Ao vê-lo, senti vontade de beijá-lo, de abraçá-lo, mas tudo aquilo foi ilusão, eu definitivamente não podia fazer isso, e aquilo me corroía.
- Melhor, é - olhei pra minha perna engessada - Bem, dentro do possível, sim.
Ele sorriu de lado, observou meu quarto e me olhou de volta.
- Belo quarto, quantos livros, quantas coisas loucas. - ele riu baixinho.
- É - ri sem humor.
- Olha cara, eu vim me desculpar, por...
- Tá tudo bem. - não o olhei nos olhos.
- Mas, cara, a culpa de você ter saído da festa foi minha.
- Mas a imprudência foi minha. - o olhei nos olhos, seus olhos azuis estavam obscurecidos e preocupados - não se culpe, por favor.
Ele abaixou a cabeça.
- Desculpa não ter te visitado, é que minha vó chegou de viagem e tive que ajudá-la em várias coisas, sinto muito mesmo, soube que você entrou em coma.
Dei de ombros.
- Ei, não dê de ombros pra mim. - ele riu e me empurrou de leve.
Olhei em seus olhos, e dei de ombros de novo, um sorriso bobo em meus lábios.
- Você é impossível hein - ele sorriu de lado.
- Eu sei, sou tão perfeito que meus pais acharam que eu era algum tipo de criança divina.
- Bobo - ele riu - Como alguém consegue fazer piada sabendo que ficou em coma há pouco tempo ?
- Fazendo, ué - dei de ombros.
Por fora, eu estava normal, até meio piadista, mas por dentro, eu estava morrendo, estava destruído, estava sozinho e obscuro.
- Então tá tudo bem mesmo ? Nenhum rancor ?
Ao ouvir aquilo me senti estranho, rancor sempre foi meu defeito fatal, e eu não conseguia ter rancor dele.
- Tudo sim, não se preocupa cara.
- Valeu, você tirou um peso dos meus ombros, cara. - ele olhou para seu celular subitamente - Opa, cara eu tenho que ir, a gente se fala depois, ok ?
- Ok ! - respondi rápido até demais.
Ele apertou minha mão e levantou.
- Espera, eu te acompanho até a porta. - fui tentando me levantar.
- Não Louis, não precisa, eu sei o caminho.
- Não, eu faço questão !
Ele me empurrou afundando meus ombros e riu de leve.
- Não precisa cara, deixa de ser teimoso.
Dei de ombros, e finalmente respondi.
- Ok.
Ele levantou e antes de chegar a porta olhou mais uma vez pra mim e sorriu, acenou e desceu.
Deitei, me afundando em meus pensamentos, eu sentia vontade de chorar, mas eu era orgulhoso demais pra isso.
Depois de semanas sem escola você se sente livre, certo ? Eu não. Eu me sentia preso, mesmo que meus amigos me visitassem sempre, eu queria sair, não aguentava mais ficar em meu quarto, não aguentava mais ler (por incrível que pareça), só me restava ficar na internet e conversar pelo facebook com os antigos amigos.
À cada vez que eu entrava era uma chuva de notificações e mensagens sobre se eu estava bem e sobre o ocorrido, eu não aguentava mais explicar, então salvei no bloco de notas o seguinte texto:
"Eu estava numa festa, uma vadiazinha tacou bebida em mim, e eu taquei nele, eu discuti com um colega por causa disso e saí correndo despirocado na chuva e pow ! O carro me pegou, e então entrei em coma, quebrei o pé, e aqui estou eu."
Era tão mais simples, e eu tinha escrito o mesmo texto em inglês e francês caso meus primos viessem me perguntar também (é claro que papai contou), eu quis bater nele porque provavelmente a vovó Marie ficou muito preocupada, mas agora tudo estava bem.
Era fim de março, eu queria voltar as aulas logo, por incrível que pareça, a chuva deu uma amenizada nos últimos dias mas logo voltou. Eu odiava chuva, a não ser pra ficar em casa e dormir, mas como eu já estava saturado de ficar em casa, eu comecei a odiar mais ainda.
Nos últimos dias me distanciei de tudo, eu precisava de um tempo sozinho, eu precisava colocar minha cabeça no lugar, mas era difícil, deitei a cabeça no travesseiro e tentei lembrar de coisas sobre Alex, um flash se jogo de vôlei passou, aquilo realmente foi ilusão, eu era péssimo em qualquer esporte, tentei lembrar de momentos românticos, mas não conseguia lembrar de quase nada, era tudo um borrão em minha mente, olhei para o jardim da janela, os bancos brancos estava ali, mas, não foi verdade aquela tarde de sol, em que Alex deitou em meu colo naquele banco, o jardim estava vazio, assim como meu coração. Então, subitamente, eu chorei.
No dia seguinte, Bruna me visitou.
Conversamos, e contei à ela sobre a visita de Alex. Meus olhos brilhavam, eu parecia uma garota de 12 anos que recebeu o convite de sair com o cara mais popular do colégio. Ao perceber isso, eu fui parando de falar rápido, e terminei de contar.
- Louis... - ela me olhou séria - Cara, você precisa parar com isso.
- Como assim - indaguei.
Seus olhos castanhos estavam sérios e concentrados.
- Há quanto tempo você conhece o Alex ? Um mês ? Vocês nunca conversaram, você não pode estar apaixonado por alguém que não conhece direito.
Ai, aquilo doeu. Aquelas palavras me atingiram como um soco, realmente doeu, porque ela estava certa.
- É, você tem razão... - subitamente meus olhos ficaram interessados pelos meus pés, eu não conseguia olhá-la nos olhos, aquilo era a verdade.
- Não quero que você sofra, eu odeio te ver sofrer, mas se você continuar assim isso vai te sufocar, e você vai sofrer.
Ela segurou minhas mãos, eu continuei com os olhos cravados no chão, era a hora de contar pra alguém aquilo.
- Bruh... tem uma coisa que você precisa saber, mas não pode contar pra ninguém, ok ?
- Ok.
- Enquanto eu estive em coma, tive alucinações, meio que um sonho, onde Alex era meu namorado, eu não lembro de praticamente nada, mas aquilo foi tão real, e...
- Que doideira - ela falou na maior seriedade possível.
- Mas, eu vou esquecê-lo, vou enfrentar isso.
- Isso aí - ela sorriu.
- Isso merece uma palha italiana de comemoração. - sorri.
- Siiiim, ai que saudade da sua palha italiana, mas Lou, e esse seu pé aí, vai conseguir coisar assim ?
- Ah, claro, sou um ser ultramente desenvolvido e cozinho com os pés ao invés das mãos. - o sarcasmo reinou sobre minha voz.
Ela me empurrou, mas não como Alex, Alex foi gentil, Bruh me empurrou e eu caí na cama.
- Grosso ! - ela riu. - estou falando sobre se movimentar.
- Ai é claro, estou com o pé engessado e não amputado.
Descemos, ela me ajudou a descer, e fomos pra cozinha, mamãe ainda não havia chegado do trabalho, meu pai trabalharia até mais tarde.
Ela me ajudou pegando o leite condensado, a manteiga e o chocolate em pó, verifiquei a geladeira e ainda tinha chocolate em barra, oba.
Derreti o chocolate com a manteiga, e Bruh ligou o fogão e começou a preparar o brigadeiro, ela adicionou um pouquinho como eu pedi de achocolatado, e então adicionei o chocolate derretido e pedi pra ela picar o biscoito (BIXCOITO, oi paulistas), e fui mexendo e mexendo, quando chegou ao ponto, Bruh colocou os biscoitos e eu mexei até virar aquela papa nojenta mas deliciosa, esperei esfriar um pouco e abri a massa em um pirex e levei a geladeira. Deixamos esfriar.
Ligamos a TV e ficamos assistindo "As Vantagens de ser Invisível" no TC Pipoca, eu já havia lido, mas nunca consegui ver o filme inteiro. Ficamos assistindo até que acabou, lembramos da palha italiana e fomos de volta pra cozinha, cortamos em pedacinhos e ao invés de passar no açúcar e deixar super doce, coloquei aveia no liquidificador e fiz uma farinha de aveia, simples, saudável e gostoso.
Comemos metade dos pedacinhos, mas deixei pros meus pais também, ficamos na sala ouvindo música e jogando Uno, até umas 18:00.
Até que mamys chegou, ela nos cumprimentou e foi pra cozinha.
- Louis Carter Brandão Lasneaux - ela gritou, e eu sabia que vinha treta por aí - que sujeira é essa na cozinha ? Ela apareceu na sala.
- Caramba, chego estressada do trabalho e me deparo com isso.
- Ai mãe, calma. - me encaminhei mancando e abri a geladeira e dei o prato com a palha italiana, ela ficou em silêncio e começou a comer suspirando, ela saiu da cozinha e voltou meio segundo depois - Limpa isso - sua voz estava visivelmente mais calma.
Bruh veio ao meu encontro e se despediu de mim:
- Beijos Louie tenho que ir, tenho um encontro, amei a palha italiana, amo você, tchau. - ela deu um beijo no meu rosto.
- Ei volta aqui, palhaça ! Vou dar na sua cara - disse rindo. Mas estava tudo bem, quantas vezes fui na casa dela e ela limpou a bagunça que fizemos - lavei a louça e fiquei assistindo TV. Derrepente meu celular vibra e vejo que tenho um novo sms. Leio:
"Risos por vc ter quebrado a pata, isso é o q da mexer cmg, vc n sabe com quem ta mexendo" by: Bianca.
Eu senti vontade de rir, e então respondi:
" VOCÊ que n sabe com quem está mexendo, quebrei mesmo todo gato tem seus dias de cão, e me poupa desse teu recalque que recalque de puta n atinge o cafetão, bjs jesus te ama"
Papai chegou e me perguntou sobre meu dia, e ele ficou feliz por eu ter me divertido, ele já havia quebrado o braço e sabe o quão chato é ficar de molho.
Naquela noite fui dormir cedo, eu queria descansar mais ainda e pelo menos esquecer Alex um pouco, mesmo que eu tenha me ocupado eu sentia algo por ele ainda, dormir me traria alívio. Eu estava errado, sonhei com ele, com ele me beijando e depois o sonho virou um pesadelo, com ele gritando que jamais me amaria e que me odiava, acordei assustado, os olhos lacrimejados, a chuva caindo lá fora, eu demorei um bom tempo pra dormir de novo.
Depois de um mês e meio de muita coceira, tirei o gesso, meu tornozelo ainda estava dolorido e duro, então tive que fazer 9 sessões de fisioterapia com a Dra. Karla, amiga da minha mãe, e então, eu estava pronto pra voltar, ainda bem que eu tinha amigos que me passavam a matéria e então não fui prejudicado. Voltar pra escola era uma ideia que me animava, por incrível que pareça, então acordei mais cedo e me arrumei bastante, assim pude saborear melhor o café da manhã e quando tia Lilian nos levou eu estava menos sonolento do que de costume, ela ficou tão aliviada de ver que eu estava bem. Chegando na escola o seu Roberto me cumprimentou e eu retribuí, era legal estar de volta, mas chato ter que falar com todo mundo sobre o acidente, aff.
Depois de todos, todos mesmo terem falado comigo (até uns whos que nunca falei), até mesmo os professores eu estava mais aliviado, naquele dia eu estava melhor, eu estava radiante, até Bianca entrar na cantina, eu estava tranquilo comendo com meus amigos e ela passou por mim e me lançou aquele olhar de vadia, não hesitei e olhei nos olhos dela com uma expressão de "vou te destruir sua vaca". Por mais que eu estivesse bem, eu ainda pensava em Alex, olhei pro nada por um tempão, Pedro contava piadas e eu forçava risos, eu observava os olhares vagos de todos, e então tudo mudou quando eu vi o seu rosto. Alex vinha entrando e vindo em minha direção, ele sentou do meu lado e me cumprimentou e a todos os meus amigos, achei legal da parte dele.
- Finalmente de volta hein cara - ele riu.
- É, finalmente sem gesso.
Do nada, começamos a conversar sobre Game of Thrones, uma série. E quando percebi o sinal já havia tocado, ele disse:
- Bom, essa é minha deixa, tenho que treinar agora.
- Treinar o quê ? - fui curioso até demais.
- Ah, futebol, voltei pro time do colégio.
- Ah - meio que me surpreendi, tanto que percebi minha boca aberta, e logo tratei de fechar.
- Eu tinha me afastado por motivos pessoais, sabe. - ele percebeu minha confusão.
Aquilo era muito estranho, a ilusão...
- Bom, tô indo - ele olhou pra mesa onde a Bianca estava com uma amiga e acenou - E aí Clara ! - e saiu. Ele não tinha falado com a Bianca...
Eu me levantei e fui atrás dele, meu andar não estava perfeito ainda, quando passei por ele estava rezando pra não parecer um pinguim. Parei depois de ouvir sua risada abafada, e me virei.
- Que foi ? - sorri.
- Você tá andando engraçado. - ele se aproximou - quer ajuda ?
- Não, não precisa, seu palhaço - me forcei a não rir.
- Ih, marrentinho ! - ele ergueu as mãos como sinal de rendição.
Marrentinho. Quase sorri.
- Até mais, Alex.
- Até.
Era mesmo bom estar de volta, até as aulas foram boas, até a de matemática. Saindo da escola com Bruna, Gabriel, Mariana, Letícia e Pedro eu ria enquanto esperava o ônibus que pegaria com a Bruna e o Gabs, então, pouco distante, encostados na árvore estavam Alex e Bianca se beijando, o modo como ele segurava a cintura dela e como ele a beijava me fez sentir quase traído, eu segurei o choro e mordi o lábio, o que estava acontecendo comigo ? Isso nunca aconteceu. Bruh notou meu olhar e viu a cena.
- Louis, para.
Me forcei o máximo que pude a não chorar e mantive a expressão fria de quase sempre.
Esse ônibus desgraçado que demorava... Eu deveria estar tentando entender porque eles voltaram a se falar assim, mas tudo o que eu pensava era deixar ela careca.
O ônibus, chegou, bem na hora que eles vinham em nossa direção, sentei na janela, Bianca me olhou, seu olhar exibia vitória, e era aquilo, eu estava derrotado, destruído. Fechei os olhos, Bruh apertou minha mão.
- Tá na hora de acabar com isso.
E tava mesmo.
- Ah, o Fred chamou a gente pra social no sábado - Lets surgiu atrás de nós. Vamos ?
Bruh me olhou, eu entendi seu olhar, o Fred era bi...
Talvez fosse a hora de começar algo novo.