- Mauricio... agora você está na sala... e o que? O que está acontecendo? – perguntou o Dr. Adam.
- Eu... eu.... estou apanhando... ele...ele está se vingando de mim... eu não tenho culpa... eu... eu... – fala Mauricio ofegando demais.
- Calma. Apenas retrate o que vê.
- Ele está me agredindo... perdi o sentindo por alguns minutos e... ele está... tirando minha roupa... ele... ele...ele...
- Mauricio. Acorde. – ordenou o médico.
- Eu... – disse Mauricio se levantando. – O que aconteceu?
- Você estava recordando os momentos da agressão.
- Doutor Adam. Eu acho isso uma besteira. Só vim...
- O Pedro me contou. Você não tem culpa do que aconteceu. FoiAcidente. – completou Mauricio. – Todos me falam isso. Mas, eu vi o Ryan ali na minha frente. No meu quarto. E bati no meu esposo. Como eu posso olhar para ele depois disso?
- Mauricio. As pessoas que passam por esse tipo de situação são afetadas de várias maneiras. Algumas sonhas, outras agem como se nada tivesse acontecido e algumas entram até em estado de depressão profunda.
- Eu não estou depressivo. Só não quero mais machucar ninguém. Eu prometi proteger a minha família e...
- E até agora fez um ótimo trabalho. Mas, quem vai te proteger?
- Isso é uma besteira. Acho que nosso tempo acabou. – ele falou saindo da sala.
A parada LGBT da nossa cidade estava 'parada', mas pedi para Vinicius e Jean começarem os preparativos. O show de Ezequias estava marcado, porém muitas coisas precisavam ser feitas. Eu não conseguiria me doar par a causa, não naquele momento.
- Acho que os cartazes devem ser colocados nas principais áreas da cidade. – opinou Vinicius.
- Também acho. Ontem liguei para o pessoal da capital e eles mandaram uma amostra. Aprovei. – disse Jean.
- Tudo bem amor. Sei que será algo bonito.
- Está tudo bem docinho?
- Sim. Estava pensando no que tem acontecido na nossa vida. Fico até meio arrependido em ficar feliz com os nossos amigos sofrendo tanto. – ele disse sentando no colo de Jean.
- Por isso que somos amigos deles. Para mostrar que nos importamos com a felicidade deles. – falou o saldado com os braços em volta de Vinicius.
- Eu quero fazer algo especial. É a forma de nos levantarmos e mostrarmos que não somos minorias.
- Nossa senti até um arrepio. Eu te amo tanto.
- Quero fazer esse projeto decolar. Existem tantos meninos lá fora que precisam de orientação. Estão com medo.
- Existem casos também piores né?
- Eu sei que não vamos mudar o mundo, mas é um começo.
Estava exausto. Meu braço estava inchado, meu olho roxo e as costelas ainda doíam. Durante o banho, comecei a chorar. Não era mais uma criança, nem adolescente. Tentei esconder o hematoma do meu rosto com maquiagem. Desci e as crianças ficaram me olhando. Peguei um banco e sentei na frente deles.
- Então... crianças... o papai Mauricio passou por momentos difíceis. Lembram quando eu sofri aquele acidente e fiquei insuportável?
- Sim. – disse DJ. – Como me lembro.
- Mas, você nunca usou de...
- Filhos. – falei cortando Judith. – O meu trauma foi diferente. O pai de vocês passou por uma situação difícil. Só quero dizer que tudo está bem e não precisam ficar com medo do Mauricio. Ele nunca machucará vocês. Ele ama vocês.
- Nós também amamos o papai. – disse Paulinho.
- Eu sei meu filho. Eu sei disso.
- Pai. Preciso ir para o ensaio do recital. – falou Judith.
- Pode ir minha filha. E leva o DJ e Paulinho para o futebol. E vocês dois... – falei olhando para Pablo e Patrick. – Para cima e terminem de fazer o dever de casa.
- Ahhh pai. – eles falaram juntos.
- Ahhh nada... agora.
- Esses meninos. – disse Judith sorrindo. – Pai, não se preocupa. Tudo vai dar certo. – ela disse me beijando.
- Eu sei disso. Eu sei que vai. – afirmei com toda fé que existia em mim.
Fernanda recebeu muitos elogios da cobertura de suas reportagens. Ela inclusive foi selecionada para um estágio nos Estados Unidos. Quem não gostou muito da história foi Osvaldo.
- Amor... é uma oportunidade única.
- Eu sei. Mas, são seis meses. E...
-Vou ficar na casa do Duarte, vou estudar...
- Amor. Pensa bem. Existem muitos cursos bons aqui no Brasil. – protestou Osvaldo.
- Eu não estou acreditando. Osvaldo... você sempre contou com o meu apoio e .... você é irritante. – ela disse saindo.
- Amor, espera!
- Phelip? – disse Fernanda no telefone. – Preciso falar com você, podemos almoçar?
- Claro. Vamos no restaurante japonês. 13h.
- Ok. Estarei lá. Tenho uma novidade. – adiantou a namorada de Osvaldo.
- Espero que uma novidade boa.
- Dependendo do teu ponto de vista... vai ser...
- E que não envolva gravidez.
- Claro que não idiota! – ela gritou desligando o telefone.
Márcio voltou para a rotina no super mercado onde trabalhava. Passei lá para comprar alguns produtos que faltou na lista de compras. Quando passei por um corredor o encontrei.
- Márcio?
- Oi Pedro... e... e como estão as coisas? – ele perguntou visivelmente constrangido.
- Caminhando na medida do possível... Márcio... sei que temos nossas diferenças, mas queria te agradecer. Você salvou as nossas vidas.
- Você pode não acreditar, mas não tem um momento na minha vida que eu não pense em voltar no tempo e concertar todos os meus erros. Fui um garoto egoísta, mesquinho e pobre de espírito. Ao menos fiz algo certo.
- Algo que lhe custou o amor. – falei sem querer.
- Aquilo não era amor Pedro. Eu me iludi. Cai numa armadilha e paguei o preço. – ele disse colocando alguns produtos na estante.
- Olha... a gente ainda precisa daquela vaga na ONG. Se você quiser vamos ter uma reunião na sexta-feira.
- Claro. Vou sim. Preciso arrumar minha vida. – ele disse sorrindo e já não aparentando estar tão desconfortável.
- Espero você lá. – falei me despedindo.
- Nossa. – ele disse pra si mesmo. – Espero que tudo voltei para o lugar.
- Os produtos?! – perguntou Mikael assustando o Márcio que derrubou algumas caixas.
- Não. Minha vida. – ele disse se abaixando e pegando algumas caixas.
- Desculpe. Não pensei que estava tão concentrado. – ele disse ajudando.
- Tudo bem. Acabei de ter uma conversa um pouco forte.
- Ah. Era seu namorado? – perguntou Mikael.
- Não. Digamos que um amigo.
- Hoje vai passar um documentário muito legal sobre os animais da África. Posso assistir no teu apartamento? – perguntou Mikael.
- Claro... pode sim. Vou fazer algo para a gente comer.
- Perfeito. – disse Mikael fazendo sinal de positivo com a mão e levando uma das caixas de sucrilhos.
- Ok. – disse Márcio rindo. – Isso é um encontro? – ele pensou.
Phelip e Fernanda se encontraram no restaurante de Caleb. Eles tiveram uma tarde agradável e a jornalista falou para o meu irmão a decisão de aceitar fazer o curso.
- E o Osvaldo? – questionou Phelip.
- Deu piti. Fico com tanta raiva quando ele faz isso.
- Eu entendo o que ele sente. Afinal o Duarte fez a mesma coisa comigo.
- Mas, eu vou voltar. É um curso... – ela disse provando o sorvete.
- Querida. Tenta entender. Ele passou por momentos difíceis e você sempre esteve lá por ele. De uma hora para outra já vai mudar tudo assim. O Osvaldo está com medo de ter uma recaída.
- Ele está seguindo o programa direitinho. E está limpo há muito tempo. Aí... acho que vou cancelar essa viagem. – ela disse colocando as mãos no rosto.
- Calma. Conversa novamente com ele e pesa os pós, contras e afins. – aconselhou Phelip.
Eu e Mauricio chegamos praticamente juntos em casa. Ele subiu e eu enrolei um pouco antes de ir para o nosso quarto. Ele estava lendo um livro quando cheguei.
- E como foi a consulta com o Dr. Adam? – perguntei.
- Reveladora. – ele falou sem ao menos tirar os olhos do livro.
- Isso é bom ou ruim? – perguntei sentando na beira da cama.
- Estamos fazendo avanços... e...
- E? – falei me aproximando dele.
- E acho que não preciso disso mais. Faz tempo que não tenho crise. Toda vez que vou lá me machuco mais.
- Pensei que estava tudo bem... – falei o abraçando.
- Ele me faz viver aquela cena... de novo...de novo... de novo... – ele disse deixando escorrer uma lágrima no seu rosto.
- Oh meu bem. Eu sei que é difícil.
- Sabe? Sabe como é difícil? Apanhar... sentir uma pessoa penetrando você a força... te rasgando vivo? – ele disse com a voz alterada.
- Não... ei... calma.... – falei pegando no rosto dele.
- Desculpa. Desculpa amor.
Naquela noite. Márcio tomou um bom banho e usou maquiagem para esconder alguns hematomas da última aventura. Ele fez um prato que aprendeu anos atrás e preparou uma linda mesa. Mikael chegou no horário e os dois jantaram.
- E quem ela aquele homem no super mercado hoje? – ele perguntou para Márcio.
- Uma pessoa que eu fiz muito mal. – ele disse levantando e tirando os pratos da mesa.
- Mal? Que tipo de mal?
- Eu... eu...pensei que você soubesse....
- Passei muitos anos fora. Voltei faz uns dois meses. – ele disse se levantando e ajudando o amigo.
- Enfim. Uma hora ou outra você vai saber... eu fui o responsável pela morte do irmão do Pedro Soares.
- Você matou o Paulo?
- Você sabia...
- Eu sabia que ele havia morrido em um acidente de carro, mas... eu...
- É... isso mesmo. Se quiser ir pode ir. – Márcio falou chorando. – Eu o matei... fui preso e paguei minha divida. Agora eu entendo se não quiser ficar com um ex-presidiário. Você é livre. É até melhor que eu não me machuco mais do que já estou!!! – ele disse indo pra cozinha.
Márcio se apoiou na pia e começou a chorar. Ele sentiu uma mão pegando em seu ombro. Mikael não falou nada, apenas virou Márcio e o beijou. Eles ficaram se beijando por alguns minutos.
- Depois de tudo o que fiz com você... eu... não podemos... – disse Márcio recuando.
- Eu sempre esperei por você.
SÃO PAULO – 15 ANOS ANTES
- Estava esperando por você. – disse Márcio.
- Desculpe. Eu tive que pegar um livros e...
- Querido. Vamos começar logo? – ele perguntou.
- Vamos.
Depois de algumas horas de muito estudo, Márcio levantou ligou o rádio e começou a dançar na sala.
- Acho que devemos voltar para os livros. – sugeriu Mikael.
- Sabe o que eu quero? – perguntou Márcio tascando um baita beijo no colega.
- Hmmm...espera... eu....
- Cala boca. – ele disse tirando a roupa de Mikael e o chupando.
- Espera... eu sou...
Depois de fazerem sexo, Márcio praticamente expulsou Mikael de casa. Na escola, Márcio conversava com Kleinto quando o amigo apareceu com uma rosa.
- Que porra é essa? Pensa que sou viado? – questionou Márcio.
- Mas... ontem...
- Ontem o que? A gente estou junto. Tá louco? Quer meu pau? – questionou fazendo todos rirem.
- Eu... eu... – disse Mikael antes de sair correndo para o banheiro. – Ele mentiu pra mim... ele...
- Fica na porta Kleiton. – ordenou Márcio.
- Pode deixar acaba com ele.
- Eu palerma. – disse Márcio.
- Escuta aqui. Você já me humilhou na frente de toda a escola e...
- Não viado. Quem vai me escutar é você! Sabe quem eu sou? Eu sou a pessoa mais influente e poderosa dessa escola. Agora escuta bem, se você olhar para mim ou falar comigo, eu juro que acabo com você.
- Mas, eu não te fiz nada.
- Mikael. Você não tem noção do que eu sou capaz de fazer. Agora vaiiii.
O jovem Mikael passou os últimos anos da escola sofrendo calado, apaixonado por Márcio. Ele se mudou e virou um homem de negócios, mas nunca esqueceu a transa que teve com o amigo.
SÃO PAULO – ATUALMENTE
O relógio marcava 01h da manhã. Não conseguia dormir. Tinha medo dos surtos do Mauricio e mais medo ainda que ele se machucasse durante eles. Cochilei quando ele começou a se debater e gritar alto.
- Me solta!!! Não!!!!
- Amor!! Acorda!!! Mauricio!!! – gritei sacudindo ele.
- Você não vai me machucar mais! – ele gritou me socando. – Você não vai machucar minha família.
- Para... sou eu o Pedro. – pedi chorando.
- O que... o que aconteceu? – ele perguntou assustado.
Quando olhamos para a porta, as crianças estavam todas paradas apenas olhando. Levantei e pedi para eles irem para o quarto.
- Eu... eu não agüento mais. – ele disse chorando.
- Amor. Isso vai passar... é uma fase. – falei o abraçando.
- E se não for. Eu o vejo nos meus sonhos, eu o vejo em cada esquina que eu vou. – ele disse chorando.
- Ei. Estou aqui. Estamos aqui.
No dia seguinte, acordei com o corpo doido. Olhei para o meu braço e havia rasgado os pontos. Precisei ir para o hospital. Mauricio acordou e foi tomar café. As crianças estavam sentadas e se assustaram quando o viram.
- Bom dia. – ele disse sentando e se servindo.
Quando ele olhou não havia mais ninguém na mesa. Dora entrou e estranhou os meninos não estarem lá.
- Estão com medo de mim. – disse Mauricio.
- Pare. O senhor é o melhor pai que existe. – ela disse dobrando algumas roupas.
- É verdade.
- Oiii. Cheguei. – falei entrando em casa quando as crianças correram e me abraçaram. – O que foi? – perguntei.
- O papai ta aqui em baixo. – disse Pablo.
- Ele vai bater na gente? – perguntou Patrick.
- Claro que não meus filhos. Onde tiraram esse absurdo? – perguntei.
- Ele te bateu ontem. A gente viu.
- Crianças. O papai tava tendo um pesadelo e... – reparei que o Mauricio estava observando com os olhos marejados e subiu rapidamente. – E ele apenas estava sonhando. Vocês não precisam ter medo.
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