Consegui sair do meu entorpecimento e corri em direção a ele. Me ajoelhei ao seu lado e o sacudi com moderação apesar do meu desespero.
- Bernardo?! Bernardo, acorda! Acorda, cara!
Passei a mão na sua cabeça e ela veio suja de sangue. Meu coração estava tão acelerado no meu peito que poderia sair pela boca. O Kadu chegou apressado do meu lado, chocado com aquela situação.
- Caralho Biel, o que tu fez mano?
Sem tirar os olhos do Bernardo, eu gritei:
- Chama uma ambulância Kadu, rápido!
Ele saiu correndo para pegar o celular, enquanto os outros jogadores aguardavam aflitos formando uma roda em volta da gente.
- Bernardo, pelo amor de Deus, acorda! Fala comigo!
Eu implorava, passando a mão em seu rosto enquanto minha outra mão pressionava o corte em sua cabeça. Sabia que não podia mexer nele, porque nesses casos pode ser perigoso e piorar a situação, mas a vontade que eu tinha era de abraça-lo. Apesar de toda raiva que eu sentia dele, eu nunca quis que nada de mal lhe acontecesse e agora me sentia terrivelmente culpado. Só de pensar que eu o machuquei daquele jeito, colocando sua vida em risco fazia com que quase perdesse os sentidos. Ouvia os comentários de alguns dizendo que fiz de proposito e eu era uma espécie de monstro, mas não me importava. Só ele me importava naquele momento. O Kadu voltou dizendo que a ambulância já estava a caminho, mas aquela demora estava me matando. O chamei diversas vezes, mas ele estava completamente desacordado. As lagrimas brotavam em meus olhos, mas eu segurava firme. Não podia fraquejar naquele momento. Peguei a mão dele e apertei com força.
- Você vai ficar bem, eu prometo. - Eu disse baixinho, só pra ele.
Com cuidado, pus a cabeça dele no meu colo para pressionar melhor o corte.
A ambulância chegou e o imobilizaram para depois colocar ele na maca. Acompanhei tudo apreensivo, mas não sai do lado dele. Pedi pro Kadu pegar as minhas coisas e quando o colocaram no veiculo, eu fiz questão de ir com ele. Segurei a mão dele o trajeto inteiro, enquanto com a outra mão telefonava pra minha mãe para que ela avisasse os pais dele. Eu iria assumir toda a responsabilidade, a única coisa que me interessava era ele ficar bem.
Chegamos ao hospital e entraram com ele para área restrita. Eu fiquei na sala de espera sentado com a cabeça apoiada nas mãos. Respirava descompensado de tanto medo do que pudesse acontecer. Minha cabeça girava imersa em lembranças misturadas com os últimos acontecimentos. Senti uma mão no meu ombro e quando olhei vi o Kadu sentado ao meu lado.
- Vai ficar tudo bem, Biel. Eu to aqui e vou ficar do seu lado. Se acalma.
Eu o abracei com força e as lagrimas vieram em abundância. Os soluços não me deixavam falar, só extravasavam o desespero que eu estava sentindo. O Kadu me abraçava, tentando me acalmar, me consolar, mas mal ele sabia o real sentido daquele pranto. Toda a historia que tinha por trás de uma briga de melhores amigos do passado, tudo que aconteceu e todo sentimento que eu escondia dentro do peito. Fui me acalmando, respirando mais pausadamente, pois eu não podia perder as forças, nem a fé. Minha mãe chegou acompanhada dos pais do Bernardo e logo foram buscar noticias na recepção, mas ainda não podiam informar do estado dele. A mãe dele se aproximou da gente e perguntou aflita:
- Gabriel, como isso foi acontecer?
Respirei fundo e quando abri a boca pra falar, o Kadu foi mais rápido do que eu.
- Ele levou uma bolada e bateu acidentalmente com a cabeça na trave.
- Mas quem deu essa bolada?!
- Ah a gente nem viu, foi tudo muito rápido. Foi sem querer, ninguém tinha a intenção de machucar ninguém. Futebol tem dessas coisas.
Ele falou com aparente naturalidade convencendo a mãe do Bernardo. Ela foi se juntar ao Pai dele e a minha mãe, e eu me virei a ele:
- Porque você mentiu? Eu ia assumir a responsabilidade pelo meu ato.
- Eu sei Biel, mas pra que se indispor? Os ânimos estão exaltados e a gente é tudo amigo desde moleque. Como você ia explicar a bolada proposital? Melhor deixar assim.
- Não me importo que a casa caia na minha cabeça, só quero que ele saia dessa.
- Eu sei, mas depois se você quiser contar tudo você conta, mas espera tudo se acalmar.
Fiquei em silêncio e nada disse. Os minutos se arrastavam e minha angustia só aumentava. Eu não iria me perdoar nunca se algo acontecesse com ele. Minha mãe também tentava me acalmar, sempre trazendo copos de agua ou me perguntando se eu queria alguma coisa. Não podia pensar em nada que não fosse o bem estar dele.
O medico veio dar noticias sobre o estado dele e todos se sobressaltaram. Ele explicou que ele teve um traumatismo craniano leve e que eles estavam controlando a pressão cerebral. Ele iria ficar internado em observação e se tudo corresse bem em dois dias ele estaria em casa ou até antes dependendo da evolução do quadro. No momento ele estava descansando devido a medicação, mas que assim que ele acordasse ele iria chamar a família para a visita.
Meu alivio foi tão grande que minhas pernas bambearam. O Kadu me abraçou com força, praticamente me segurando enquanto as lagrimas voltaram a banhar o meu rosto. Era como se uma tonelada tivesse saindo das minhas costas e agora eu finalmente pudesse respirar descansado. Minha mãe insistiu que eu fosse pra casa tomar um banho e tirar aquela blusa ensanguentada, mas eu não queria sair de lá antes de ver com meus próprios olhos que ele estava bem. O Kadu me emprestou uma blusa que ele tinha na mochila, e eu fui no banheiro trocar. Lavei as mãos que ainda tinham o sangue dele e depois o rosto. Olhei no espelho e me sentia um pouco melhor. Porra, que burrada que eu fiz! Eu não podia me descontrolar daquela maneira, nem podia fugir pra sempre. Eu tinha que encarar aquela situação e tentar resolver da melhor maneira.
Sai do banheiro com uma aparência melhor e continuei a aguardar. Quase três horas depois, os pais dele foram chamados e ficaram lá por quase meia hora. Eu não sabia se iam me deixar entrar pra vê-lo, mas eu não iria arredar pé dali. Quando os pais dele saíram, eu pedi pra entrar. A enfermeira não queria deixar, alegou que ele precisava descansar, mas eu garanti que seria rápido. Eu só queria vê-lo.
Entrei no quarto timidamente e o encontrei deitado coma cabeça enfaixada, com o soro no braço. Ele olhou pra mim sério e se manteve em silêncio. Me aproximei da cama lentamente e parei ao seu lado.
- Como você ta?
- Sobrevivi. Eu não sabia que seu ódio por mim era tão grande ao ponto de você tentar me matar.
- Eu não tentei te matar, Bernardo. Eu quis te acertar uma bolada, não imaginei que isso tudo fosse acontecer.
- De certa forma eu mereci aquela bolada. Espero que agora um pouco da sua raiva tenha passado pra que a gente possa enfim conversar.
- Olha Bernardo, eu confesso que eu quase morri de preocupação de te ver desacordado naquele campo. Não me perdoaria caso acontecesse algo a você, mas não se aproveita disso pra tirar vantagem. O seu estado não apaga o que aconteceu.
-Eu sei Biel. Eu errei feio com você. Na verdade eu só queria que você soubesse que pra mim foi muito difícil também. Eu acordei no dia seguinte chocado com o que tinha acontecido, agi por impulso libertando um desejo que existia dentro de mim, mas eu que não sabia lidar. Me senti confuso, perdido. Achei que lá eu poderia começar uma vida nova e me livrar daquele estigma.
- Bernardo...
- Por favor, me deixa continuar. Eu há tempos estava convivendo com aquele desejo dentro de mim e vi na minha partida a chance de realizar. Porém no dia seguinte eu acordei ainda mais apaixonado. Sim Biel, eu estava apaixonado por você e aquilo me pareceu tão errado, tão louco que eu fugi. Fiz por mim e fiz por você porque sabia que seria muito difícil pra nós dois. Não tínhamos idade, nem cabeça pra lidar com aquilo. Eu sofri muito sozinho lá. Atormentado por lembranças, por uma saudade que não passava. Pensava o tempo todo em você, sentia falta de tudo que a gente viveu.
- Olha, você precisa descansar e eu tenho que ir.
Eu disse, já virando as costas, mas ele segurou meu braço.
- Espera..
Eu olhei pra ele. Ele segurou minha mão.
- Me perdoa?
Abaixei a cabeça. Novamente o olhei.
- Não é simples dessa forma, Bernardo. Palavras não curam feridas assim.
- Eu sei, mas a única coisa que eu quero é voltar a ter contato com você, participar da sua vida. Eu não posso mudar o que aconteceu e sei que provavelmente nunca mais vai rolar de novo entre a gente. Você ta namorando...me odeia. Independente do que eu sinto, eu quero que você seja feliz. Quem sabe com o tempo, a gente não volte a ter uma amizade...talvez não como antes, mas ainda sim uma amizade. Me perdoa?
Fiquei olhando pra ele, enquanto ele segurava a minha mão, tentando absorver tudo que e ele tinha me dito. Não podia falar que iria perdoar se dentro de mim a ferida ainda estava tão viva. Também não podia negar que todo aquele ressentimento me corroía por dentro, me fazendo mais mal do que qualquer outra coisa. Eu tinha que me libertar daquilo e talvez ele tivesse me oferecendo a chance, porém tudo é um processo. Tem coisas que não podem ser ignoradas, degraus que foram quebrados tem que ser reconstruídos antes de continuar a subida.
- Bernardo, deixa que o tempo faça isso. Eu ainda não sou capaz de perdoar, mas eu também não quero carregar essa mágoa dentro de mim.
- Tudo bem, eu fico feliz só de você ter me escutando. Eu ainda tenho muita coisa pra te falar, mas vou ter paciência. Você não tem ideia do bem que me fez. Eu vou te mostrar que me arrependi e amadureci com tudo isso. Você não sofreu sozinho, eu te garanto.
Olhei pra ele e depois lentamente soltei a sua mão. Sai do quarto, e respirei fundo. Graças a Deus estava tudo bem e agora era deixar o tempo fazer o trabalho dele. Me sentia exausto e ao sair do hospital, vi que o Kadu me aguardava.
- E ai, como ele ta?
- Ta bem. Vai ser recuperar rápido, acredito eu.
- Menos pior, foi só um susto.
Concordei com a cabeça e fomos embora. Ele insistiu em me acompanhar até a minha casa, e não fiz objeção. O Kadu estava se mostrando um bom amigo. Não tínhamos tanta intimidade, mas ele era parceiro pra caramba.
Chegamos à minha casa e eu corri pra tomar um banho. Deixei a agua quente relaxar meus músculos e limpar aquelas marcas de sangue. Sai me sentindo renovado e fui encontrar com ele no quintal. Ele estava com duas cervejas na pequena mesa disposta no gramado e eu me juntei a ele. O primeiro gole é sempre o mais gostoso e agora eu podia descansar a mente.
- Kadu, se você quiser tomar um banho, de boa. Eu te empresto uma roupa e tal.
- Não, ta tudo bem. Daqui a pouco vou pra casa. Só queria me certificar que você vai ficar bem.
- Po, cara...eu nem sei como te agradecer pela força que você deu. Tu não tens ideia do quanto seu apoio foi importante pra mim. Valeu de verdade.
- Que isso, Biel. Você pode sempre contar comigo. A gente se conhece há muitos anos, mas você sempre andava grudado com o Bernardo, a gente fazia parte da mesma turma e não tinha tanto contato.
- É, eu sei. A gente se conhece há um tempão, mas eu nem sei tantas coisas assim sobre a sua vida. Já te considerava pra caralho, mas depois de hoje você subiu mais ainda no meu conceito. Obrigado mais uma vez.
- Biel, tu sabes que depois de tantos anos e agora que estamos mais próximos, você pode confiar em mim, né?
- Por que você ta falando isso, Kadu?
- O que aconteceu entre você e o Bernardo? Você nunca quis contar, mas eu sempre soube que algo de sério tinha acontecido. Não foi uma briga somente, eu vi seu desespero hoje e não foi de alguém que simplesmente machucou outra pessoa. Por mais que você tivesse colocado a vida dele em risco, a sua reação foi mais intensa. Se abre comigo, vai.
- Kadu, tem coisas da sua vida também que você nunca abriu pra mim...
- Pois é, Biel. Chegou a hora da verdade. Pra mim e pra você.
....Continua
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Hey Galera,
Fiquei muito feliz com todos os comentários carinhosos e palavras de incentivo. Todos com raiva do Bernardo e não é pra menos. É tão bom compartilhar uma historia e ver que as pessoas se solidarizam, se emocionam. Valeu mesmo!
Indeciso: O texto não ficou mais curto porque conto por páginas e sempre faço o mesmo numero de laudas, mas confesso que nem sempre vou poder manter a mesma quantidade, pois o tempo me falta, mas garanto sempre trazer uma parte nova pra vocês, mesmo que nem sempre tão grande.
Vick Tinho: Duplicar ou triplicar não dá, mas fico feliz que você esteja curtindo.
Quero agradecer a todos que me mandaram e-mails. Muito bom conhecer vocês um pouco melhor. (biel.sabatini@yahoo.com.br)
Senti falta de alguns que não comentaram no outro. ;(
Não sei se vou conseguir postar no fds, mas eu fico tão feliz e empolgado quando leio os comentários de vocês que quem sabe, ne?
agradecimentos a todos vocês:
(Nizan, Jhoen Jhol, diiegoh, Tozz, indeciso, Rick e Vinni, Vick Tinho, Ru/Ruanito, *G.M*, menino_timido_18, jrdacruz_2, Gael, Vivizinha MS, DW-SEX, Crystal *.*, DinhoCdC, inboard, Iky, THI_RJ, Babado novo, Lucas M, P3dr0!ck, theflyer, IceWolf1994,Monster, love31, SafadinhoGostosoo, HenriQ, Chele, Sori, Vi(C)tor, kiss_syndy, geomateus, trager, Gik, M(a)rcelo, Marcos Roger, TomLukas, nunocapixaba, cintiacenteno, Gabee, † Koll ] †, vini..., Priincessiinha)
Abs,
Biel.