Quando se perde os sentidos, tudo acontece ao seu redor e você nem percebe. Quando ouvi que meu “sogrão” iria aparecer lá em casa e botar a boca no trombone, a ficha caiu. Seria o fim da minha “farsa” também. Ao invés de apenas um, agora estávamos ambos contra o muro.
Imaginar a reação de todos no momento em que eu fizesse a revelação já era embaraçoso. Pensar no que meus pais iriam avaliar diante de um pai “louco” buscando despejar tudo de uma vez era doloroso. Uma dor quase física.
Saí do meu transe com a voz do Murilo.
_Vamos, precisamos inventar alguma coisa e tirar todo mundo daqui.
_Murilo, de que vai adiantar. Ele está vindo, e não vai embora até nos encontrar. Que escolha eu tenho?!
_Eu vou embora. Ele não pode simplesmente vir até aqui e contar tudo pra todo mundo. Vou agora mesmo, ligo pra ele dizendo que estou retornando.
_Esquece. Não vou te deixar sozinho.
_Amor...
Foi a primeira vez que ele me chamou de amor. Em meio a tanto sofrimento, aquela simples palavra carregada de emoções me deu forças.
_Agora eu também não tenho saída. É hoje.
_O que você está planejando?
_Quando seu pai chegar, os meus já estarão informados. É tudo o que eu posso fazer no momento para evitar algum desastre maior.
_Eu sinto muito. Eu causei tudo isso a você...
_Pode parar. Somos um só, lembra?! A partir de agora, vamos enfrentar tudo juntos.
_Você acha melhor eu sair enquanto você fala com eles?
_Não. Eu sei que mesmo que eles fiquem loucos, você estará seguro. E eu preciso de você, além do Matheus.
_Eu sinto muito por tudo isso. Não tinha que ser assim.
_Não precisava ser assim. Mas agora já foi.
_Temos umas três horas.
_Quero terminar isso o mais breve possível. Vamos.
Fomos até o quarto do meu irmão e contamos a ele sobre o que estava prestes a acontecer.
_Rafael, você tem certeza? Não é tarde pra tirar todo mundo daqui!
_Matheus, ele não vai embora enquanto não conseguir falar o que quer que seja sobre tudo. Não era assim que eu pretendia contar ao pai e a mãe, mas eu não tenho mais saída. É fim de jogo.
_Eu estou com vocês!
_Nós sabemos.
Quando saímos, os três rumo a cozinha, encontramos meu pai lendo seu jornal e minha mãe sorridente ao nos ver.
_Bom dia meninos!
Todos respondemos timidamente. Comecei a suar frio, as palavras não vinham à boca. Parecia que eu estava sufocando. Por fim, meu irmão segurou a minha mão. Olhei pro Murilo que acenou tentando me dar apoio.
_Mãe, pai. Preciso contar uma coisa.
Meu pai fechou o jornal e nos encarou. Minha mãe sentou ao lado dele. Era o momento, não havia mais volta. A única coisa que eu poderia pedir no momento é que pelo menos um deles não surtasse.
Meu pai parecia impaciente, e ao notar que meu irmão estava de mãos dadas comigo exibiu um olhar de dúvida.
_Vamos lá Rafael. Somos todos ouvidos.
_Bom, eu sei que pode ser uma coisa difícil de absorver, mas eu realmente preciso contar.
_Meu filho, seja o que for, vá em frente.
_Eu não sou tudo o que vocês pensam.
Meus pais trocaram um olhar carregado de dúvidas e foi a vez de minha mãe incitar minha fala.
_Filho, sem suspense, por favor.
_Bomfaz algum tempo que eu descobri que eu..... sou diferente.
Por um momento desejei que eles entendessem logo o recado. Mas se fizeram de bobos (eu acho).
_Diferente como?
_Esse ano descobri que eu não curto apenas sair com garotas. Eu sou bissexual.
Minha mãe ficou de olhos arregalados e a boca aberta. Seria engraçado se fosse em outro contexto. Meu pai, porém pegou o jornal que estava sobre a mesa e continuou sua leitura.
Aparentemente, ou ele pensou que era brincadeira ou tinha surtado de vez.
_Vocês não ouviram?!
Minha mãe ainda estava perplexa, porém calma. Meu pai levantou o olhar para mim, e depois para o Matheus e o Murilo.
_E agora você vai dizer que o Murilo é seu namorado?! Esperei por esse momento!
Minha mãe tirou a pergunta dos meus lábios.
_O que?
Meu pai deu um grande suspiro e jogou o jornal sobre a mesa mais uma vez.
_Querida, eu já sabia.
_Pai, como?
Primeiramente ele deu uma risada nervosa, depois olhou para minha mãe, como se fosse ela a autora da pergunta.
_Eu percebi a algum tempo uma mudança de comportamento do Rafael, e depois no Matheus.
_Querido, eu não estou entendendo nada!! Alguém pode me explicar que brincadeira é essa?!
_Você não me deixou terminar. Eu comecei a sentir que o Rafael estava por um tempo com um olhar distante quando vinha nos visitar, e isso é sintoma de paixão. Por outro lado após algum tempo ele sempre trazia consigo um ressentimento, uma dor. Em meio a tudo isso, nossos filhos que já eram unidos, fortaleceram o laço ainda mais. Querida, nós conhecemos esses dois muito bem. Eu sempre percebi mudanças de comportamento dos dois. Depois de um momento, foi fácil ver uma mudança de padrão. É simples. Havia alguma coisa a qual ambos compartilhavam, mas não nos contavam. Na primeira vez que o Murilo esteve aqui, percebi que eles eram amigos muito próximos. Mas quando ele apareceu aqui pela segunda vez, foi que eu comecei a juntar as peças. Naquele dia, eles estavam brigados, e a visita do Murilo era uma tentativa de reaproximação. Que deu certo por sinal.
_E vocês todos estavam me escondendo isso?
Depois que eu me recuperei do choque das revelações do meu pai, consegui enfim dizer alguma coisa.
_Mãe, é isso mesmo. Quando eu descobri que me sentia atraído pelo mesmo sexo, foi o Murilo quem estava no meu caminho. Com o passar do tempo passamos a compartilhar muitas coisas, e assim nasceu o nosso namoro. Eu nunca contei nada a vocês porque eu sei o quanto é doloroso para um pai ouvir que o filho é diferente.
_Você está me dizendo que você namora o seu amigo? Que você mentiu para mim esse tempo todo? Foi isso que eu te ensinei?
_Teoricamente eu não menti. Eu omiti os fatos. E o que a senhora me ensinou? Que eu deveria encher a sua casa de netos? Que eu tinha que sair com um monte de vadias? Que as camisinhas que você deixava no meu quarto deveriam ser usadas em bucetas?
Aquilo foi golpe baixo. Logo que eu disse isso vi a dor nos olhos da minha mãe. Até hoje me arrependo de tais palavras.
_É isso que você pensa de mim, meu filho?!
_Mãe, você sempre teve muitas expectativas comigo. Mas eu não posso, eu não consigo ser o filho que a senhora sempre quis. Eu não sou o filho perfeito.
_E o que é um filho perfeito? Você não compreende que para mim você e seu irmão são o que eu tenho de mais valor? Será que é difícil pra você perceber que eu só desejo a vocês dois o melhor?
_E o que é melhor mãe? Uma esposa? Filhos? Um bom trabalho?
_Não é só isso. Você sabe o quanto os...... gays sofrem?! Você acha que eu quero que meu filho seja julgado por outros?
_E o que eu tenho que fazer? Fazer igual a muitos caras e pular de uma ponte? Isso é melhor do que enfrentar todo mundo? Eu sou uma vergonha pra você, mãe?
Eu estava pegando pesado, mas eu estava na base do “a melhor defesa é o ataque”. O choro dela me fez sentir algo ruim. Era como se seu fosse a pior pessoa do mundo.
_Eu só estou contando a vocês que o filho perfeito, o futuro engenheiro, o pai de lindas criancinha não existe mais.
Minha mãe era só choro, meu irmão não dizia nada. O Murilo estava cabisbaixo e meu pai me encarava com os olhos lacrimejados. Era o seu momento.
_Eu sinto muito meu filho por deixar que isso acontecesse.
_Pai...
_Talvez eu e sua mãe tenhamos errado com vocês dois. Sempre impusemos as coisas. Ver você se transformar em uma pessoa agressiva como modo de defesa me faz perceber que meu trabalho como pai foi vago.
_Pai, não é isso...
_Veja a situação atual. Estamos todos sofrendo. Mas como seus pais, temos que suportar a dor. Mas você não deveria sofrer. Nós sempre quisemos oferecer tudo a você e seu irmão, e acabamos deixando uma coisa de lado. A nossa personalidade deve sempre ser predominante. Você se escondeu por esse ano todo, não compartilhando comigo, que sou seu pai, que você não era o que aparentava ser. Nesses últimos dias eu sempre tive vontade em conversar com você, mas eu também tenho medo. Eu não sou muito bom com as palavras e fiquei com medo de machucar você ainda mais. Também pensei em contar para sua mãe, mas pensei não ter esse direito.
_Pai. Sou eu. Eu sou o seu filho ainda.
_Eu sei. E agradeço a Deus por isso. Que bom que você nos contou. O nosso sofrimento é passageiro, mas o seu poderia ser eterno por isso.
Logo eu comecei a chorar também. Por quê tinha que ser tão difícil?
Minha mãe tinha parado de chorar e nos observava. O sofrimento em sua voz era tão gritante que me deixou ainda pior.
_Por que? Por que você não me contou antes? Você não confia em mim?
_Mãe, eu te amo mais que tudo. Mas mesmo assim eu esperava que você iria reagir assim, ou ainda pior. Que escolha eu tinha?
_Rafael, eu pensei que eu tinha sido uma boa mãe. Mas agora eu estou em dúvidas.
_Você foi a melhor mãe possível. Você não tem culpa de eu ser assim.
_Sim, eu tenho. Tenho culpa por você ser tão difícil, por você ser tão teimoso, por você ter sofrido esse tempo todo.
_Não tem. As coisas foram acontecendo...
_Mas eu quero mudar. É claro que para mim foi um grande choque. Mesmo assim, você é o meu filho, o meu Rafael e isso ninguém pode mudar. É óbvio que eu sempre tive planos para você, mas vejo que alguns deles podem não se realizar. Mas eu percebi uma coisa. Esse rapaz, que desde o primeiro dia em que nos visitou nos alegrou com sua presença, pode ser pra você alguém melhor do que muitas meninas. Não vou ser hipócrita, não era isso que eu queria para um filho meu. Mas eu não posso suportar a perda de um filho. Eu estou com vocês.
Aquilo soou como uma libertação. Minha reação foi ir abraça-la. Choramos muito. Depois abracei meu pai, que demonstrou ser, mais uma vez, um grande homem.
Quando conseguimos controlar nossas emoções, minha mãe pediu ao Murilo um abraço. Não podia acreditar no que meus olhos mostravam. Minha família abraçou a causa, e depois de algum tempo, após o Murilo contar a sua história, meus pais tornaram-se aliados contra o meu “sogrão” que estava a caminhoPessoal, gostaria de agradecer mais uma vez os comentários, especialmente os do Rick***, do Jhoen Jhol e também do coelinho33. É claro que eu gostaria de agradecer um por um, mas não posso. Quanto aos e-mails ainda não respondidos, garanto que muito breve irei retorná-los. Obrigado galera! Até a próxima!
Qualquer coisa, rafael_hanchuka@outlook.com