Primeiramente gostaria de pedir desculpas pela demora em dar sequência ao conto. Tive alguns problemas recentemente e tive que me ausentar um pouco dos meus afazeres.
Mas vamos lá:
Ainda naquela noite, resolvi pegar o meu carro e ir dar uma volta pela cidade. Estava com saudades de lá e precisava respirar um pouco. Eu imaginava que a possível reação de meus amigos quando, hipoteticamente eu revelasse meu segredo seria a mesma do Higor naquele momento. Porém eu era apenas um amigo para eles. Pra mim, é inconcebível tal atitude, em que se deixe levar por um sentimento tão negativo com relação ao próprio irmão. O Vinícius sempre foi muito próximo do Higor, e era até defendido pelo irmão em qualquer situação adversa. Era triste perceber que uma das pessoas que fez parte do meu passado possa ter um comportamento que serviria também no meu caso.
Quando passei em frente a uma praça, resolvi parar o carro e andar a pé. Após algum tempo, já cansado de tanto andar, retornei à praça, e me sentei em um banco. Fiquei pensando um tempo sobre como a minha vida havia mudado em tão pouco tempo. Saí de casa, arrumei novos amigos, namorei uma delas, descobri que era bi, namorei outro, que me traiu com outro amigo, que fez com que ele saísse da minha casa. Agora tinha encontrado uma pessoa que também estava precisando se encontrar em um relacionamento, e eu estava disposto a dar sequência aos fatos da minha vida.
Por pensar nisso, percebi que eu ainda estava muito frio com o Luiz. Eu precisava dar mais dedicação a ele, me esforçar ao máximo para ver se dava certo.
Me lembrei do Vinícius na infância. A única experiência com outro cara que eu tinha até namorar com o Murilo tinha sido o troca-troca com o Vinícius. Coisa que até então parecia ser sem sentido, o que nos afastou para o resto da nossa adolescência. E agora ele assumiu ser gay, e eu enquanto bi não pude deixar de me sensibilizar por ele. Eu tive sorte em ter meu irmão me dando apoio, mesmo ele sendo mais novo que eu. Ainda que meus pais passassem a me odiar, o Matheus estaria ao meu lado, me dando força.
Porém com o Vinícius isso não estava acontecendo. Uma pena.
Quando eu estava indo embora, percebi que tinha um casal de namorados discutindo a relação próximo a mim. Ouvi somente o final da conversa, mas percebi que a moça chorava muito. Ela estava dizendo que tinha encontrado outra pessoa, e que não queria traí-lo. O cara ficou exaltado, dizendo que tinha feito tudo que podia, que não entendia o que ele tinha feito de errado. A moça insistia que não era problema com ele, e sim que o amor que ela sentia por ele tinha perdido força com o tempo, e agora que ela tinha conhecido outra pessoa não tinha como ter dois namorados. O rapaz então disse que ele não queria terminar daquele jeito um relacionamento de vários anos.
Quando terminaram de se falar ele saiu sem dizer mais nada. Ele passou por mim e pude ver as lágrimas em seus olhos. Fiquei até com dó, mas de certa forma se o Murilo tivesse feito isso comigo, talvez eu tivesse sofrido menos. Talvez. Olhei para a moça, chorando convulsivamente naquele banco. Eu não sou do tipo que faz isso, mas resolvi ir até ela.
_Moça, você precisa de ajuda?
Ela limpou um pouco as lágrimas olhou pra mim e baixou o rosto de novo.
_Obrigada. Eu vou ficar bem.
_Eu acabei ouvindo sem querer o final da conversa de vocês. No final, você fez o certo.
_Você acha?
_Sim... Se comigo tivesse sido assim, depois eu iria me sentir grato.
_.....
_Talvez você não queira ouvir nada disso, mas... se você encontrou outro, não há motivos para enganar. Ele vai ficar triste por um tempo, mas depois passa.
_Ele foi um namorado especial. Mas não podia fazer isso com ele. Ele marcou a minha vida, mas mesmo assim, com o tempo fomos nos afastando.
Eu estava me sentindo ridículo bancando o psicólogo amoro. Geralmente eu não curto esse tipo de atitude, mas no momento era o que eu podia fazer para não ficar com peso na consciência de não ter ajudado a guria.
_A propósito, me chamo Rafael. Prazer!
_Eu.. me chamo Flávia. É um prazer também, e obrigada por ter me dito essas coisas. Isso me ajudou mesmo.
Ficamos conversando por mais alguns minutos, até que ela disse que precisava ir. Pensei em oferecer uma carona, mas como ela nem me conhecia direito, achei que ficaria estranho. Trocamos contato por facebook e acabamos nos tornando amigos (até hoje).
Quando enfim voltei pra casa, todos estavam dormindo. Ao entrar no meu quarto levei um susto pois meu irmão estava espalhado pela minha cama. Parecia até que estávamos em nossa infância, em que ele sempre fazia isso. Pensei mais uma vez na sorte que eu tinha em ter um irmão que me ofereceu suporte nesta situação. Me deitei com ele e dormi. Dormi tão bem que acordei ao meio dia do domingo.
Ao descer para a cozinha minha família estava aos risos vendo um álbum de fotos da família. Meu pai estava com um avental de “beije o churrasqueiro”, que indicava que iríamos ter uma carninha. Avisei que o Higor e outros amigos meus iriam aparecer naquela tarde. Para ser sincero, a presença do Higor iria me trazer desconforto. O incrível disso é que fomos melhores amigos por tantos anos, e agora ele demonstrava ter aversão ao homossexualismo, pisando no meu calo.
Quando chegaram, acabei esquecendo disso tudo e me divertindo como nos velhos tempos com eles. Em um momento que fiquei a sós com o Higor, ele puxou o assunto delicado de novo:
_Lembra da parada do meu irmão?
_Hã, o que tem isso?
_Amanhã ele vai vir pra casa. Minha mãe está nervosa. Parece que ele vai trazer o cara que ele tá namorando.
_Ah, é?
_Meu pai disse que não queria recebe-los, mas minha mãe convenceu ele a tentar.
_E você, o que pensa?
_Bom, como você vai ficar aqui até terça, vou ficar amanhã com você.
_Cara, não que eu me importe. Mas você vai deixar de ver teu irmão por isso?
_Rafa, você não tá lembrando? O Vinícius é gay agora.
_Não é agora cara, ele sempre foi!
Merda, abri minha boca demais.
_Como é?
_O que eu quero dizer é que, ninguém vira gay do dia pro outro. Não é escolha cara, você tem que aceitar, ele é seu irmão. Vocês sempre se deram bem. Vai dizer que tú não sente falta dele?
_Tô te estranhando. Agora é defensor da classe?
_Não. Mas não curto esse tipo de raciocínio.
_Você fala isso porque não é o Matheus que assumiu ser gay.
Eu já tinha começado, então iria até mais um pouco.
_Você não sabe o que fala, cara. Eu iria... aceitar numa boa. Afinal, ele é meu irmão.
_Você não sabe o que é passar por isso, então não dê palpite.
_Você que puxou o assunto. Quer saber a real? Se você e seus pais estão crucificando o Vinícius por que ele é gay, o que aconteceria se ele morresse? Vocês iriam agradecer a Deus?
_Também não é assim....
_É assim, sim. O cara é gay, e daí? Ele não pediu por isso, ele tá sofrendo por causa de vocês. Quer saber cara, você tá sendo um idiota. Um babaca. Ele está tentando se aproximar de vocês, e mesmo assim vocês insistem em se afastar. E se ele se cansar de ser humilhado pela própria família? O que vocês vão fazer sem ele, caso ele se vá sem mais voltar? Admita que você ainda vê ele como irmão.
_Eu não estou entendendo o porquê de tudo isso. Mas eu não concordo com você. É difícil saber que o seu irmão, que sempre foi uma pessoa, de repente muda desse jeito...
_Ele não é outra pessoa simplesmente porque assumiu. Você é que se tornou outra pessoa. Eu não sabia que você era assim.
Dito isso, me levantei e voltei para a churrasqueira. Percebi que logo depois ele foi embora. Ao me questionarem o porquê de sua saída repentina, tive que inventar qualquer coisa. Fiquei mal por ter sido rude, mas achei que era necessário. Ele tinha que reconsiderar.
Quando deu umas cinco da tarde, ele me ligou, dizendo que precisava conversar comigo, mas que precisava ser em um lugar afastado, por que ele não queria ninguém por perto. Ele disse que era pra mim encontrar ele numa antiga cachoeira fora da cidade. Estranhei o lugar, pois pensei que não precisava ser tão longe. Mas acabei concordando.
_Pessoal, vou ter que sair um pouco, mas logo volto. Fiquem a vontade.
Dei poucas explicações a todos e peguei meu carro. Ao chegar no local marcado, o carro dele estava lá, com ele encostado em uma árvore próximo ao rio.
_Eu sabia que você iria vir.
_O que foi?
_Eu fiquei pensando no que você me disse. Então vou direto ao ponto: Você é gay?
Ao tentar defender o irmão dele, logo percebi que eu estava me expondo demais. Porém eu estava sendo ingênuo. Nunca cheguei a cogitar que após a conversa ele poderia chegar a essa conclusão.
_Não. De onde você tirou isso?
_Será mesmo fael? Por que você me disse tudo aquilo. Todos esses anos em que fomos amigos, nunca percebi que você era defensor dos gays.
_Eu não sou defensor de classe nenhuma...
_Mas você é, não é?
_Não cara. Eu só...
_Achei que éramos amigos.
_Higor, agora sou eu quem não está entendendo. Onde você quer chegar.
_Aquela vez que você esteve aqui com aquele seu amigo, pensei ter visto você olhando pra ele de um jeito diferente.
_Bobeira sua.
_Não sei. Mas eu estou dando minha opinião. Você é! Não é?
_.... sim. Eu curto ficar com homens também. Agora você já pode ir contar pra todo mundo. Pode começar a me chamar de bicha, de viadinho. Se você fez isso com quem era do seu sangue.....
_Você nunca me contou porque tinha medo disso?
_Eu descobri a pouco tempo. Mas não iria te contar, por isso.
_Foi a mesma coisa que o meu irmão disse.
_E o que isso importa.
_É o que eu tô tentando entender.
Do nada ele entrou no carro e foi embora, me deixando lá com cara de otário. E agora, será que ele realmente iria contar pra alguém? Torci para que não.
Fiquei mais um tempo lá, admirando acalma das águas do rio. Quando voltei pra casa, ele estava lá. Minha visão ficou até embaçada ao vê-lo conversando com meus pais. Ele percebeu a minha presença, mas continuou o assunto com eles. Então resolvi ir pro meu quarto. Ele seria tão filho da puta comigo? Eu teria que esperar pra ver.
Depois de longos minutos, ele bate na porta do meu quarto e me chama.
_Entra.
A cara dele estava tranquila.
_Podemos conversar?
_....
_Eu sei que você está pensando que eu contei pros seus pais. Mas eu não fiz isso. Eu contei pra eles sobre o meu irmão.
_Por quê?
_Porque eu queria uma outra opinião. Sabe o que eles me disseram?
_Primeiro, o que você perguntou a eles?
_O que eles fariam se você ou o Matheus estivessem nessa situação.
_E?
_Sua mãe disse que não conseguia imaginar. Seu pai disse que iria tentar entender. Mas no fim, sua mãe acabou dizendo que, depois do seu acidente, a dor de somente imaginar ficar sem um filho foi tão grande, que condenar a atitude de um de vocês seria como perde-los. Seu pai ainda disse que eles seriam péssimos pais se não compreendessem a situação.
_Sério?
_Sim. Não vou te dizer que pra mim ficou tudo bem depois dessa conversa. Mas ajudou muito. Eu também quero tentar. Com o meu irmão e com você também.
_....
_Diz alguma coisa.
_Obrigado.
Estendi a mão para ele, que me surpreendeu vindo me abraçar.
_Eu vou tentar, eu juro.
_Eu ainda sou o mesmo. Você vai ver. E o seu irmão também é, dê uma chance de ele mostrar isso a você.
_Obrigado cara. Amanhã eu vou tentar.
De certa forma essa situação me deixou um pouco aliviado. Meus pais disseram que não me condenariam, mas ainda assim não criei coragem para revelar o segredo. Porém, saber que alguém tão especial como o Higor estava lutando para se acostumar com a realidade me deixou satisfeito.
O restinho do dia foi maravilhoso. Todos ficaram para jantar, curtimos muito a piscina e conversamos muito. Depois de tudo, o Higor continuou conversando comigo como se nada tivesse acontecido. Eu estava feliz por ele estar lutando contra os conceitos impostos pela nossa sociedade.
No outro dia fui ao médico, que confirmou que minha recuperação estava dentro da normalidade. Na terça aproveitei o dia para ficar com minha família. Antes de sair, fiquei surpreso com uma visita inusitada que recebi.
_Vinícius? Quanto tempo, cara!!
_Oi Rafa! Saudades também. Esse é o meu.... hã, namorado.
Após as apresentações, o Vinícius disse o real motivo da visita.
_Meu irmão disse que você disse muitas coisas pra ele a meu respeito. Eu agradeço você. Meus pais conversaram muito comigo, e o Higor conversou com o meu namorado.
_E como foi?
Foi quando o namorado interveio.
_Bom, o Higor só pediu para que eu cuidasse bem do irmão dele. Que ele estaria sempre de olho. E por fim, meio sem graça, me chamou de cunhado.
_E meus pais disseram que para eles não estava sendo fácil, mas que as coisas iriam mudar.
_Que bom pra vocês.
Me agradeceram muito mais tempo, e por fim foram embora.
Me despedi de todos de casa e parti rumo a minha casa. No caminho fiquei pensando em como o final de semana tinha sido proveitoso.
Ao chegar no meu apartamento, a primeira coisa que fiz foi ligar para o Luiz.
_O que você vai fazer amanhã anoite?
_Ah, eu tenho uma aula que vai até as 20 horas. Por que?
_Será que eu poderia ira aí pra te ver? Tô com saudades!!
_Mas claro, venha. Posa comigo!
_Não vai dar. Bem que eu queria. Mas já faltei demais na facul, e tô pendurado já. Preciso voltar amanhã mesmo, mas eu não tenho problemas em dirigir anoite.
Conversamos mais um tempo, e depois ficou certo de que eu iria vê-lo no outro dia.
Quando chegou o momento, apareci em sua casa. Foi difícil de encontrar, mas valeu a pena.
_Você veio mesmo- disse ele me beijando- Não tô acreditando.
_Mas é claro. Estava morrendo de saudades.
_Eu também. Queria passar o final de semana com você. Posso?
_Claro. Onde, aqui ou lá?
_Na verdade, em nenhum dos dois lugares. Tem uma pousada aqui perto, tipo um hotel fazenda. Mesmo que não dê pra xavecar em público, iria ser bom ir até lá com você.
_Put’s. Eu topo!
Marcamos tudo certinho, e depois ficamos um tempo mais nos braços um do outro. Saímos pra jantar, e de lá fui embora. A verdade é que eu queria sexo, mas a falta de tempo e de momento oportuno impediram isso. Mas tudo bem, eu iria esperar.
No outro dia, a primeira pessoa que encontrei na facul foi o Murilo.
_Bom dia Rafa. Tudo certinho? Faz dias que não nos vemos.
_Bom dia cara. Tudo certo, e com você?
_Tô levando. Como estão as coisas? E a sua família?
Ficamos nesse papo por um bom tempo, mesmo depois que a aula começou. O professor passou um trabalho para a próxima semana e ele pediu para ser a minha dupla. Aceitei numa boa.
No mesmo dia, resolvemos fazer o trabalho para não deixar para a última hora. Fui até a casa dele. Era um apê legal, bem espaçoso.
Durante os estudos ele sempre fazia questão de ficar me encarando.
_Eu não consigo parar de olhar pra você.
Aquilo me deixou muito sem graça.
_Cara..
_Relaxa rafa! De boa, nada demais. Você está com outra pessoa?
_Mais ou menos.
Vi que ele ficou surpreso, e depois ficou com cara de triste.
_Eu.... fico feliz por você.
_Valeu cara. Você deveria procurar outra pessoa também.
_Eu juro que não estou desejando mal ao seu novo relacionamento, mas eu ainda não desisti.
_Mas deveria. Você precisa ir adiante.
Estávamos muito próximos, lado a lado na mesa da cozinha. Ele me beijou de repente, o que me deixou com arrepios. Tentei não corresponder, mas não resisti. Infelizmente, nem sempre os desejos acompanham a razão.
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