Agora estou na frente da escola de Abel, são 18:20. A saída estava lotada de mães, e as ruas lotadas de carros estacionados. Eu estava observando cuidadosamente cada adolescente que era dispensado, quando avisto Abel ao longe, andando ao lado de um garoto totalmente afeminado, que rebolava mais que as garotas ao lado, e outro que usava o cabelo escuro e oleoso jogado sobre o rosto.
Esses adolescentes são espécimes raros do tipo de pessoa em filmes de terror americano. Tinham várias cópias de adolescentes gostosas (que morrer no começo do filme). Várias cópias de garotas putinhas que tem cara de santinha ( Que não morrem) (elas parecem a minha ex, Alice). Várias cópias de garotos jogadores de futebol (que são os terceiros a morrer). E outras várias cópias fajutas de pessoas que eu já havia visto em algum lugar.
Só Abel se destacava como seu único estilo sensual e sua beleza natural. Ele rolou os olhos pela rua, e avistou o meu. Olhou para mim, e acenou, mesmo não podendo me ver graças ao vidro preto. Ele sussurrou algo para seus amigos esquisitos e correu a grama até mim. Abriu o carro e sentou ao meu lado.
– Gostou da minha surpresa?
Pensei em mata-lo, mas antes que o leitor pense que eu farei isso, saiba que não! Eu acho que nunca seria capaz de matar Abel.
–Seu merda! Eu poderia ter me ferrado!
–Não iria se ferrar, amor...
Amor? Aquilo me lembrava Alice, eu a odeio. Mas quando Abel falava, soava como a voz de um anjo cantando para mim.
–Eu já liguei para minha mãe, ela me deixou ir à sua casa hoje, e disse que queria que você a visitasse às vezes. Que estava com saudades e tal.
–Abel, eu não te convidei para minha casa.
– Mas eu creio que; como veio me buscar, e ainda não me bateu, você está querendo saber a minha ideia da campanha, certo?
Cerrei os olhos e dei partida. O carro jogou poeira para trás e ele foi arremessado contra o banco, com a velocidade que saí.
–Uau, precisamos chegar vivos até lá, Fê.
Estava puto. Ele conseguiu tudo que queria, eu praticamente virei seu súdito, senti que não era mais ele que trabalhava para mim, mas sim o contrário. O fato é que Mauro havia adorado aquela campanha, e me disse para dá-lo mais informações sobre ela, e agora eu preciso permanecer nessa linha de raciocínio que eu não sei nem qual é, mas posso fingir saber, se eu usar o Abel para meus planos. Então iriamos para minha casa, e lá eu pediria comida japonesa, ele contaria tudo que eu precisava e depois eu o levava até em casa. Eu apresentaria a ideia dele amanhã, e ganharia meus pontos com o Mauro. Depois, demitiria Abel, porque ele sabe demais.
Era o plano mais idiota que eu poderia arquitetar. Mas poderia dar certo, desde que eu fizesse tudo conforme o planejado.
– O que o Mauro disse? – Ele se gabou enquanto perguntava.
–Ele gostou, porra – Parei por um instante, eu odiava falar palavrão e só o soltava quando realmente necessário. Era uma forma de me manter calmo diante de situações que meu pavio curto não permitia suportar. Era uma forma de evitar quebrar a cara de Abel – Eu só quero que você me explique exatamente suas ideias para essa campanha e eu faço o resto.
– Você está me usando– virou-se e olhou para meus olhos – Tudo bem, eu não quero roubar o seu lugar na empresa, não precisa me usar. Tudo que quiser eu dou de graça.
Paramos para comprar café. Quando Abel está em algum local parece que a atmosfera fica mais leve, as pessoas em volta o olham de cima a baixo. Eu não as culpo, seus olhares perdidos e apaixonados são totalmente entendidos pela beleza de Abel. Era assim quando ele estava em algum lugar, todo mundo o olhava. Até os homens mais velhos o olhavam. Havia algo em seu modo felino de andar. Algo nos olhos azuis que pareciam brilhar em um universo puro e magnífico.
Abel fez seu pedido no caixa e correu feito uma criança até a mesa. Estava tão feliz que eu podia sentir sua pele queimando em felicidade, quase explodindo. Seus olhos azuis estavam suportados por um belo sorriso que corria seu rosto de um lado ao outro.
– Eu faço outro powerpoint, – disse Abel levando o canudo verde aos lábios e sugando, depois continuou – você apresenta e eu te ajudo a expor as ideias na semana que vem. Mas, acho que precisamos cultivar mais isso. Eu achei muito fútil, muito solto.
–Normalmente nós, publicitários, ficamos dias pesquisando sobre algo e vivenciando até encontrar o resultado certo.
–Então você quer que eu fique dias pesquisando e vivenciando até encontrar o resultado certo?
–Sim.
–Mas não sei fazer isso.
–Eu te ensino – Droga, eu não havia percebido que o convidei para minha casa.
–Ok, eu vou dormir na sua casa então?
Droga. Eu não gostava de ficar próximo a Abel por causa de seus olhos azuis e seus lábios carnudos. Eu não gosto, realmente não gosto. Parece que não sou mais homem, que virei gay. Porque, realmente ele causa isso nos outros. Ele causa quedas, e eu acho que estava caído por ele.
–Sim. Precisa saber se sua mãe deixa.
– Ela deixa! – Ele disse rapidamente. Parecia bem mais alegre agora na sua fala, julgo pela velocidade com que articulou.
–Ótimo, mas ligue.
Logo após o café, dirigi até a casa dele. Agora ele morava em uma casa na zona leste. A zona leste da minha cidade é bem pobre, mas tem algumas casas que são de padrão alto. Esse era o caso da casa de Abel. Era gigante, mas mesmo assim escondida pela localização e vizinhança.
Não quis conversar com sua mãe e seu pai. Esperei que eles entendessem quando eu disse apenas um “oi”, sem sair do carro. Eles continuavam os mesmo vizinhos de sempre, acenando pela janela e dizendo que eu cresci.
Claro que eu cresci, não sou mais um adolescente.
Durante o tempo em que fiquei no carro recebi dúzias de ligações muito bem ignoradas da minha ex. Então, depois de muito o celular vibrar na minha perna, eu atendi.
“Alô, o que você quer?” eu disse.
“Eu estava pensando em você” ele parecia triste, sua voz estava calma e sucinta “Eu não acho que tenha valido a pena aquela ‘coisa’”
“Que coisa? A traição?”
“Sim...”
“Por que você não fala a porra do nome?” comecei a gritar com o telefone, abafado pelos vidros fechados do carro “T-R-A-I-Ç-Ã-O !” soletrei.
“Eu vou para su...” A ligação foi interrompida, eu havia desligado antes que ela acabasse de falar a frase e eu jogasse o celular pela janela.
Abel voltou com uma mala repleta de roupas, sorria como nunca sorriu antes. Uma mecha ainda lhe caia na frente do olho. Ele podia acordar os mortos do sono profundo com apenas aquele sorriso.
– Vamos! – Ele disse batendo a porta do carro assim que entrou.