_Murilo, o que aconteceu?
_Rafa, meu pai. Minha mãe fez eu contar tudo e ele me disse muitas coisas horríveis. Depois meus pais brigaram feio e agora ele saiu de casa. Minha mãe foi atrás e eu tô nessa situação....
_Tenta se acalmar, eu sei que é difícil. Me diga, o que foi que ele te disse?
Ele chorou mais um pouco o que me cortou o coração.
_Ele disseque não criou filho pra ser veado.
Era o que eu temia. É muito comum acontecer isso diante de uma situação semelhante. Ouvir o Murilo dizer aquelas palavras fez minha imaginação criar a mesma situação, mas com o meu pai proferindo tais palavras. Eu podia imaginar o quanto meu namorado estava sofrendo, e a distância só fazia o sofrimento de ambos aumentar.
_Eu sinto tanto por não poder estar aí com você.
Mais choro. Parecia uma criança. Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ele rapidamente disse algo.
_Minha mãe acabou de chegar em casa, depois te ligo de novo.
Antes que eu pudesse falar ele desligou. Por um momento pensei em ir até lá, até tinha pegado as chaves do carro, mas desisti. A minha presença lá só iria piorar a situação. Eu precisava conversar com alguém a respeito, e como meu irmão não estava em casa, liguei para o Victor.
Contei tudo a ele, que ficou horrorizado com a situação. Ele me aconselhou a não ir até lá, já que minha presença iria desencadear alguma atitude extrema do pai dele. O Victor só me aconselhou a mostrar meus sentimento a distância.
Poderia parecer descaso, mas eu realmente não poderia ir até lá e causar mais problemas. Porém ficar de mãos atadas era horrível.
Como ele estava demorando para ligar de novo, pensei em tentar contato eu mesmo, mas também desisti. Alguma coisa estava acontecendo lá naquele momento, e interromper não parecia ser uma boa ideia.
Passei o resto do dia em agonia. Ele não respondia minhas mensagens e tampouco me ligava. Até que por volta das 23 horas ele me ligou. Aparentemente, mais calmo, porém suas palavras estavam manchadas com uma dor profunda.
_Eu não sei o que vou fazer agora Rafael. Eu estou no fundo do poço. Meu pai continua irreconhecível, dizendo coisas horríveis e discutindo a todo momento com minha mãe. Eu não sei o que vai ser de mim!
_Murilo, eu queria estar junto a você agora para dar meu apoio, mas eu não posso. Isso seria uma afronta pro seu pai. Então venha você pra cá, tenho certeza que sua mãe irá concordar, já que no momento ela é a única que pode tentar controlar ele. Além do mais, ela me disse que está depositando esperanças em mim, então ela vai ajudar. Vem pra cá!
_Eu não sei. Eu quero muito ficar perto de você, mas tenho medo de que isso possa fazer ele ficar com mais raiva.
_Ele é seu pai, ele vai ter que relevar pelo menos.
_Isso é teoria.
_Vem pra cá, eu cuido de você!
_Eu vou ver com minha mãe. Depois retorno.
_Ok!
Depois que ele desligou o Matheus chegou em casa. Contei tudo a ele e quando percebi estava chorando. Eu odeio chorar, mas naquele momento o sentimento de impotência diante do sofrimento de alguém tão importante para mim me fez chegar ao limite. Tive que ser consolado pelo meu irmão, que mais uma vez parecia ser o mais velho de nós.
_É por isso que eu não quero contar aqui em casa.
_Vai chegar um dia que você não terá opção.
_Então quando esse dia chegar, eu conto. Antes não.
_Mas o que faz você pensar que aqui em casa seria igual?
_Matheus, nenhum pai quer isso para um filho. Seria uma grande decepção pra eles também.
_Eu descobri sozinho e não foi um choque tão grande assim.
_E até hoje eu não entendo. Você sempre levou tudo com tanta naturalidade.
_kkkkkkkkkkk até hoje lembro da sua cara quando eu descobri. Mas que escolha eu tinha? Você sempre foi meu irmãozão. Não era por isso que você iria ser outra pessoa. Além do mais, eu gostei muito do Murilo, e se era pra ter um cunhado kkkkkkkkkk que fosse ele.
_Isso não tem graça.
_Ah, tem sim. Até hoje as vezes não caiu a ficha que você corta pros dois lados kkkkkkkkkkkkk mas isso não me incomoda. Eu te amo seu idiota.
Era bom ter pelo menos um familiar que compreendia a minha situação. Porém, ele era meu irmão, o problema seria meus pais. Minha mãe mais especificamente.
Meu pai sempre foi na dele. Nunca foi como muito que fica estimulando a arrumar logo as “namoradinhas”. O assunto sexo pra ele era um tabu, assim como pra mim. Às vezes eu até ficava grato por ele não vir falar comigo sobre camisinhas e garotas. Minha mãe por outro lado, depois da minha puberdade passou a sempre comentar sobre “logo logo eu dar um neto a ela”, ou então “que queria uma boa nora”. Apesar de nunca entrar no assunto sexo, ela jogava indiretas sempre. Um dia eu a peguei vasculhando minhas coisas, e no processo deixando umas camisinhas na minha cômoda. Eu achei a atitude dela ridícula, mas depois imaginei que seria coisa de pais preocupados. Ao imaginar minha mãe descobrindo que os netos que ela sempre quis viriam apenas do meu irmão, me fez estremecer. E pra piorar, eu tinha uma avó super legal, mas super preconceituosa também.
Quando estamos em momentos assim, o que menos falta são pensamentos negativos.
Depois que meu irmão foi dormir, fiquei lá fora, perto da piscina esperando pelo retorno do Murilo. Esperei um bom tempo, mas ele realmente retornou.
_Amanhã tem um ônibus pra aí. Eu vou nele, provavelmente chegarei na hora do almoço.
_Tudo bem, quando você chegar eu te busco no terminal. O que sua mãe disse.
_Chorou um monte. Mas depois concordou que seria uma boa opção.
_E o seu pai, alguma novidade?
_Ele saiu de casa de novo. Mas antes ele me falou mais algumas coisas.
_E o que ele disse de mim?
_Rafael..... eu não quero te contar isso.
_Eu sei que é difícil. Mas aqui você me contará direito.
_Eu não sei. Você vai ficar horrorizado.
_Se você está passando por algo assim, nada mais justo do que dividir a dor.
_Eu não sei o que seria de mim sem você e minha mãe num momento desses.
_Eu sei. Mas lembra que eu te amo, e vou estar sempre do seu lado.
_Te amo!
Ficamos conversando mais um tempo, até que ele ficou cansado e disse que precisava dormir.
Naquela noite não consegui pregar o olho, sempre imaginando o que seria quando chegasse a minha vez de contar. E também lembrar que o Murilo estava sofrendo tanto me deixava angustiado. Antes das 4 da manhã, fui até o quarto do meu irmão e me deitei com ele. Não queria fica sozinho. Mais uma vez eu estava sendo o irmão mais novo.
Ao amanhecer, meu irmão ficou conversando comigo sobre toda a situação, dizendo que eu realmente precisava dar qualquer apoio possível pro Murilo.
Depois do café o Murilo ligou dizendo que estava saindo de sua cidade, e que quando chegasse iria me ligar para que eu o buscasse. Avisei meus pais de que ele viria.
Meus pais ficaram felizes, já que eles gostavam dele. Foi inevitável não imaginar mais uma vez como seria se eu dissesse que o Murilo, ao invés de um simples amigo, era meu namorado.
No dia em que eu quase revelei a eles minha orientação sexual o que me encorajou foi o fato de ter meu irmão apoiando. Mas agora isso não era suficiente.
Meu irmão me acompanhou até o terminal para buscar o baqueado Murilo.
Ao vê-lo fiquei ainda mais triste. Com os olhos inchados de tanto chorar e com um semblante horrível, em nada parecia com o meu sorridente namorado.
Nosso abraço durou um bom tempo e meu irmão acabou aderindo. Ficamos os três, parados por um bom tempo, em pleno terminal sem pronunciarmos nenhuma palavra. Algumas pessoas passavam por nós es ficavam olhando. Minha menor preocupação era não dar bandeira em público no momento.
_Que bom que você veio.
_Eu precisava ver você. Só assim eu teria ânimo pra enfrentar meu pai.
_Vamos pra casa, lá você me conta tudo certinho.
_Vamos.
No caminho o silêncio reinou. Parecia até clima de luto.
Em casa ele tentou esboçar um sorriso para meus pais, mas sem muito sucesso.
Quando ele foi levar as coisas no meu quarto acompanhado pelo meu irmão, meus pais perguntaram se ele tinha brigado com a namorada.
Seria até cômico, tirando o fato de ele não ter namorada, e sim namorado. Eu por sinal.
Mas como o problema não era comigo, tentei não mentir muito.
_Não. Os pais estão brigados, por isso achei melhor ele vir pra cá.
_Ah coitadinho!!-Minha mãe se comoveu- Diga a ele pra ficar o quanto quiser.
_Claro mãe.
Meu pai perguntou se ele iria ficar no meu quarto ou no de visitas, mas convencer de que seria melhor ele dormir comigo não foi alo difícil. Ele precisava do “amigo”.
Durante a tarde todos tentaram, sem muito sucesso distraí-lo. Ele até se esforçou para rir, mas não conseguia.
A noite, achei melhor não enchê-lo de perguntas sobre a situação. Ele precisava dormir. Dormimos abraçados a noite toda.
No outro dia, logo pela manhã, e mãe dele ligou desesperada. Ela falava tão alto que eu pude ouvir toda a conversa.
_..... e quando ele descobriu que você tinha ido para a casa do Rafael, ele ficou ainda amais raivoso. Ele foi até o seu quarto, encontrou a embalagem do presente de Natal do Rafael e pegou o endereço. Agora ele está a caminho de vocês, e eu vou atrás dele. Só liguei pra avisar que em algumas horas ele irá chegar aí, já que eu não pude evitar. Peça ao Rafael para tirar os pais dele de casa. Eu não sei do que ele é capaz. Estejam preparados. Vou desligar, vou ir atrás dele. Em algumas horas nos vemos.
Dito isso, ela desligou.
Nenhum de nós dois conseguiu dizer nada. Mas uma coisa era certa: o pai dele estava indo até nós, e as consequências disso poderiam ser desastrosas.
....
Nota rápida: Sempre curto muito os comentários em geral, mas dessa vez as análises do Jhoen Jhol e do Rick*** foram excepcionais. Caras, continuem assim rsrsrs. Obrigado!