou na distração, e quando percebemos o sol estava nascendo.
Ir pra universidade com cara de zumbi e sem dormir foi uma experiência única, da qual eu não quero mais realizar. O que vale é que o Murilo estava sempre comigo, perguntando se seu precisava de alguma coisa ou se estava com alguma dor. Com os remédios a dor estava em segundo plano. O que realmente me incomodava era a iminente conversa com o Manoel.
Chegado o momento, o Murilo fez questão de estar comigo. Matamos as primeiras aulas para irmos até um canto da facul. O Manoel aparentemente se incomodou com a presença do Murilo.
Iria ser, aparentemente, uma conversa longa.