EU ANTES DE VOÇÊ #2

Um conto erótico de Jonas
Categoria: Homossexual
Contém 1926 palavras
Data: 04/05/2014 21:44:30

Obrigado pelos comentários, e vamos nessa.

2009

São cento e cinquenta e oito passos entre o ponto de ônibus e minha casa, mas é possível esticar esse número para cento e oitenta se você não estiver com pressa. Ou se estiver com os sapatos que você comprou num brechó e nunca ficam bem presos nos calcanhares, o que explica por que custaram a pechincha de uma libra e noventa e nove centavos.

Virei a esquina na nossa rua (sessenta e oito passos) e logo pude ver a casa — uma casa geminada de quatro quartos numa sequência de outras casas geminadas de três e quatro quartos. O carro de papai estava do lado de fora, o que significava que ele ainda não tinha ido para o trabalho.

Às minhas costas, o sol se punha atrás do castelo Stortfold, sua sombra escura escorrendo pela colina feito cera derretida para me engolir. Quando eu era pequeno, costumávamos fazer com que nossas sombras alongadas participassem de tiroteios, nossa rua era o O.K. Corral. Em outro dia, eu poderia contar tudo o que vivi nessa rua: onde papai me ensinou a andar de bicicleta sem rodinhas; onde a Sra. Doherty, com sua peruca torta, fazia bolos galeses para nós; onde Treena, aos onze anos, prendeu a mão numa cerca viva e perturbou um ninho de vespas nos fazendo correr aos gritos por todo o trajeto até o castelo.

O triciclo de Thomas estava jogado no meio do caminho e, ao fechar o portão atrás de mim, eu o arrastei até a entrada e abri a porta. O calor me atingiu com a força de um air bag. Mamãe é torturada pelo frio e mantém a calefação ligada o ano inteiro.

Papai está sempre abrindo janelas, reclamando que ela vai nos levar à falência. Ele diz que nossa conta de luz é maior que o PIB de um pequeno país africano.

— É você?

— Sou eu. — Pendurei minha jaqueta no gancho, lutando para conseguir um espaço no meio das outras.

— Eu quem?

— Jonas.

Da porta da sala, olhei ao redor. Papai estava de bruços no sofá, o braço enfiado entre as almofadas, como se elas estivessem tentando engoli-lo. Thomas, meu sobrinho de cinco anos, o observava atentamente logo atrás.

— Lego. — Papai virou-se para mim, o rosto vermelho devido ao esforço. — Não sei por que eles fazem as malditas peças tão pequenas. Você viu o braço esquerdo de Obi- Wan Kenobi?

— Estava em cima do aparelho de DVD. Acho que ele trocou o braço do Obi pelo do Indiana Jones.

— Bom, aparentemente Obi não pode ter braços bege agora. Temos de achar os braços pretos.

— Eu não me preocuparia. Darth Vader não arranca o braço dele no segundo episódio? — Apontei para minha bochecha para Thomas dar um beijo. — Cadê a mamãe?

— No andar de cima. Veja o que eu achei! Uma moeda!

Olhei para cima bem a tempo de escutar o conhecido ranger da tábua de passar.

Josie Clark, minha mãe, jamais se senta. É uma questão de honra. Era conhecida por ficar numa escada do lado de fora pintando as janelas, parando de vez em quando para acenar, enquanto o restante de nós jantava rosbife.

— Você pode achar o bendito braço para mim? Thomas está me obrigando a procurar por isso há meia hora e preciso me arrumar para o trabalho.

— Você está no turno da noite?

— Sim. São cinco e meia.

Dei uma olhada no relógio.

— Na verdade, são quatro e meia.

Ele retirou o braço de baixo das almofadas e estreitou os olhos para conferir o relógio de pulso.

— E o que você está fazendo em casa tão cedo?

Balancei a cabeça vagamente, como se não tivesse entendido a pergunta direito, e entrei na cozinha.

Vovô estava sentado na cadeira ao lado da janela, completando um sudoku. O assistente social nos tinha dito que o jogo seria bom para melhorar a concentração dele, que ajudaria nisso depois dos derrames. Desconfio de que eu era o único a perceber que ele apenas preenchia os quadradinhos com o primeiro número que lhe viesse à cabeça.

— Oi, vovô.

Ele me olhou e sorriu.

— Quer uma xícara de chá?

Ele balançou a cabeça e abriu um pouco a boca.

— Uma bebida gelada?

Ele anuiu.

Abri a porta da geladeira.

— Não tem suco de maçã. — Disse, e então me lembrei de que suco de maçã era muito caro. — Quer um pouco de Ribena?

Ele balançou a cabeça.

— Água?

Ele fez que sim e murmurou alguma coisa que poderia ser um obrigado quando lhe entreguei o copo.

Minha mãe entrou na cozinha carregando um enorme cesto de roupas lavadas e cuidadosamente dobradas.

— Você chegou cedo. Vai a algum lugar?

— Não. — Enchi um copo com água da torneira e bebi.

— Patrick vem aqui mais tarde? Ele ligou para cá de manhã. Você desligou seu celular?

Bom Patrick era meu namorado, e sim minha família sabia de tudo da minha vida e me apoiava em tudo, isso lá dentro não era um problema.

— Hum.

— Ele falou que está tentando marcar as férias de vocês. Seu pai disse que ele viu alguma coisa sobre isso na TV. Vocês querem ir para onde? Ipsos? Calipso?

— Skiathos.

— É, isso. Você precisa verificar o hotel com muito cuidado. Faça isso pela internet. Ele e seu pai viram algo no noticiário da hora do almoço. Parece que estão fazendo uns sites, oferecendo pacotes pela metade do preço, e você só fica sabendo quando chega lá. Papai, quer uma xícara de chá? Joh não ofereceu uma para você? — Ela colocou a chaleira com água para esquentar e olhou para mim. Finalmente deve ter percebido que eu não disse nada. — Você está bem, querido? Está tão pálido.

Colocou a mão na minha testa como se eu tivesse bem menos que meus vinte e seis anos.

— Acho que não vamos tirar férias.

A mão da minha mãe ficou imóvel. O olhar dela tinha aquela coisa meio raio x desde quando eu era criança.

— Você e Pat estão com algum problema?

— Mãe, eu…

— Não estou querendo me intrometer. É que vocês estão juntos há tanto tempo. É muito natural que as coisas se compliquem de vez em quando. Quer dizer, eu e seu pai, nós…

— Fui demitido.

Minha voz cortou o silêncio. As palavras ficaram ali, no ar, esmorecendo na pequena cozinha por muito tempo após o som ter sumido.

— Você o quê?

— Frank vai fechar o café. Amanhã. — Estendi a mão com o envelope meio molhado que, em estado de choque, eu havia apertado ao longo de todo o trajeto para casa. Todos os cento e oitenta passos desde o ponto de ônibus. — Ele pagou os três meses do seguro.

* * *

O dia tinha começado como outro qualquer. Todo mundo que eu conhecia detestava manhãs de segunda-feira, mas eu nunca me incomodei. Gostava de chegar cedo ao The Buttered Bun, ligar a enorme máquina de chá, trazer os caixotes de leite e pão do depósito e conversar com Frank enquanto nos preparávamos para abrir.

Gostava do calor abafado com aroma de bacon que havia no café, das pequenas rajadas de ar frio quando a porta se abria e se fechava, do murmúrio das conversas e, quando estava tudo calmo, do rádio de Frank tocando baixinho no canto. Não era um lugar moderninho, as paredes eram cobertas de fotos do castelo da colina, as mesas ainda ostentavam tampos de fórmica e o cardápio era o mesmo desde que comecei lá, exceto por algumas mudanças nos tipos de chocolate servidos no balcão e pela inclusão de brownies e bolinhos de chocolate na bandeja de bolos gelados.

Mas, acima de tudo, eu gostava dos clientes. Gostava de Kev e de Angelo, os encanadores que vinham quase todas as manhãs e brincavam com Frank perguntando de onde vinha a carne que ele servia. Gostava da Sra. Dente-de-leão, apelidada assim por causa da cabeleira branca, que comia ovo com fritas de segunda a quinta-feira. Sempre me esforçava para conversar com ela. Desconfiava de que fosse a única conversa que a velhinha tinha durante todo o dia.

Gostava dos turistas; das crianças agitadas do colégio; dos habitués dos escritórios que ficavam do outro lado da rua; e de Nina e Cherie, as cabeleireiras que sabiam quantas calorias tinha cada produto que oferecíamos em The Buttered Bun.

Frank gostava de mim. Era calado por natureza e dizia que eu animava o lugar.

Até que, naquela tarde, depois que o movimento do almoço terminou e o café ficou vazio por um breve período, Frank, limpando as mãos no avental, saiu de trás da chapa do fogão e virou a pequena placa de Fechado para a rua.

— Ai, ai, Frank, eu já disse a você. O salário-mínimo não inclui horas-extra. — Frank era, como dizia papai, esquisito como um gnu azul. Olhei para ele.

Ele não estava sorrindo.

— Oh-oh. Não coloquei de novo sal no pote de açúcar, coloquei?

— Desculpe, Jonas — disse, depois de me contar. — Vou voltar para a Austrália. Meu pai não está bem e parece que o castelo vai mesmo começar a servir seus próprios lanches. Tem um aviso na parede. Sei que nunca tivemos, você sabe, um contrato formal ou algo do tipo, mas eu não quero deixá-lo na mão. No envelope tem três meses de salário. Fechamos amanhã.

* * *

— Três meses! — explodiu papai, quando mamãe colocou uma xícara de chá adoçado nas minhas mãos. — Bom, é generoso da parte dele, já que ele trabalhou como escravo naquele lugar nos últimos seis anos.

— Bernard. — Mamãe lançou-lhe um olhar de aviso, indicando Thomas com a cabeça. Meus pais cuidavam dele depois da escola até Treena voltar do trabalho.

— Que diabo ele deve fazer agora? No mínimo, poderia ter sido avisado com mais de um dia de antecedência.

— Bom… ele simplesmente vai ter de arrumar outro emprego.

— Não tem outra porcaria de emprego, Josie. Você sabe tão bem quanto eu. Estamos numa maldita recessão.

Mamãe fechou os olhos por um instante, como se estivesse se controlando antes de falar.

— Ele é um rapaz inteligente. Vai achar alguma coisa. Tem um currículo consistente, não tem? Frank vai escrever uma boa carta de referências.

— Ah, grande coisa… “Jonas Clark é muito bom em passar manteiga na torrada e excelente com o velho bule de chá.”

— Obrigado pelo voto de confiança, pai.

— Só estou dizendo.

Eu sabia o verdadeiro motivo da preocupação de papai. Eles dependiam do meu salário. Treena ganhava quase nada na floricultura. Mamãe não podia trabalhar, pois tinha de cuidar do vovô e a pensão dele era mínima; papai estava sempre tenso em relação a seu emprego na fábrica de móveis. Fazia meses que o patrão vinha resmungando sobre um possível corte de pessoal.

— Não vamos nos precipitar. Amanhã ele pode ir ao Centro de Trabalho e ver quais são as ofertas. Ele tem o suficiente para se sustentar, por enquanto. — Eles falavam como se eu não estivesse ali. — E é inteligente. Você é inteligente, não é, querido? Talvez possa fazer aulas de digitação. Trabalhar em um escritório.

Eu me sentei enquanto meus pais discutiam que trabalhos eu poderia conseguir com minhas poucas qualificações. Operário de fábrica, especialista em ferramentas mecânicas, passador de manteiga. Pela primeira vez naquela tarde, tive vontade de chorar. Thomas me olhava com seus grandes olhos redondos e, sem dizer nada, me deu a metade de um biscoito babado.

— Obrigado, Tommo — falei apenas movendo os lábios, sem emitir som, e comi o biscoito.

PESSOAL, eu sei que esta um pouco devagar mas a historia vai fluir pelos capítulos 5, se não tiver esse começo, fica difícil.

Comentem e espero que estejam curtindo.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 0 estrelas.
Incentive LeitordeContos™ a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários

Foto de perfil genérica

Ok eu achei esse cap muito massante mas qualquer boa historia tem pelo menos um desses ñ é? rsrsrs ansioso pelo proximo seu lindo ^.^

0 0
Foto de perfil genérica

Interessante e estranho ao mesmo tempo. Estou gostando, continua logo.

0 0