Capítulo 15: Caminhando para o fim (Quer que eu segure sua mão?)
Os monstros se moviam apressadamente, inexoravelmente e constantemente. Seus corpos sem formas e seus rostos sem expressões eram minha perdição. Eu estava tão amedrontado, e eles chamavam o meu nome. “Evan, Evan, Evan” mas eu não respondia nada. Minhas palavras ficavam engarrafadas na minha garganta, meus olhos vagueavam sem rumo pelo cômodo escuro, mas as únicas coisas que eu conseguia ver eram os monstros. Eram três primeiramente, depois veio mais um, depois mais tantos se juntaram aos primeiros. Eles tocaram, mas meu corpo estava tão quebrado e dolorido que a única coisa que eu consegui fazer foi me encolher mais ainda, na minha cabeça eu imaginava que quanto mais eu me encolhesse, menos eu sentiria dor. Mas foi falha a minha ideia, só fez piorar o meu estado deplorável. Lagrimas escarlates desciam lentamente quando eu me mexia, mas não era pelos meus olhos, mas sim por todo o meu corpo. Era quase como se eu estivesse criado vários pares de olhos no resto do corpo. Os cochichos que os monstros sem formas faziam era uma tortura, zuniam no meu ouvido e furavam caminho até minha mente atormentada pelo medo e pela dor, meus olhos pesavam, mas eu me recusava a dormir. Como eu poderia dormir com os monstros no meu quarto?
Quando eu não era nada mais que um pirralho magrelo com o cabelo vermelho desgrenhado eu gostava me auto denominar de “Evan-mata-bicho-papão”. Toda vez que minha mãe ia no meu quarto, a noite, para me contar história para dormir, eu ficava pulando de um lado para o outro no quarto, revistando tudo, atrás do meu monstro. Nunca encontrava. Agora eu desejava com todas as forças que eu aqueles monstros que me atormentavam fossem de mentira e que eu fosse o bravo pirralho de pernas finas ansiando para matá-los. Mas eu era apenas um adolescente quebrado, como poderia matar uma legião de monstros? Mas os monstros não faziam nada, a não ser o zunido insuportável que eles emitiam, nada mais eles faziam. Eles só queriam me amedrontar? Deixar-me tão imóvel de medo, só para depois me matarem? Minha mente estava tão febril, meu corpo também. Eu não me sentia nada bem, as lágrimas carmim brilhavam com uma tonalidade enferrujada e doentia depois que secavam. Quando não consegui mais sustentar minha cabeça no alto, deixei-a tombar para o lado e contemplei o intricado emaranhamento de linhas que eram as gotas secas de sangue no chão. As vezes as coisas mais anormais passam a ser belas quando tudo ao seu redor já não existe.
Meu cavaleiro de armadura nunca viria me resgatar daqueles monstros? Mas quanto mais eu tentava evocar o nome do meu cavaleiro dos côncavos inexplorados da minha mente, menos eu conseguia achar. Fechei os olhos e tudo começou a ficar mais lento, as dores no meu corpo pareceram ficarem menos intensa. Será que finalmente eu estava morrendo? Emily Thorne finalmente iria ter minha alma em sua coleção? Um sorriso deficiente se formou no meu rosto quando eu me toquei que não estava nem ai, ela poderia me levar, mas que me levasse para um lugar melhor, sem dor, sem frio, sem medo, sem dor, sem dor, sem dor.
Na minha frente uma armadura prateada brilhante resplandecia como um segundo sol, sendo que o sol original brilhava fortemente em algum lugar acima de mim. Aquela peça de metal quente me atraia de uma forma estranha, mas me atraia. Quanto mais perto eu chegava mais eu conseguia ver os detalhes. Além de prateado resplandecente, tinha também arabescos vermelhos e roxos que se entrelaçavam de uma maneira bastante harmoniosa, ora tinha apenas filamentos vermelhos, ora roxo e quando menos eu esperava os dois se juntavam e as vezes eu não sabia distinguir uma cor da outra. Um braço metálico se estendeu na minha direção, com o punho fechado, meus pés não obedeceram ao comando do meu cérebro, eu queria parar, mas não conseguia. A mão foi abrindo lentamente, estava em um espaço aberto, mas, mesmo assim, um som agorento de metal contra metal ecoou pela campina. O som era horrível, gotas de suor escorriam da minha testa, fazendo caminho pelas minhas bochechas e terminavam seu percurso quando eram capturadas pela gola de minha camisa. Tentei olhar para baixo, mas meus olhos estavam presos na armadura.
Um feixe de luz concentrado do sol se fixou bem na palma da mão aberta da armadura. Primeiramente horizontalmente, depois de algum tempo, verticalmente. Meus olhos choravam, levei minhas mãos até o rosto para limpar as lágrimas e senti o quão quente estava a minha pele. Fervendo, era incomodo até para mim mesmo tocar. Coloquei as mãos na frente, já que eu não conseguia mover os olhos e vi que estava chorando sangue. Queria parar, queria mesmo, mas meus pés continuavam sempre pra frente. O feixe escaldante de luz cessou e na palma da mão da armadura estava uma espada. O punho era vermelho carmim e a própria lâmina era sem cor, transparente, era a luz martelada centenas de vezes para se tornar uma lâmina. Parei bem na frente da armadura e conseguia olhar meu reflexo na armadura polida. Meus olhos eram buracos negros sem cor ou forma, filetes incessantes de sangue desciam seu curso. Um rio de sangue saindo de seu afluente. Meu cabelo era uma coisa morta, sem vida, o vermelho usual foi substituído por um branco velho, doentio. Toquei no metal em ebulição e imediatamente senti um puxão, mas que ao mesmo tempo se assemelhava com um empurrão. Estava dentro da caldeira brilhante. E foi no momento que queimava, que sentia minha pele derreter com cera de vela e meus ossos ficarem negros como carvão, que eu não tinha um cavaleiro de armadura.
Eu era o meu próprio cavaleiro.
Um grito que se assemelhava ao um guincho de um porco indo para o abate fugiu de minha boca quando eu senti a água fria no meu corpo. A dor voltou com força total, minha mente antes entorpecida agora funcionava furiosamente, me arrependi amargamente do meu grito. Água congelante entrou pela minha boca e eu comecei a tossir furiosamente, debatia meus braços freneticamente e minhas pernas também. Eu estava dentro do rio! Eu não tinha morrido?! Por que Emily?! Por quê?! Senti o fundo lamacento do rio nos meus pés e parei com o meu debatimento desesperado e fiquei em pé. Tremendo, com água pingando, e eu estava chorando. E não era um choro nada bonito.
— Evan?! Evan?! — Era a voz de Lion, mas eu não me movi. A água ondulava languidamente ao meu redor, estava em minha cintura e constatei que estava apenas de cueca. Me abracei um pouco mais forte e chorei com mais intensidade – Eu te disse, sua louca! Que isso seria uma péssima ideia!
— Se ele me chamar mais uma vez de louca, eu não respondo por mim – A voz hipinótica de Chaves chegou até meus ouvidos, mas eu continuei do mesmo jeito que estava – Ouviu, Lago? Só mais uma vez e eu perco o controle.
— Com todo o respeito senhora, mas – Lago falou – Vai ver se eu estou na esquina.
— Marvo! — Até mesmo gritando a voz dela era perfeita – Vai deixar que seu subordinado fale comigo dessa maneira?!
— Cale-se! — Estremeci um pouco mais quando escutei a voz irritada de Marvo – Cala a boca! Já não basta me manter preso aqui e ter jogado Evan no rio?! Enfia a boca no cu ou finja que é muda!
Pequenas ondas se chocaram contra mim quando alguém pulou dentro do rio, dez braçadas depois esse mesmo alguém estava na minha frente, segurando gentilmente o meu queixo e me aninhando nos seus braços como se eu fosse um animal ferido. Pela cor do cabelo, a estatura e o peso eu soube que era Lion, percebi também que ele estava chorando. Ele me tocava hesitantemente, não tocava na área onde o ferro tinha me machucado.
— Desculpa Evan, desculpa mesmo – Sua voz estava quebradiça, tão dolorida que eu cheguei a pensar que um pouco da dor do meu corpo tinha ido parar em sua voz – Eu tentei parar aquela louca, Marvo tentou parar ela, até lago fez uma tentativa. Mas ela fez mesmo assim, desculpa!
— Não tem nada para desculpar – Disse – Só me tire daqui, estou com frio.
— Claro! Claro – Ainda com as mãos calmas ele me guiou rio afora. Pegou um pedaço de pano marrom e me cobriu – Pronto, está com fome? Ou qualquer outra coi...
— Lion! — Marvo gritou, escutei uns grunhidos, pegadas apresadas e gemidos – Me tire daqui! Como ele está?! Evan! Evan, meu amor! Olhe para mim.
E olhei para ele, ou para coisa que deveria ser ele. Suas roupas estavam completamente rasgadas, tiras soltas balançavam lentamente ao soprar do vento. Grosas cordas prendiam suas mãos na costa, davam duas voltas ao redor de uma árvore e no final da corda dois outros soldados faziam força para que Marvo não se soltasse dali. As suas bochechas se inflavam bastante com o esforço e suor escorria aos montes. O rosto do meu homem estavam uma bagunça distorcida, seu olho esquerdo estava inchado e um fino filete de sangue descia de um corte em seu supercílio. Um de seus coturnos havia desaparecido, ele calçava apenas o lado direito, o esquerdo estava apenas com a meia, que já estava bem sujo. Um sentimento desconhecido borbulhou fortemente no fundo do meu estômago. Olhei em seus olhos e vi várias coisas ali, raiva e afeto eram os principais. Como eles puderam fazer isso com o meu Marvo? Com o meu homem? Tirei os braços de Lion que me rodeavam com uma chacoalhada de ombros, caiu também o pedaço de pano grosseiro.
Corri na sua direção, mesmo com o pano toda gritando em protesto. Apontei o dedo para Chaves, nunca tinha sentindo raiva como estava sentindo naquele momento. Ela corria pelas minhas veias, corroendo cada grama de qualquer outro sentimento. Deixando-me como uma panela de pressão, estava prestes a explodir. Ela não fez nada, e a raiva me assolou com mais força, fazendo com que eu não sentisse mais a dor que era a minha segunda pele. Agachei-me, peguei uma pedra e atirei na direção de Chaves. Ela foi mais rápida que o meu arremesso, mas enquanto ela se desviava eu já tinha arremessado outras pedras na direção dos caras que seguravam o meu homem. Não senti remoço algum quando vi que uma das pedras atingiu o olho de um deles e outra acertou na cabeça. Minha mira tinha ficado mais precisa a medida que eu treinava com a arma. Assim que Marvo sentiu que a pressão nas cordas tinha diminuído ele forçou e com um rugido se soltou de seu carcere improvisado. As cordas estavam tingidas de vermelho quando atingiram o solo. Nos chocamos um contra o outro no meio do caminho, uma confusão de membros doloridos e sangue.
Fazia quanto tempo que eu tinha beijado ele? Quando foi a última vez que eu senti a pressão dos seus lábios nos meus? Eu não saberia dizer, aquela sensação de preenchimento supremo me tomou. Seus lábios esmagaram os meus e suas mãos famintas devoravam cada detalhe do meu corpo quebrado. Poderia ser brega ou bobagem, mas o mundo que me rodeava desapareceu e em seu lugar estava Marvo. Beijando-me como se nunca fosse mais me soltar, nos conhecíamos a pouco mais de seis meses, mas era como se nos conhecêssemos a anos.
— Evan, Evan, Evan – Cantarolou enquanto dava pequenos beijos na minha boca, pescoço, bochechas. Cada pedacinho de pele livre ao alcance dele era beijado. — Desculpa por não ter impedido eles de te jogarem no rio.
— Não precisa fazer nada – Beijei-o também – Eu estou bem. Serio mesmo.
— Quase enlouqueço quando te encontrei encolhido no seu quarto – Sua mão traçou o limite do meu rosto – Você estava queimando em febre e falava coisa com coisa.
— Não me lembro disso.
— E nem precisa – Disse – Agora passou, você está comigo e nada, eu repito, nada vai te fazer mal.
E nos beijamos novamente. Chaves foi quem nos separou, mas eu também já queria que o beijo terminasse, minha costa estava me matando, a dor aranhava o meu ser com unhas afiadíssimas. A mulher com a incrível voz gritou comigo, com Marvo, Lion e Lago, só não gritou com a árvore quando ela tropeçou em uma de suas raízes por que ficaria feio para ela. Eu me apoiava em Marvo, mas parei de fazer isso quando eu vi que eu estava machucando-o de verdade, feias feridas rodeavam seu corpo, o atrito das cordas com a sua pele exposta resultou nisso. Lion ia ao meu lado com um braço musculoso de Lago sobre os seus ombros, eles conversavam alguma coisa bem baixinho, as vezes quando uma rajada de vento erante passava pelo meio da mata fechada eu conseguia ouvir algumas partes da conversa. Estava tão concentrado em ouvir a conversa dos outros que nem notei que Marvo estava andando lentamente, que suas passadas estavam totalmente fora de ritmo e que ele tropeçava com bastante frequência. A maioria das pessoas que estavam na beira do rio estavam na minha frente, parei quando Marvo parou, ele me puxou para junto dele e me beijou. Mas o seu beijo não era o mesmo, seus lábios estavam lentos e a pressão em meus lábios não era a mesma. Um gemido dolorido escapou do fundo de sua garganta quando ele ainda tentava me beijar.
— Marvo – Beijo – Marvo, por favor – Beijo – Marvo!
— O que foi? — Até sua voz estava arrastada – Não está gostando?
— Você não está bem – Respondi – Vamos continuar andando.
Ele não se opôs e menos de cinco minutos depois ele estava se apoiando pesadamente em mim, um cara daquele tamanho deixando que eu o carregasse. Ele estava suando e também tremendo de frio, eu não sabia o que estava acontecendo com ele, não poderia ser os cortes causados pela corda, não isso não, meu homem já deveria estar se sentindo mal. Ele foi me guiando até que enfim chegamos ao descampado. Eu estava tremendo por causa do esforço que era carregar quase cem quilos de puro músculo, gritei por ajuda quando vi algumas pessoas andando calmamente por ali. Dois homens tiraram-no de perto de mim, cambaleei um pouco e ele balbuciou alguma coisa incompreensível quando levaram-no para longe de mim. Eu estava só de cueca, a dor em minha costa agora estava beirando ao insuportável e o frio estava demais.
Cambaleante eu fui até a enfermaria. Acho que desmaiei um pouco por causa da dor, pois quando acordei eu já me sentia um pouco melhor. A dor já não era tão intensa e eu estava com fome. Tinha um pequeno copo de plástico e um minúsculo disco rosa no criado-mudo ao lado da maca hospitalar. Tomei como pre suposto que aquilo era para mim, coloquei o comprimido na boca e entornei a água que estava dentro do copo para me ajudar na ingestão do comprimido. Ainda estava apenas de cueca, eu estava quase me acostumando a não andar mais de roupa quando eu viesse parar no campo de concentração dos espiões. Me levantei, pulei da maca, tirei a lona verde que servia como porta para a enfermaria e sai no ar frio da noite. Parei a primeira pessoa que eu vi e perguntei se ela tinha visto Marvo, não soube me responder, então eu continuei com a minha busca. Pensei em voltar até a enfermaria, mas a enfermaria era só aquele quadradinho delimitado por lonas verdes e meu homem não estava ali. Procurei mais pessoas e nenhuma delas sabiam onde ele estava, eu já estava começando a ficar preocupado um pouco zangado também. Onde foi que eles esconderam o meu homem? Será que eles queriam me deixar louco?
Já com a minha paciência quase no final eu vi a última pessoa que eu queria ver. Chaves estava parada na frente de uma barraca, em uma postura bastante rígida. Trincando meus dentes para que eles não batessem por causa do frio eu fui em sua direção. Seus olhos me acompanharam desde o momento que ela me viu até no momento que eu parei em sua frente e ela nada disse então coube a mim a tarefa de falar com ela.
— Você sabe onde Marvo está?
— Perai – Começou a apalpar os bolsos de sua calça camuflada justa – Não, não ele não está no bolso.
– Chaves, para de infantilidade – Minha voz soou mais autoritária que eu imaginava e ela me olhou de cara feia – Eu só quero saber onde ele está. Não quero confusão.
— E eu por acaso ando com um rastreador pendurado no pescoço? — Rebateu ela, ácida – Não sei onde Marvo está.
Ia responder na mesma forma ácida que ela me tratou, mas escutei um gemido que eu definitivamente conhecia. Algumas vozes abafadas tosses também. O frio chicoteou mais forte a minha pele.
— Me deixe entrar, Chaves.
— Nem fodendo – Arqueei uma sobrancelha – Depois você conversa com ele. Por que não vai procurar seu amiguinho do cabelo loiro?
— Quem sabe depois – Rebati – Mas agora eu quero ver Marvo, mas eu acho que primeiro eu vou ter que passar pelo cão de guarda dele.
— Está me chamando de cachorra?
— Se a carapuça servir – Dei de ombros sugestivamente.
E ficamos naquele impasse bobo, eu tentava passar, mas como ela era uma espiã muito melhor que eu, minhas tentativas de adentrar na barraca foram falhas.
— Chaves, por Deus! — Bufei de raiva – Deixa eu passar. Preciso saber como ele está.
— Eu já disse que não!
— Por que não?!
Ela pegou em meu braço, um aperto de ferro brutal, e me saiu arrastando até que nos dois estivéssemos escondidos atrás de várias árvores.
— Eles sabem que nós estamos aqui – Falou, e eu nem perguntei quem seriam esses “eles” pois eu já sabia de quem ela estava falando. Eu fui atacado por um desses “eles” - E nos deram uma semana para nos preparar, Deus, Evan! Uma semana! Não era para isso terminar dessa maneira.
— Uma semana para que? — Fiquei com receio de perguntar, mas a pergunta fugiu da minha boca sem o meu consentimento – Diga!
— Uma semana para nos sairmos daqui – Respondeu, e toda a sua fachada de mulher-maravilha caiu por terra, agora ela era apenas uma garotinha amedrontada – Uma semana até que eles invadam aqui e matem todos nós.
— Eles não teriam coragem – Arfei.
— Sim, eles teriam.
— Não podemos, Evan – Respondeu – Fomos contratados para livrar a escola daquela corja que se apoderou de lá.
— Então nós atacamos primeiro – Disse, como quem diz que um mais um são dois – Pegamos eles de surpresa e pronto! Acabou ameaça.
— Com todos aqueles inocentes, Evan? — Me senti o maior otário quando ela falou isso – Não podemos matar gente inocente e mais.
— O que?
— O nosso melhor soldado não está em sua melhor condição. — Falou e eu ouvi como sua belíssima voz ficou fraca.
— E quem é esse ca...
Minha pergunta ficou suspensa no ar e minha cabeça chicoteou na direção da barraca que o meu homem estava, arregalei os olhos em descrença e balancei a cabeça de um lado para o outro. Não aquilo não era verdade, meu soldado não estava ruim, ele era imbatível, invencível, o meu supersoldado! Aquela mulher louca estava mentindo para mim, ela queria me deixar mais debilitado do que eu estava. Mas o seu rosto abatido me mostrava o contrário, ali na mata escura eu pude ver a verdadeira Chaves, a mulher que se escondia por detrás da comandante.
— Marvo está doente – Ela começou – E nós não sabemos o que é. Eu tentei de todas as formas mandá-lo embora, mas ele sempre recusou. Começou quando ele conheceu você, eu via a cada dia que se passava como ele ficava mais debilitado, agora ele não aguentou mais. E eu não sei o que diabos está acontecendo com ele, não sei! — E começou a chorar, se deixou cair no chão, enrolou os braços ao redor das pernas e continuou a chorar – Não sei, não sei, não sei....
Enquanto ela chorava eu chegava cada vez mais o meu abismo interior. Marvo era o meu apoio, sem ele eu definitivamente desmoronaria e nunca mais voltaria a ser eu mesmo. Queimassem-me vivo em uma fogueira, eu ia de bom grado. Se derramassem ácido no meu rosto, eu ainda pediria bis. Mas não poderia ficar sem ele. Não mesmo.
Eu poderia ser o meu próprio cavaleiro, mas sem um escudeiro eu não era nada. Quem me ajudaria a colocar a minha armadura?
Se não fosse meu escudeiro?
Se não fosse...
… Marvo?