Capitulo dezenove
Enzo
Eu folheava as paginas daquele álbum com nostalgia e um sorriso no rosto.
— O que você está vendo? — Daniel veio por trás de mim e me envolveu naqueles braços negros e fortes.
— Um álbum seu — respondi olhando aquelas pessoas que conheci e que não via a algum tempo — Gostei que tenha feito um álbum para se lembrar do nosso primeiro período.
— Sério? — ele pareceu surpreso — Jony disse que é cafona e super gay.
— Mas você disse para ele que você é gay? — brinquei dando um beijo em sua boca, mas não era bom como quando beijava Gabriel.
Daniel se levantou e foi até a cozinha me deixando sozinho com minhas lembranças. Tinha uma foto de uma festa na casa da Carol (uma menina que desistiu do curso no segundo período). Na foto estavam Daniel, Guilherme (também desistente), Luciana, Victoria, Viviane e eu segurando uma garrafa de vodka na frenta da piscina. Essa foi a primeira vez que enchi a cara e acabei vomitando no banheiro. Havia várias fotos de muitas festas com várias outras pessoas se divertindo. Mas uma foto me chamou atenção. Era em outra festa, na verdade era uma boate, quando estávamos no segundo período. Nessa foto estavam Adriana (repetiu duas vezes esse mesmo meriodo e desistiu posteriormente), Miguel e Gustavo, ou Guto (como eu o chamava). Fazia tempo que eu não pensava nele e o motivo era a dor que isso me causava.
Guto foi o primeiro garoto que eu realmente gostei depois de Gabriel. Nossa história foi muito breve, porém conturbada. Conheci Guto na faculdade no primeiro período. Nós ficamos bêbados em uma festa quando comemoravam os nossa aprovação para o segundo periodo e acabamos ficando. Eu já estava a fim dele a algum tempo, mas ele não demonstrava ser gay então nunca tentei nada com ele. Aquele foi o primeiro beijo que ele tinha dado em um homem, pois ele não se aceitava como gay. Depois disso passei a tentar ajuda-lo a aceitar quem ele era. Deu certo rápido demais. Guto começou a amar quem e o que ele era e nós começamos a namorar. A aceitação dele era tamanha que ele contou para os pais. Hoje não sei se me sinto culpado por tê-lo incentivado a fazer isso ou se me sinto mal por que foi aquilo que acabou com ele. Os pais de Guto os expulsaram de casa e ele foi morar com a tia. Não conheci seus pais e ou seus dois irmãos, mas passei a odia-los por isso. Guto dizia que todos eles os desprezavam em casa e que isso estava acabando com ele. Eu era aunica pessoa que ele confiava para me contar o quanto estava sofrendo e eu me culpava ainda mais por tê-lo insentivado. Então recebi a mensagem em meu celular. Uma mensagem que demorei quase três meses para conseguir apagar.
Era madrugada quando meu celular tocou o tom de notificação. Não me lembro exatamente a hora, mas me lembro com exatidão da mensagem: "Não aguento mais. Te amo". As palavras eram curtas, mas na hora eu entendi seus significados. Guto se matou com um tiro da arma de seu tio naquela noite alguns segundos depois de me mandar a mensagem. Dizem que ele não deixou nenhuma carta e nem nada. Apenas a mensagem. A policia disse que ele chorava pouco antes de morrer e que não havia duvidas de que se tratava de suicídio.
Minha mãe me ligou no dia que aquele suicídio apareceu na televisão com o titulo de garoto deprimido comete suicídio. Ela disse que estava horrorizada com aquilo e me perguntou se eu o conhecia. Tive de me controlar para não chorar e disse a ela que ele era um amigo meu.
Me odiei durante um longo tempo, pois eu tinha o incentivado a contar para seus pais. O que eu tinha na cabeça? Eu incentivei um garoto a contar para sua familia que ele era gay, mas tinha medo de contar para os meus. Por que pensei que os pais dele teriam uma reação melhor do que os meus? Será que ainda tinha aquela fantasia infantil em minha mente de que famílias são perfeitas e que qualquer coisa é resolvida com abraços e um "eu te amo"? Será que naquela época ainda não tinha aceitado que as pessoas são mesquinhas e não aceitam nada diferente daquilo que consideram certo? Será que todos os anos em que tive medo de ir para o inferno e sofrer eternamente não me ensinaram que nada é perfeito? Eu era idiota! O mesmo idiota que abandonou o amor da sua vida por medo. O mesmo idiota que levou um garoto ao sofrimento e ao suicídio. O mesmo garoto que destruiu a vida de duas pessoas com suas teorias. Guto e Gabriel sofreram por minha causa.
— Ainda dói, não é — Daniel me abraçou por trás.
Uma lágrima caiu sobre a foto daquele garoto de pele clara, cabelos cacheados e olhos azul acinzentados que sorria.
— Não pensava nele a muito tempo — disse aparando uma lágrima antes que ela também pingasse na foto — Não acredito que já faz dois anos — disse.
— Realmente passou muito rápido — Daniel tentou me confortar sabendo o quanto aquilo era difícil para mim.
— Ele deve estar em um lugar melhor agora — disse.
Em minhas antigas crenças, as mesmas que me fizeram sofrer anos atrás e que meus pais ainda mantinham, Guto iria para o inferno e queimaria por toda a eternidade. Mas eu não acreditava nisso. Não acreditava que aquele garoto gentil e brincalhão que ele era poderia ser castigado por ter sido forçado a fazer algo. Ele foi forçado a se matar por conta do preconceito das pessoas. Não aguentou a presão que sua familia fez com ele. Não aguentou as barbaridades que lhe falaram. Guto não era o primeiro menino a desistir de viver num mundo como o nosso e com certeza não seria o ultimo. Era apenas mais um no meio de milhares.
— Você quer calguma coisa? — Dani perguntou — um café, um suco, alguma coisa com álcool? — ele sorriu na ultima opção.
— Acho que um pouco de café — respondu sorrindo apesar das lágrimas.
Ele me deu um beijo na bochecha e me tomou o álbum para que eu não ficasse mais revirando coisas que me magoavam.
— Chega de fotos por hoje — disse.
Concordei com a cabeça e Daniel voltou para a cozinha. Imediatamente percebi que não eram apenas duas pessoas que magoaria profundamente. Eu amava Gabriel e estava com ele, mas continuava com Daniel, pois não podia deixar que descobrissem sobre mim e Gabriel. Amava Daniel da mesma forma que deveria amar Gabriel. O amava como um irmão que queria sempre perto de mim e eu o estava prendendo em um relacionamento com alguém que não o amava. Não podia levar a ele nada mais que tristeza e uma vida vazia. Eu estava prestes a levar tristeza a outra pessoa que eu gostava e me odiava por não estar fazendo nada para evitar aquiloGabriel.
— Verdade ou desafio? — Isa (nossa colega de escola) perguntou a Brenda quando a boca da garrafa parou de girar apontando para ela.
Estávamos Brenda, Isabely, Érica, Luana e eu em sua casa para a "noite das meninas".
— Verdade — Brenda respondeu após pensar um pouco a respeito.
— Você ficou com o Emerson? — perguntou.
Emerson era um garoto da nossa sala que nenhuma das meninas queria ficar. Ele era muito gordo, com o rosto cheio de espinhas, vivia suado e um cheiro característico de cecê. Era um cara legal, mas era fisicamente repulsivo, porém Brenda tinha um pouco de amizade com ele e isso, e o fato de ter dito a todos, levava a crer que eles já tinham ficado.
— Não! — Brenda estremeceu com a ideia — Ele é nojento!
— Não vale mentir! — Érica incentivou.
— É Brenda! — eu concordei.
— Eu não fiquei com aquela baleia fedida! — Brenda disse furiosa — Nem por todo dinheiro do mundo!
Resolvemos acreditar e foi a vez de Brenda girar a garrafa. Ela girou algumas vezes e acabou apontada para mim.
— Verdade ou desafio? — indagou sorrindo.
— Desafio — respondi, pois estava cansado de responder perguntas.
Ela sorriu maliciosamente e Luana sussurrou algo em seu ouvido e ambas deram risadinhas.
— Você vai ter que beijar uma de nós quatro! — Brenda disse.
— Verdade — mudei de ideia na mesma hora.
— Não pode mudar — Isa disse rindo.
— Deixa eu mudar vai! — implorei. Apesar de todas elas serem muito bonitas a ideia me parecia nojenta.
— Deixa de frescura Gabi — Luana disse — Você escolheu desafio e vai ser desafio!
Me virei para a direita e dei um Celinho em Érica que me agarrou e começou a me beijar de lingua para me zoar. Aquele foi de longe o pior beijo da minha vida. Foi molhado, nojento e contra minha vontade.
— Me larga sua tarada! — disse me afastando dela.
— Vai dizer que não gostou? — Brenda brincou.
— Odiei! — disse rindo — Nunca tive tanta certeza de que sou gay. Preciso de um copo d'água pra tirar esse gosto de mulher da boca.
— Eu beijo tão mal assim? — Érica fingiu estar ofendida.
— Mal é pouco minha filha — disse me levantando do chão — Agora dá licensa que eu preciso me desintoxicar.
Sai do quarto de Brenda deixando as quatro rindo de mim. Desci as escadas e e a sala estava escura, pois os pais de Brenda e seu irmão mais novo dormiam. Fui direto para a cozinha onde tinha uma foto presa na porta por dois imãs de geladeira. Eram Brenda, seus pais, seu irmão e um rapaz mais velho que Brenda. Era um rapaz de cabelos cacheados e pele clara. Era uma foto tirada em uma praia e todos sorriam. Tirei a foto da geladeira e fiquei olhando aquele garoto, pois nunca o tinha visto em lugar nenhum.
— Não pode mexer nessa foto — uma voz infantil me assustou. Me virei para trás e Luan (irmão de nove anos de Brenda) tinha acabado de entrar na cozinha e pegava um copo no escorredor — Mamãe não deixa ninguém pegar nela.
Coloquei a foto de volta no lugar.
— Quem é esse garoto? — perguntei apontando para a foto.
— É meu irmão Gustavo. Ele morreu — Ele respondeu.
— Eu não sabia — respondi — Sinto muito.
Luan não me respondeu. Apenas abriu a geladeira e se serviu de um copo de suco e voltou para seu quarto com ele.
Fiquei atônito com aquilo. Brenda nunca havia me contado sobre seu irmão morto. Ao mesmo tempo que eu estava curioso sobre como ele morreu, eu não tinha coragem de lhe perguntar a respeitoEspero que tenham gostado dr mais este capítulo e desculpem pela demora. Até o próximo!